AbdonMarinho - BRASIL, O PAÍS DO VALE TUDO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

BRASIL, O PAÍS DO VALE TUDO.

BRASIL, O PAÍS DO VALE TUDO.

Por Abdon Marinho.

MUDAVA os canais da tele­visão na preguiçosa tarde sábado quando me deparo com uma cena da nov­ela Vale Tudo, fol­hetim da Rede Globo que foi lev­ado ao ar entre mea­dos de 1988 e iní­cio de 1989.

Parei um pouco para ver. Na cena, o filho da vilã, Afonso (per­son­agem de Cás­sio Cabos Mendes) ten­tava argu­men­tar com a mãe, Odete Roit­man – a megera mais per­feita da tele­visão brasileira de todos os tem­pos, bril­hante­mente inter­pre­tada pela atriz Beat­riz Segall –, os motivos pelos quais prefe­ria viver no Brasil e não em Paris, França.

A megera refu­tava seus argu­men­tos mais ou menos assim: — eu não entendo como pref­eres ficar em um país onde as pes­soas cospem no chão, não respeitam a fila do cin­ema, que coçam as partes inti­mas em público…

No resto da tarde, em meus vagares, refleti sobre esta e out­ras cenas da nov­ela e, prin­ci­pal­mente, com o que acon­te­ceu no Brasil nestes últi­mos trinta anos.

A impressão que tenho, descon­tadas os exageros car­i­catos da per­son­agem, que prop­unha pena de morte como estraté­gia de com­bate à vio­lên­cia ou mesmo a muti­lação física noutros deli­tos, é que Odete Roit­man estava certa em muitas coisas.

Olhamos o que se pas­sou no Brasil de 1988 para cá, com os dev­i­dos descon­tos, o país piorou em quase tudo.

A exceção da inflação que era a des­graça maior daquele ano e dos seguintes – até 1994, com a implan­tação do Plano Real –, não temos lá muitas coisas para nos orgul­har.

Fora o fim da inflação, a des­graça se instalou. Basta dizer que até molés­tias que se encon­travam errad­i­cadas antes dos anos noventa, voltam a assom­brar a pop­u­lação, como o sarampo, a poliomielite, etc. Basta dizer que ainda hoje as mul­heres con­tin­uam mor­rendo de parto no país.

Se há trinta anos reclamá­va­mos da vio­lên­cia, o que temos hoje? A vio­lên­cia se expandiu, cresceu tanto que uma só orga­ni­za­ção crim­i­nosa já esta­b­ele­ceu fil­i­ais em cinco ou seis países. E no Brasil já conta com mais de trinta mil “fil­i­a­dos” à orga­ni­za­ção e con­tinua crescendo à ordem de um crim­i­noso por hora.

A sociedade ficou refém dos crim­i­nosos, sobre­tudo, nas per­ife­rias, são eles que “fazem” as leis e deter­mi­nam o com­por­ta­mento das pessoas.

E, quando querem, afrontam as autori­dades com aten­ta­dos os mais diver­sos.

A polí­cia sequer tem cor­agem de se assumir como tal, os poli­ci­ais vivem com receio de serem descober­tos, iden­ti­fi­ca­dos, nas ruas, nas comu­nidades em que vivem e serem abati­dos, pois são troféus para o crime.

A política brasileira nos últi­mos trinta anos só piorou. Tornou-​se o ver­dadeiro “vale tudo”, ou mel­hor, superou em tudo o fol­hetim, o que temos é um ajun­ta­mento de malfeitores que pas­sam dias, e as noites tam­bém, tra­mando e bus­cando maneiras para san­grar os cofres da nação.

Incré­du­los assis­ti­mos pes­soas que nada foram na vida além de políti­cos, enri­carem como em passé de mág­ica. Qual o seg­redo senão a cor­rupção desen­f­reada?

Estes são os ver­dadeiros “César”, o per­son­agem de Regi­naldo Farias que no fim da nov­ela foge do país com uma for­tuna roubada e nos brinda com uma “banana”. Os grandes ladroes, sequer pre­cisam fugir, ou se escon­derem, exibem o fruto do roubo para todos à luz do dia, e se van­glo­riam de terem desvi­a­dos dos cofres públicos.

Assim com o César da nov­ela, os nos­sos políti­cos têm feito isso esses anos todos, nos dão “bananas” gigantes. Roubam o din­heiro da saúde, da edu­cação, da infraestru­tura e posam, desaver­gonhada­mente, de autori­dades, são chama­dos de excelên­cias, tem fila de seguidores que os idol­a­tram e os fes­te­jam, sen­tem orgulho dos seus ladrões.

Temos visto nações que saíram de guer­ras ter­ríveis ou sofr­erem cat­a­clis­mos se reer­guerem, darem um salto de qual­i­dade para o seu povo; out­ras, que nada tin­ham, além da mis­éria, evoluírem, se desen­volverem, virarem potên­cias mundi­ais, na econo­mia, na qual­i­dade de vida para os seus cidadãos.

O Brasil não pas­sou por nada disso, sem­pre teve riquezas em abundân­cia e não evoluí­mos nada. Esta­mos no rabo da fila em tudo que é indi­cador: na saúde, na edu­cação, no desen­volvi­mento social, em tudo, temos crescido como rabo de cav­alo, para baixo.

A que se deve isso, senão a pés­sima qual­i­dade dos nos­sos rep­re­sen­tantes, essa chusma que não serviriam para nada e que encon­traram na política uma forma de faz­erem for­tuna, ainda que matando, alei­jando, pri­vando cri­anças e jovens de um futuro?

A política que é a arte e uma ciên­cia de bem gov­ernar esta­dos e nações, no Brasil tornou-​se um pân­tano fétido, dos quais os homens de bem fogem e, tam­bém por isso, somos gov­er­na­dos pelos que não serviriam para nada.

Quando com­para­mos o Brasil de 1988 com o de hoje, não temos dúvi­das de que pio­ramos – e muito.

Há trinta anos, ape­sar de todas as maze­las do país, tín­hamos um ativo impor­tante que, é certo, não soube­mos usar ou o usamos mal: tín­hamos a esper­ança de que teríamos um país mel­hor para o futuro. Acred­itá­va­mos que a Con­sti­tu­ição iria trans­for­mar o Brasil e nos cat­a­pul­tar para o olimpo das grandes nações.

O Brasil de hoje é um país em que nem o mais incor­rigível dos otimis­tas acred­ita no futuro. Nem mesmo o mais “Poliana” dos cidadãos, para, tam­bém, fazer uma uma refer­ên­cia a um per­son­agem da nov­ela famoso por enx­er­gar bon­dade em tudo, bem inter­pre­tado por Pedro Paulo Rangel, acred­ita mais num futuro de boa ven­tura.

Esse é o sen­ti­mento das ruas, das pes­soas com quem con­verso, o sen­ti­mento da deses­per­ança. E, vejam, esta­mos a menos de noventa dias de eleições gerais, opor­tu­nidade única de mudar­mos quase tudo, pres­i­dente da República, dois terços do Senado, todo o Con­gresso Nacional e Assem­bléias Leg­isla­ti­vas e os gov­er­nos estad­u­ais, entre­tanto, ninguém acred­ita que vá mudar nada.

A escolha, sabe­mos, é entre os que acred­i­ta­mos menos ruins, pois já sabe­mos que nen­hum (com as exceções que jus­ti­fi­cam a regra) tem qual­quer com­pro­misso com a boa política e querem, na ver­dade, é se darem bem, é tirar o seu (que é o nosso).

Mas o que esperar de futuro e mudança, quando o assis­ti­mos como pre­ten­sos futuros eleitos uma legião de ilus­tres descon­heci­dos, os fil­hos dos fulanos, as esposas de bel­tra­nos, as amantes de sicra­nos, os amantes dos poderosos, que, através da eleição gan­harão o primeiro emprego ou uma “bolsa” pelos serviços presta­dos nas alco­vas.

Mas, o que esperar do futuro do país quando vemos os “nos­sos” can­didatos ao mais ele­vado cargo da República? O que esperar de um país que tem como pré-​candidato mel­hor posi­cionado nas pesquisas de opinião pública, alguém que se encon­tra preso por cor­rupção e lavagem de din­heiro? O que esperar quando vemos nos demais a patente inabil­i­dade para apon­tar um rumo min­i­ma­mente aceitável para o país? O que esperar de um país quando vemos autori­dades erguerem o braço de notórios cor­rup­tos e os apre­sentarem como solução para os nos­sos prob­le­mas?

Fico imag­i­nando o que a megera da Odete Roit­man diria anal­isando esse dan­tesco quadro político nacional, onde aque­les que não servem para nada na vida viram dep­uta­dos, senadores, gov­er­nadores, prefeitos e até pres­i­dentes.

O Brasil de hoje, arrisco de dizer, é uma car­i­catura em que a real­i­dade “der­ro­tou” o fol­hetim.

Um país bem pior do que poderíamos imag­i­nar há trinta anos. Pois, neste tempo, nos desapos­saram de tudo, inclu­sive da esper­ança.

Hoje, talvez, cus­pir no chão, furar a fila do cin­ema ou coçar as partes ínti­mas em público, sejam os menores dos nos­sos males.

A “cara” do Brasil rev­ela cha­gas maiores.

Abdon Mar­inho é advo­gado.