AbdonMarinho - ALEIJADO, SIM; ADULADOR, JAMAIS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

ALEI­JADO, SIM; ADU­LADOR, JAMAIS.

ALEI­JADO, SIM; ADU­LADOR, JAMAIS.

Por Abdon Mar­inho.

COR­RIA a quadra final do gov­erno Sar­ney (19661971) quando fui acometido pela poliomielite. Tinha um ano ou pouco mais. Morá­va­mos em um povoado dis­tante de tudo, sobre­tudo, do con­hec­i­mento. Era o oitavo filho de pais agricul­tores e anal­fa­betos por parte de pai, mãe e parteira.

Enquanto a doença me con­sumia, minha mãe, muito devota, se ape­gava às promes­sas a São Fran­cisco e aos remé­dios caseiros. Nada sur­tia efeito. A “guerra” estava quase per­dida quando apare­ceu um viz­inho de nome Joaquim Rosa e disse a mamãe: “— comadre, leve esse menino ime­di­ata­mente a Teresina senão ele morre”.

Assim foi. Meus pais reuni­ram as pou­cas econo­mias, e minha mãe seguiu comigo, primeiro no lombo de bur­ros até Dom Pedro – não havia estradas –, e, de lá, até Teresina, em um “pau de arara”.

Os médi­cos evi­taram o pior, mas não as seque­las. Tive que reapren­der a andar e a con­viver com a poliomielite desde então.

Vendo com os olhos de hoje, penso que ela (a pólio) ocor­reu num “bom” momento, pois tinha minha mãe para cuidar de mim, cerca de qua­tro anos e dois par­tos depois ela par­tiria nos deixando na orfan­dade.

Em pouco mais de cinco anos, tive poliomielite, e minha mãe mor­reu de parto do seu décimo filho. Tinha pouco mais de 36 anos.

Posso dizer que o Estado fal­hou comigo duas vezes: ao não me garan­tir a vaci­nação necessária e ao tirar minha mãe tão jovem. Sinto tris­teza, mas não car­rego comigo mágoas.

A pólio é uma doença que nos lega algu­mas lim­i­tações e, não raro, suas seque­las se agravam com o pas­sar do tempo. Eu, por exem­plo, quando mais novo andava quilômet­ros sem me cansar, chegava a ir a pé ou de “monareta”, uma bici­cleta que tive, do nosso povoado à cidade mais próx­ima, Gonçalves Dias, e voltar no fim da tarde. Hoje, poucos met­ros, subir escadas, já me causam cansaço.

Quando jovem, era outro papo, pas­sava os dias pas­sar­in­hando no mato, ban­hando no açude, indo com meu pai por léguas bus­car arroz, milho ou fei­jão, que ele com­prava “na folha”, descendo as ladeiras no car­rinho de rolimã ou numa conga de car­naúba, e tan­tas out­ras coisas.

Por minha condição e tam­bém por morar em um povoado sem escola, come­cei tarde nos estu­dos, oito ou nove anos. Primeiro no Alde­nora Belo de Gov­er­nador Archer e depois no Ban­deirante, de Gonçalves Dias. O segundo grau já foi na cap­i­tal, no Liceu Maran­hense, e depois de algu­mas ten­ta­ti­vas, pas­sei no vestibu­lar e formei-​me em Dire­ito pela Uni­ver­si­dade Fed­eral do Maran­hão — UFMA.

Desde então, com as difi­cul­dades da profis­são, que todos con­hece­mos, vivo do nobre ofí­cio de advogar.

Pois bem, fiz estas obser­vações porque, cinquenta anos depois, quando falo ou escrevo algo que desagrade os donos do poder, eles, através de seus baju­ladores de plan­tão, acusam-​me de ser “manco”, como se eu, com um ano de idade, tivesse “culpa” de ter sido acometido por uma doença.

Não que isso me inco­mode, em abso­luto, aliás, tem­pos atrás, até escrevi um texto sobre o assunto: “Sou Defi­ciente, e daí?”. Por outro lado, isso muito rev­ela sobre o caráter – ou a falta dele –, destes detra­tores e dos seus “donos”.

O que dizer de quem, para desmere­cer alguém, à falta de qual­quer argu­mento, acusa-​o de pos­suir uma defi­ciên­cia física? Ou men­tal? Ou mesmo pos­suir uma condição sex­ual ou de gênero difer­ente da sua ou da maio­ria? Ou de ser idoso?

Não raro, no Maran­hão de hoje, vejo isso acon­te­cer, não ape­nas comigo, mas com diver­sos out­ros cidadãos. Eu sou o “manco”, o Dr. Pedro Leonel Pinto de Car­valho, um dos mais respeita­dos advo­ga­dos do Brasil, é “octo­genário” com dis­função erétil, o pres­i­dente da República é o “colostomizado”.

Decerto temos out­ros infini­tos defeitos, basta só procu­rar bem.

Dos ataques por condições pes­soais, até aqui, só tenho visto escapar os obe­sos, talvez por não quer­erem “falar do boi em cima do couro”, como bem ensina o dito pop­u­lar.

Em relação a esse “alei­jado”, até colo­cam um pato com o pé enfaix­ado e de muleta, com uma car­i­catura com alguns traços meus, bem mal feita, por sinal, até porque tive poliomielite nas duas per­nas. Uso a car­i­catura para ilus­trar o texto.

Como esse nível de baju­lação nunca é desin­ter­es­sada, devo imag­i­nar que, de alguma forma, parte dos impos­tos que pago – e que pag­amos todos, em cifras cada vez mais ele­vadas, graças ao atual gov­erno –, este­jam servindo para remu­nerar esse tipo de desqual­i­fi­ca­dos que já não con­seguem mais sobre­viver ape­nas da explo­ração de anciãs.

Aos baju­ladores sem­pre sobram as migal­has do poder, uma sinecura em alguma sec­re­taria, prefeitura, nos poderes do estado ou mesmo algum jabá das gor­das con­tas ofer­tadas às agên­cias de pub­li­ci­dade que tra­bal­ham com afinco para vender mérito onde só exis­tem defeitos – din­heiro que muito faz falta à edu­cação e à saúde.

O certo é que, de alguma forma, nós, os con­tribuintes, esta­mos pagando para ser­mos desqual­i­fi­ca­dos (ou, pelo menos, sofr­ermos ten­ta­ti­vas de ofen­sas) quando esboçamos quais­quer opiniões dis­so­nantes àque­las dos atu­ais donatários do poder.

As últi­mas “ten­ta­ti­vas” de ofen­sas – não con­sidero ofensa ser chamado de manco ou alei­jado –, vieram por conta do texto “Cumpra-​se, con­forme a von­tade del Rei”, onde critico um decreto do gov­erno que autor­iza o des­cumpri­mento de decisões judi­ci­ais ou ao menos as condi­cionam a deter­mi­na­dos req­ui­si­tos.

Emb­ora inócuo, o decreto de sua Excelên­cia, pelo menos para as ter­ras maran­henses, cria uma bizarra espé­cie de “Quinta Instân­cia” no Poder Judi­ciário, que, com chiste, disse será coman­dada pelo seu Zez­inho da SEPLAN, o fun­cionário do ter­ceiro ou quarto escalão encar­regado de ver­i­ficar as dotações orça­men­tárias e a disponi­bil­i­dade finan­ceira para, então, inserir van­ta­gens aos servi­dores públi­cos, ainda que deci­di­das como dire­ito dos mes­mos até pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF.

Esse tipo de ridículo plan­etário a que o Maran­hão é, mais uma vez, sub­metido – fico até imag­i­nando as pes­soas ques­tio­nando os maran­henses sobre a cri­ação da Quinta Instân­cia ou o fato da última palavra sobre o cumpri­mento de decisão judi­cial ser dada pelo seu Zez­inho da SEPLAN ou mesmo que o “cumpra-​se” dos mag­istra­dos deva ser seguido de con­sid­er­ações –, tem como causa o fato do atual gov­er­nador, temendo ser ofus­cado por algum aux­il­iar, tenha se cer­cado de “fãs” e, pior, de xerim­ba­bos, adu­ladores da pior espé­cie, daque­les capazes de elo­giar os gases soltos, ape­nas para agradar o “chefe”.

Alerto sobre isso desde antes da posse, na “carta aberta” logo após a eleição, já dizia: fuja dos adu­ladores. Em diver­sos out­ros tex­tos, inclu­sive no “O Menino Só”, falo sobre a ausên­cia de pes­soas capazes de chamar a atenção de sua Excelên­cia ante alguns dos seus desati­nos – e não tem sido poucos.

Sobra aquela sen­sação de que esta­mos sendo guia­dos por “cachorro mijado por gambá”, ou seja, sem faro algum para nos con­duzir a um bom des­tino.

O time, se fosse escal­ado pelo “manco”, seria um time de pes­soas capazes e não de inca­pazes capazes de tudo, sobre­tudo, adu­lar o “capitão”, ainda que coberto de erros e tenha per­dido o pênalti na cara do gol.

A frus­tração do “alei­jado” — que na ver­dade tornou-​se alei­jado pela omis­são do Estado –, é saber que depois de cinquenta anos, e já com os qua­tro do atual gov­erno, as mul­heres do Maran­hão ainda mor­ram de parto por falta de assistên­cia e pacientes mor­ram enquanto aguardam na fila por um atendi­mento ou sofram no chão frio e imundo dos hos­pi­tais públi­cos, pois sequer leitos ou macas lhes são disponi­bi­lizadas.

Isso causa frus­tração, dor e revolta. Assim como causa frus­tração ver cer­tos fre­quen­ta­dores de escân­da­los poli­ci­ais coman­darem as obras públi­cas do estado.

Causa pro­funda frus­tração assi­s­tir à perseguição a jor­nal­is­tas e a cidadãos livres que ousam emi­tir uma opinião con­trária ao gov­erno que se prom­e­teu democrático e lib­ertário.

E essa é a mesma frus­tração que sinto quando assisto à desen­voltura no palá­cio do gov­erno de cer­tos tipos que con­hece­mos bem e que há muito tempo dev­e­riam ser hós­pedes do Estado.

Causa frus­tração, des­en­canto e tris­teza saber que um estado tão rico, como é o nosso, pos­sui uma pop­u­lação tão pobre, com mais da metade vivendo abaixo da linha da pobreza.

Não, esse não foi o tipo de futuro que son­hei e dese­jei para o Maran­hão e isso é, de fato, muito frus­trante.

O povo do Maran­hão expia uma culpa que não é sua, mas sim de gov­er­nantes inábeis, incom­pe­tentes ou cor­rup­tos, ou tudo isso junto, e isso é frus­trante.

São cinquenta anos de frus­trações com os des­ti­nos do Maran­hão, e uma parcela delas é cau­sada pelo atual gov­erno.

Fico feliz que o meu “defeito” seja ter sido vítima da poliomielite e tenha me tor­nado “alei­jado”. Não tem prob­lema, con­vivo bem com isso.

Cer­ta­mente não con­vive­ria bem se o meu defeito fosse o vício da adu­lação, da baju­lação ou da sabu­jice quase tão graves ou igual ao vício em sub­stân­cias ilíc­i­tas.

Mas cada um com suas escol­has. Como bem ensi­nam os evan­gel­hos de Mateus, Mar­cos, Lucas e João, foi o próprio Jesus Cristo que disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Abdon Mar­inho é advo­gado.