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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 01 de Dezembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

ALEIJADO, SIM; ADULADOR, JAMAIS. 

Por Abdon Marinho. 

CORRIA a quadra final do governo Sarney (1966-1971) quando fui acometido pela poliomielite. Tinha um ano ou pouco mais. Morávamos em um povoado distante de tudo, sobretudo, do conhecimento. Era o oitavo filho de pais agricultores e analfabetos por parte de pai, mãe e parteira. 

Enquanto a doença me consumia, minha mãe, muito devota, se apegava às promessas a São Francisco e aos remédios caseiros. Nada surtia efeito. A “guerra” estava quase perdida quando apareceu um vizinho de nome Joaquim Rosa e disse a mamãe: “— comadre, leve esse menino imediatamente a Teresina senão ele morre”.

Assim foi. Meus pais reuniram as poucas economias, e minha mãe seguiu comigo, primeiro no lombo de burros até Dom Pedro – não havia estradas –, e, de lá, até Teresina, em um “pau de arara”.

Os médicos evitaram o pior, mas não as sequelas. Tive que reaprender a andar e a conviver com a poliomielite desde então. 

Vendo com os olhos de hoje, penso que ela (a pólio) ocorreu num “bom” momento, pois tinha minha mãe para cuidar de mim, cerca de quatro anos e dois partos depois ela partiria nos deixando na orfandade. 

Em pouco mais de cinco anos, tive poliomielite, e minha mãe morreu de parto do seu décimo filho. Tinha pouco mais de 36 anos. 

Posso dizer que o Estado falhou comigo duas vezes: ao não me garantir a vacinação necessária e ao tirar minha mãe tão jovem. Sinto tristeza, mas não carrego comigo mágoas. 

A pólio é uma doença que nos lega algumas limitações e, não raro, suas sequelas se agravam com o passar do tempo. Eu, por exemplo, quando mais novo andava quilômetros sem me cansar, chegava a ir a pé ou de “monareta”, uma bicicleta que tive, do nosso povoado à cidade mais próxima, Gonçalves Dias,  e  voltar no fim da tarde. Hoje, poucos metros, subir escadas, já me causam cansaço. 

Quando jovem, era outro papo, passava os dias passarinhando no mato, banhando no açude, indo com meu pai por léguas buscar arroz, milho ou feijão, que ele comprava “na folha”, descendo as ladeiras no carrinho de rolimã ou numa conga de carnaúba, e tantas outras coisas. 

Por minha condição e também por morar em um povoado sem escola, comecei tarde nos estudos, oito ou nove anos. Primeiro no Aldenora Belo de Governador Archer e depois no Bandeirante, de Gonçalves Dias. O segundo grau já foi na capital, no Liceu Maranhense, e depois de algumas tentativas, passei no vestibular e formei-me em Direito pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA.

Desde então, com as dificuldades da profissão, que todos conhecemos, vivo do nobre ofício de advogar. 

Pois bem, fiz estas observações porque, cinquenta anos depois, quando falo ou escrevo algo que desagrade os donos do poder, eles, através de seus bajuladores de plantão, acusam-me de ser “manco”, como se eu, com um ano de idade, tivesse “culpa” de ter sido acometido por uma doença. 

Não que isso me incomode, em absoluto, aliás, tempos atrás, até escrevi um texto sobre o assunto: “Sou Deficiente, e daí?”. Por outro lado, isso muito revela sobre o caráter – ou a falta dele –, destes detratores e dos seus “donos”. 

O que dizer de quem, para desmerecer alguém, à falta de qualquer argumento, acusa-o de possuir uma deficiência física? Ou mental? Ou mesmo possuir uma condição sexual ou de gênero diferente da sua ou da maioria? Ou de ser idoso?

Não raro, no Maranhão de hoje, vejo isso acontecer, não apenas comigo, mas com diversos outros cidadãos. Eu sou o “manco”, o Dr. Pedro Leonel Pinto de Carvalho, um dos mais respeitados advogados do Brasil, é “octogenário” com disfunção erétil, o presidente da República é o “colostomizado”. 

Decerto temos outros infinitos defeitos, basta só procurar bem. 

Dos ataques por condições pessoais, até aqui, só tenho visto escapar os obesos, talvez por não quererem “falar do boi em cima do couro”, como bem ensina o dito popular.  

Em relação a esse “aleijado”, até colocam um pato com o pé enfaixado e de muleta, com uma caricatura com alguns traços meus, bem mal feita, por sinal, até porque tive poliomielite nas duas pernas. Uso a caricatura para ilustrar o texto.

Como esse nível de bajulação nunca é desinteressada, devo imaginar que, de alguma forma, parte dos impostos que pago – e que pagamos todos, em cifras cada vez mais elevadas, graças ao atual governo –, estejam servindo para remunerar esse tipo de desqualificados que já não conseguem mais sobreviver apenas da exploração de anciãs. 

Aos bajuladores sempre sobram as migalhas do poder, uma sinecura em alguma secretaria, prefeitura, nos poderes do estado ou mesmo algum jabá das gordas contas ofertadas às agências de publicidade que trabalham com afinco para vender mérito onde só existem defeitos – dinheiro que muito faz falta à educação e à saúde. 

O certo é que, de alguma forma, nós, os contribuintes, estamos pagando para sermos desqualificados (ou, pelo menos, sofrermos tentativas de ofensas) quando esboçamos quaisquer opiniões dissonantes àquelas dos atuais donatários do poder.

As últimas “tentativas” de ofensas – não considero ofensa ser chamado de manco ou aleijado –, vieram por conta do texto “Cumpra-se, conforme a vontade del Rei”, onde critico um decreto do governo que autoriza o descumprimento de decisões judiciais ou ao menos as condicionam a determinados requisitos. 

Embora inócuo, o decreto de sua Excelência, pelo menos para as terras maranhenses, cria uma bizarra espécie de “Quinta Instância” no Poder Judiciário, que, com chiste, disse será comandada pelo seu Zezinho da SEPLAN, o funcionário do terceiro ou quarto escalão encarregado de verificar as dotações orçamentárias e a disponibilidade financeira para, então, inserir vantagens aos servidores públicos, ainda que decididas como direito dos mesmos até pelo Supremo Tribunal Federal - STF. 

Esse tipo de ridículo planetário a que o Maranhão é, mais uma vez, submetido – fico até imaginando as pessoas questionando os maranhenses sobre a criação da Quinta Instância ou o fato da última palavra sobre o cumprimento de decisão judicial ser dada pelo seu Zezinho da SEPLAN ou mesmo que o “cumpra-se” dos magistrados deva ser seguido de considerações –, tem como causa o fato do atual governador, temendo ser ofuscado por algum auxiliar, tenha se cercado de “fãs” e, pior, de xerimbabos, aduladores da pior espécie, daqueles capazes de elogiar os gases soltos, apenas para agradar o “chefe”. 

Alerto sobre isso desde antes da posse, na “carta aberta” logo após a eleição, já dizia: fuja dos aduladores. Em diversos outros textos, inclusive no “O Menino Só”, falo sobre a ausência de pessoas capazes de chamar a atenção de sua Excelência ante alguns dos seus desatinos – e não tem sido poucos. 

Sobra aquela sensação de que estamos sendo guiados por “cachorro mijado por gambá”, ou seja, sem faro algum para nos conduzir a um bom destino. 

O time, se fosse escalado pelo “manco”, seria um time de pessoas capazes e não de incapazes capazes de tudo, sobretudo, adular o “capitão”, ainda que coberto de erros e tenha perdido o pênalti na cara do gol.

A frustração do “aleijado” - que na verdade tornou-se aleijado pela omissão do Estado –, é saber que depois de cinquenta anos, e já com os quatro do atual governo, as mulheres do Maranhão ainda morram de parto por falta de assistência e pacientes morram enquanto aguardam na fila por um atendimento ou sofram no chão frio e imundo dos hospitais públicos, pois sequer leitos ou macas lhes são disponibilizadas. 

Isso causa frustração, dor e revolta. Assim como causa frustração ver certos frequentadores de escândalos policiais comandarem as obras públicas do estado.

Causa profunda frustração assistir à perseguição a jornalistas e a cidadãos livres que ousam emitir uma opinião contrária ao governo que se prometeu democrático e libertário. 

E essa é a mesma frustração que sinto quando assisto à desenvoltura no palácio do governo de certos tipos que conhecemos bem e que há muito tempo deveriam ser hóspedes do Estado. 

Causa frustração, desencanto e tristeza saber que um estado tão rico, como é o nosso, possui uma população tão pobre, com mais da metade vivendo abaixo da linha da pobreza. 

Não, esse não foi o tipo de futuro que sonhei e desejei para o Maranhão e isso é, de fato, muito frustrante. 

O povo do Maranhão expia uma culpa que não é sua, mas sim de governantes inábeis, incompetentes ou corruptos, ou tudo isso junto, e isso é frustrante. 

São cinquenta anos de frustrações com os destinos do Maranhão, e  uma parcela delas é  causada pelo atual governo. 

Fico feliz que o meu “defeito” seja ter sido vítima da poliomielite e tenha me tornado “aleijado”. Não tem problema, convivo bem com isso. 

Certamente não conviveria bem se o meu defeito fosse o vício da adulação, da bajulação ou da sabujice quase tão graves ou igual ao vício em substâncias ilícitas. 

Mas cada um com suas escolhas. Como bem ensinam os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, foi o próprio Jesus Cristo que disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. 

Abdon Marinho é advogado.