GUERRA AOS MENINOS.
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- Criado: Segunda, 04 Julho 2016 11:33
- Escrito por Abdon Marinho
GUERRA AOS MENINOS.
O TITULO deste texto é, sim, uma alusão à música de Roberto Carlos lançada em 1981, denominada “Guerra dos Meninos”. A música, de letra simples, fala dever ser a infância, luz em forma de menino, a inocência da sabedoria, da esperança na voz de um menino e, que aos poucos, enquanto cantavam, iam formando um batalhão de paz, (com crianças) que vinham de todos os lugares e aos poucos eram milhões espalhando amor aos corações.
Depois de incontáveis «lá, lá, lá”, encerra última estrofe dizendo que «uma luz imensa apareceu, tocaram fortes os sinos, os sons eram divinos e a paz tão esperada aconteceu, inimigos se abraçaram e juntos festejaram, o bem maior, a paz, o amor e Deus”.
Nos últimos tempos tenho pensando e, sobretudo, cantarolado essa música. Tenho me feito inúmeros questionamentos sobre o que o país fez com o seu futuro nos últimos anos. O Brasil e sua sociedade fracassou. Um redundante fracasso em tudo – ou quase tudo – que se refere as nossas crianças.
As crianças são vítimas e autoras (duplamente vítimas) de violências inomináveis. Em apenas um mês diversos casos foram expostos para o conjunto da sociedade pelos meios de comunicação. Um deles, uma criança de 10 anos foi morta pela polícia enquanto empreendia fuga num carro que acabara de roubar em um condomínio com um parceiro de 11 anos.
O parágrafo acima, principalmente a última parte é de merecer ser lido como se estivéssemos em câmera lenta e em caixa alta: UMA CRIANÇA DE 10 ANOS FOI MORTA PELA POLÍCIA ENQUANTO EMPREENDIA FUGA NUM CARRO QUE ACABARA DE ROUBAR EM UM CONDOMÍNIO COM UM PARCEIRO DE 11 ANOS.
Não podemos ficar indiferentes a este tipo de notícia. Em um mês, apenas um mês, li e assisti, outras três ou quatro matérias semelhantes, envolvendo crianças nesta faixa de idade, que nem entraram na adolescência.
No mesmo mês, também, tivemos notícias de estupros coletivos, um ou dois, se não me falha a memória, praticados por menores (ou com a participação deles) contra outras crianças, adolescentes.
Quando Roberto Carlos lançou essa música, se não me falha a memória, tinha esta idade ou um pouco mais, e estava brincando com carrinhos de lata, passarinhando, descendo as ladeiras em carrinhos de rolimã ou numa coxupa de coqueiro.
A menos para mim, parece incompreensível que ao invés de estarem brincando com carrinhos de lata ou de rolimã ou passarinhando, tenhamos crianças roubando carros (de luxo ou populares) e trocando tiros com polícia.
Não são poucos os que atribuíram as mortes destas crianças, ocorridas em apenas um mês, repita-se, à brutalidade policial. Pode até ser, não podemos fechar os olhos ao fato de termos uma polícia mal treinada, mal formada, por vezes, despreparada, corrupta e acuada pela criminalidade cada vez mais crescente, mas não podemos nos contentar com esta explicação, colocar mais uma vez a culpa na policia e nos furtamos ao debate da questão central.
Lembro que quando da morte da criança pela polícia dentro do carro roubado (se não me falha a memória, uma pajero), a mãe do mesmo, em prantos dizia: era apenas uma criança. Uma colocação verdadeira, absolutamente verdadeira, mas que esconde inúmeras outras, como por exemplo, o que fazia uma criança de dez anos, altas horas da noite, se ocupando do oficio de roubar? Onde estava a mãe ou o pai, avós ou tios, que não tomavam de conta da criança? Desta ou de tantas outras que povoam os dois lados da violência: como praticantes ou vítimas?
A sociedade brasileira habituou-se a querer tratar das consequências das coisas sem preocupar-se com as suas origens. Faz tempo que digo – aqui mesmo – que o país enfrenta um problema serio: o abandono das crianças pelo núcleo familiar.
Estas crianças abandonadas pelos seus, acabam ganhando as ruas, seja na prática de crimes – os mais graves –, no uso de drogas – dos mais variados tipos –, e aí, uma coisa vai alimentando a outra (o vicio alimenta o crime e vice-versa), na prostituição e suas variantes.
Quando aprofundamos qualquer pesquisa sobre o tema constatamos até absurdos mais graves (se é que isso seja possível), como a venda de meninos e meninas pelos próprios pais ou na exploração pelos mesmos na prática dos mais variados crimes.
A contribuição estatal a esse tipo de coisa é materializada nas leis que – com a desculpa de proteger as crianças e adolescentes – os tornam imunes à qualquer punição independente do crime que venham praticar. Uma criança de até 12 anos que saque uma arma e mate um pai de família que volte do trabalho ou da padaria, não sofre qualquer consequência pelo seu ato. Ele é simplesmente entregue aos pais e pode voltar para casa e dormir tranqüilo, podendo no dia seguinte fazer tudo de novo.
A situação das crianças mortas ou detidas no último mês e que nos referimos neste texto (os autores) já tinham diversas passagens pela polícia, pela prática de crimes semelhantes.
Embora em menor número, também, não temos como deixar de reconhecer a outra contribuição materializada no estimulo à maternidade incentivada por programas sociais como “Bolsa Família” e seus correlatos.
Lembro de já ter contado por aqui a experiência vivida por uma amiga feita secretária municipal de saúde em determinado interior maranhense. Repito. Certa vez ela chegou ao trabalho e encontrou uma criança, com no máximo 13 anos, em adiantado estado de gestação. Chamou-a para alerta-lhe dos riscos da gravidez na adolescência e dos cuidados que deveria ter. Foi a vez da adolescente surpreende-la: – Doutora, já sei destes riscos. Este já é o meu segundo filho. O primeiro “fiz” porque precisava “arrumar” a casa, agora, com este, combinei com o pai dele, que vamos comprar uma moto.
Os programas sociais no Brasil – que nasceram com o propósito de serem provisórios –, viraram permanentes e, pior, não temos mais como prescindir dos mesmos. Outro dia um amigo, advogado do interior, chegou para mim e disse: – Abdon, se o governo acabar com os programas nos moldes dos “Bolsa Família” é só a «conta» de muita gente morrer de fome. Ninguém produz mais nada no interior, fazem um “bico” aqui ou ali e passam o resto do mês pedindo esmolas aos políticos e esperando o bolsa família, a aposentadoria do INSS, o seguro-defeso, etc.
A realidade é esta: os programas foram deturpados, viraram esmolas, moedas de trocas políticas e incentivos para as pessoas terem filhos como estratégia para melhorar a renda familiar. Sem contar as infindáveis fraudes.
Um país onde crianças nascem para sustentar adultos não tem perigo algum de dar certo. As últimas décadas é prova viva do que digo.
No episódio em que a criança/assaltante foi morta pela polícia (dói dizer isso, mas não temos como dizer diferente), a mãe ou tia bradava: «– era uma criança; era uma criança». Pena que só fora enxergar que era uma criança quando estendida no asfalto. Ninguém lembrou tratar-se de uma criança quando esta necessitava de cuidados, acompanhamento ou mesmo amor.
A guerra dos meninos de Roberto Carlos, cantada como um hino de paz, não aconteceu, no seu lugar, o país nos brinda com uma «guerra aos meninos», onde o que se escuta é o barulho dos tiros, o brandir das facas. Uma guerra onde não tem espaço para a inocência.
Ninguém é inocente no Brasil.
Abdon Marinho é advogado.