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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sábado, 30 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

BRASIL, O PAÍS DO VALE TUDO. 

Por Abdon Marinho.

MUDAVA os canais da televisão na preguiçosa tarde sábado quando me deparo com uma cena da novela Vale Tudo, folhetim da Rede Globo que foi levado ao ar entre meados de 1988 e início de 1989. 

Parei um pouco para ver. Na cena, o filho da vilã, Afonso (personagem de Cássio Cabos Mendes) tentava argumentar com a mãe, Odete Roitman –  a megera mais perfeita da televisão brasileira de todos os tempos, brilhantemente interpretada pela atriz Beatriz Segall –, os motivos pelos quais preferia viver no Brasil e não em Paris, França. 

A megera refutava seus argumentos mais ou menos assim: — eu não entendo como preferes ficar em um país onde as pessoas cospem no chão, não respeitam a fila do cinema, que coçam as partes intimas em público...

No resto da tarde, em meus vagares, refleti sobre esta e outras cenas da novela e, principalmente, com o que aconteceu  no Brasil nestes últimos trinta anos. 

A impressão que tenho, descontadas os exageros caricatos da personagem, que propunha pena de morte como estratégia de combate à violência ou mesmo a mutilação física noutros delitos, é que Odete Roitman estava certa em muitas coisas.

Olhamos o que se passou no Brasil de 1988 para cá, com os devidos descontos, o país piorou em quase tudo. 

A exceção da inflação que era a desgraça maior daquele ano e dos seguintes – até 1994, com a implantação do Plano Real –, não temos lá muitas coisas para nos orgulhar. 

Fora o fim da inflação, a desgraça se instalou. Basta dizer que até moléstias que se encontravam erradicadas antes dos anos noventa, voltam a assombrar a população, como o sarampo, a poliomielite, etc. Basta dizer que ainda hoje as mulheres continuam morrendo de parto no país.

Se há trinta anos reclamávamos da violência, o que temos hoje? A violência se expandiu, cresceu tanto que uma só organização criminosa já estabeleceu filiais em cinco ou seis países. E no Brasil já conta com mais de trinta mil “filiados” à organização e continua crescendo à ordem de um criminoso por hora. 

A sociedade ficou refém dos criminosos, sobretudo, nas periferias, são eles que “fazem” as leis e determinam o comportamento das pessoas.

E, quando querem, afrontam as autoridades com atentados os mais diversos.  

A polícia sequer tem coragem de se assumir como tal, os policiais vivem com receio de serem descobertos, identificados, nas ruas, nas comunidades em que vivem  e serem  abatidos, pois são troféus para o crime. 

A política brasileira nos últimos trinta anos só piorou. Tornou-se o verdadeiro “vale tudo”, ou melhor, superou em tudo o folhetim, o que temos é um ajuntamento de malfeitores que passam dias,  e as noites também, tramando e buscando maneiras para sangrar os cofres da nação. 

Incrédulos assistimos pessoas que nada foram na vida além de políticos, enricarem como em passe de mágica. Qual o segredo senão a corrupção desenfreada? 

Estes são os verdadeiros “César”, o personagem de Reginaldo Farias que no fim da novela foge do país com uma fortuna roubada e nos brinda com uma “banana”. Os grandes ladroes, sequer precisam fugir, ou se esconderem, exibem o fruto do roubo para todos à luz do dia, e se vangloriam de terem desviados dos cofres públicos.

Assim com o César da novela, os nossos políticos têm feito isso esses anos todos, nos dão “bananas” gigantes. Roubam o dinheiro da saúde, da educação, da infraestrutura e posam, desavergonhadamente, de autoridades, são chamados de excelências, tem fila de seguidores que os idolatram e os festejam, sentem orgulho dos seus ladrões.  

Temos visto nações que saíram de guerras terríveis ou sofrerem cataclismos se reerguerem, darem um salto de qualidade para o seu povo; outras, que nada tinham, além da miséria, evoluírem, se desenvolverem, virarem potências mundiais, na economia, na qualidade de vida para os seus cidadãos.

O Brasil não passou por nada disso, sempre teve riquezas em abundância e não evoluímos nada. Estamos no rabo da fila em tudo que é indicador: na saúde, na educação, no desenvolvimento social, em tudo, temos crescido como rabo de cavalo, para baixo. 

A que se deve isso, senão a péssima qualidade dos nossos representantes, essa chusma que não serviriam para nada e que encontraram na política uma forma de fazerem fortuna, ainda que matando, aleijando, privando crianças e jovens de um futuro? 

A política que é a arte e uma ciência de bem governar estados e nações, no Brasil tornou-se um pântano fétido, dos quais os homens de bem fogem e, também por isso, somos governados pelos que não serviriam para nada. 

Quando comparamos o Brasil de 1988 com o de hoje, não temos dúvidas de que pioramos – e muito. 

Há trinta anos, apesar de todas as mazelas do país, tínhamos um ativo importante que, é certo, não soubemos usar ou o usamos mal: tínhamos a esperança de que teríamos um país melhor para o futuro. Acreditávamos que a Constituição iria transformar o Brasil e nos catapultar para o olimpo das grandes nações. 

O Brasil de hoje é um país em que nem o mais incorrigível dos otimistas acredita no futuro. Nem mesmo o mais “Poliana” dos cidadãos, para, também, fazer uma uma referência a um personagem da novela famoso por enxergar bondade em tudo, bem interpretado por Pedro Paulo Rangel, acredita mais num futuro de boa ventura. 

Esse é o sentimento das ruas, das pessoas com quem converso, o sentimento da desesperança. E, vejam, estamos a menos de noventa dias de eleições gerais, oportunidade única de mudarmos quase tudo, presidente da República, dois terços do Senado, todo o Congresso Nacional e Assembléias Legislativas e os governos estaduais, entretanto, ninguém acredita que vá mudar nada. 

A escolha, sabemos, é entre os que acreditamos menos ruins, pois já  sabemos que nenhum (com as exceções que justificam a regra) tem qualquer compromisso com a boa política e querem, na verdade, é se darem bem, é tirar o seu (que é o nosso).

Mas o que esperar de futuro e mudança, quando o assistimos como pretensos futuros eleitos uma legião de ilustres desconhecidos, os filhos dos fulanos, as esposas de beltranos, as amantes de sicranos, os amantes dos poderosos, que, através da eleição ganharão o primeiro emprego ou uma “bolsa” pelos serviços prestados nas alcovas. 

Mas, o que esperar do futuro do país quando vemos os “nossos” candidatos ao mais elevado cargo da República? O que esperar de um país que tem como pré-candidato melhor posicionado nas pesquisas de opinião pública, alguém que se encontra preso por corrupção e lavagem de dinheiro? O que esperar quando vemos nos demais a patente inabilidade para apontar um rumo minimamente aceitável para o país? O que esperar de um país quando vemos autoridades erguerem o braço de notórios corruptos e os apresentarem como solução para os nossos problemas? 

Fico imaginando o que a megera da Odete Roitman diria analisando esse dantesco quadro político nacional, onde aqueles que não servem para nada na vida viram deputados, senadores, governadores, prefeitos e até presidentes. 

O Brasil de hoje, arrisco de dizer, é uma caricatura em que a realidade “derrotou” o folhetim. 

Um país bem pior do que poderíamos imaginar há trinta anos. Pois, neste tempo, nos desapossaram de tudo, inclusive da esperança. 

Hoje, talvez, cuspir no chão, furar a fila do cinema ou coçar as partes íntimas em público, sejam os menores dos nossos males. 

A “cara” do Brasil revela chagas maiores. 

Abdon Marinho é advogado.