AbdonMarinho - O desafio da eleição virtual.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O desafio da eleição virtual.


O DESAFIO DA ELEIÇÃO VIRTUAL.

Por Abdon Clementino de Marinho*.

TRÊS ANOS está­va­mos em plena pan­demia. Aten­dendo as recomen­dações san­itárias, em 17 de março daquele ano sus­pendi as ativi­dades pres­en­ci­ais no escritório e me isolei no sítio, na zona rural de São José de Riba­mar, onde moro desde o ini­cio dos anos 2000.

Nos cem dias de solidão (uma refer­ên­cias a uma obra clás­sica), no iso­la­mento imposto pela neces­si­dade e pelo receio de ser acometido pela COVID, ten­tei man­ter, na medida do pos­sível, alguma rotina: lev­an­tar, tomar café, fazer alguma ativi­dade, como ali­men­tar os peixes, “dar expe­di­ente” no escritório que man­tenho em casa; ao meio dia par­ava para almoçar, des­cansar um pouco após o almoço e retomar o expe­di­ente até as 17 horas, quando par­ava nova­mente para ali­men­tar os peixes e andar um pouco pelo sítio.

Além de reforçar o hobby da escrita, leitura e ouvir música, “inven­tei” uma outra ativi­dade: criei um pro­grama de debates pela inter­net para tratar os assun­tos do nosso estado e do país, era o que chamei “segunda opinião”.

Naque­las segundas-​feiras solitárias em que tinha na inter­net uma “janela” de comu­ni­cação com o mundo exte­rior, bati lon­gos papos com diver­sos ami­gos, com­pan­heiros de jor­nadas; dis­cu­ti­mos assun­tos da política, do cotid­i­ano, a respeito da pan­demia e das eleições, uma vez que 2020 teríamos – como de fato tive­mos –, eleições munic­i­pais, ainda que com algum atraso.

O entre­vis­tado da segunda-​feira, 11 de maio de 2020, na live sobre as eleições munic­i­pais de 2020, foi o colega Daniel Blume, con­sel­heiro da Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil — OAB e ex-​juiz eleitoral do TRE/​MA, na cat­e­go­ria de juris­tas.

O colega apre­sen­tara recen­te­mente (em 2020) à OAB uma pro­posta de eleições vir­tu­ais ou seja, pela inter­net, sug­erindo que tal pos­si­bil­i­dade fosse dis­cu­tida pelo Con­gresso Nacional.

Na live/​entrevista/​bate-​papo con­ver­samos sobre a via­bil­i­dade de tal pro­posta em um país que ainda enfrentava e, ainda, enfrenta, o desafio de se com­bater as fraudes eleitorais man­i­fes­tadas em diver­sas modal­i­dades.

Os inter­es­sa­dos poderão encon­trar esse mate­r­ial no nosso canal no YouTube.

O tempo pas­sou e é fato que muitas enti­dades uti­lizam a modal­i­dade de eleições vir­tu­ais em seus proces­sos de escolhas.

A nossa OAB/​MA, que pela primeira vez efe­tua uma eleição direta entre os advo­ga­dos e advo­gadas para escol­her entre seus inte­grantes doze rep­re­sen­tantes – sendo seis do gênero mas­culino e seis do gênero fem­i­nino –, para que sejam sabati­na­dos por seu con­selho sec­cional e for­mar uma lista sêx­tu­pla para ser encam­in­hada ao tri­bunal de justiça que escol­herá três advo­ga­dos ou advo­gadas que terão os nomes envi­a­dos ao gov­er­nador para nomear den­tre eles um novo desem­bar­gador para o TJMA no critério con­sti­tu­cional do quinto, optou pelo processo vir­tual.

Real­izada a primeira con­sulta em 24 de abril, verificou-​se algu­mas fal­has – que a rigor não podem ser cred­i­tadas a empresa ou à modal­i­dade de escolha –, o que levou a decisão do con­selho da ordem a anu­lar o pro­ced­i­mento, con­tratar uma nova empresa e remar­car o pro­ced­i­mento para o próx­imo dia 15 de maio – por coin­cidên­cia, quase na mesma data daquela dis­cussão com o colega Blume sobre a segu­rança do processo eleitoral em um país em que na arte de frau­dar eleições não fica a dever nada a ninguém.

A nossa inqui­etação já man­i­fes­tada naquela época não tinha relação com a empre­sas respon­sáveis pela coleta do voto ou total­iza­ção dos mes­mos.

A nossa pre­ocu­pação era (e é) se voto deposi­tado na “urna” é fruto da von­tade livre e con­sciente do cidadão eleitor.

Se não me falha a memória, naquele bate-​papo con­tei ao entre­vis­tado, e aque­les que nos assis­tia, o episó­dio ocor­rido no tempo em que os “coro­néis” da política brasileira con­duziam o processo eleitoral – e essa lem­brança sem­pre me faz lem­brar das cam­pan­has que fazem con­tra a nossa Justiça Eleitoral.

Vou recor­dar a história para os leitores na even­tu­al­i­dade de não ter con­tado anteriormente.

Conta a lenda que aquela seção eleitoral fun­cionava na sede da fazenda do “coro­nel” fulano de tal. Fila for­mada com fun­cionários e agre­ga­dos da fazenda, o coro­nel ia entre­gando a cédula dev­i­da­mente votada com a recomen­dação de que a deposi­tasse na urna. Ia seguindo tran­quil­a­mente a votação: o coro­nel pegava a cédula, votava, entre­gava ao “eleitor” para que o mesmo a deposi­tasse na urna e assim con­sol­i­dasse a democ­ra­cia brasileira. Lá pelas tan­tas um dos eleitores ao rece­ber a cédula dev­i­da­mente dobrada a abriu e olhou. O coro­nel que assis­tia a cena espan­tado disse: — o que que é isso, “cabra”? O cabo­clo virou-​se para ele e disse: —nada não, seu coroné, só estava olhando em quem “eu votei”. O coro­nel então retru­cou: — e que novi­dade é essa, você não sabe que o voto é secreto?

Como disse há três anos e já aqui nesse texto, a ideia do voto vir­tual ainda que formidável pois facilita a vida dos eleitores, reduz a quan­ti­dade de pes­soas que se abstém de votar por prob­le­mas diver­sos, ao nosso sen­tir, traz-​nos a pre­ocu­pação com relação a higidez do voto nas eta­pas antecedentes.

Agora mesmo no pro­ced­i­mento da OAB, um público seleto, esclare­cido de cerca de, ape­nas, 14 mil eleitores, que podem votar em até 12 can­didatos, as noti­cias que nos chegam e, tam­bém, as que lemos diari­a­mente nas várias mídias dig­i­tais é que toda sorte de abu­sos e vio­lações à livre e sober­ana von­tade dos eleitores/​advogados estão ocor­rendo.

Na minha condição de can­didato e cidadão respeita­dor das regras, eu reluto em acred­i­tar – e torço para sejam fakes news, men­ti­ras, ilações –, que autori­dades estad­u­ais dos três poderes con­sti­tuí­dos do estado este­jam pres­sio­n­ando os advo­ga­dos a eles sub­or­di­na­dos ou não para que estes escol­ham aque­les candidatos/​advogados de suas prefer­ên­cias; que autori­dades ou mesmo cole­gas advo­ga­dos quando da primeira votação ten­ham retido os tokens de seus cole­gas e votado, eles próprios, nos can­didatos de suas prefer­ên­cias – lem­bram do causo da cédula votada?

Pes­soal­mente, talvez por uma questão de tem­pera­mento, me recuso a acred­i­tar que algum advo­gado ou advo­gada tenha sido desre­speitado ao ponto de ter tido vio­lado um dire­ito tão impor­tante e tenha aceitado tal coisa; do mesmo modo que me recuso a dar crédito as noti­cias que falam de com­pra de votos de quais­quer espé­cies inclu­sive envol­vendo altas somas em din­heiro, cav­a­los, aluguel de token, etc.

Emb­ora há mais de três anos já tenha lev­an­tado a hipótese de pos­síveis vio­lações da von­tade do eleitor que vota em “ambi­ente pri­vado” e sem qual­quer fis­cal­iza­ção, ainda que no recesso do seu escritório, do seu lar, etcetera, me recuso acred­i­tar isso possa ocor­rer numa eleição envol­vendo um público tão seleto e que his­tori­ca­mente dev­e­ria dar exem­plo de con­sci­en­ti­za­ção política.

E essa minha recusa em acred­i­tar nas notí­cias que dia sim e no outro tam­bém são difun­di­das pelas várias mídias dig­i­tais tem uma outra razão: eu não posso aceitar como advo­gado e como cidadão que ten­hamos algum advo­gado se dispondo a dizer a justiça como desem­bar­gador, por anos ou mesmo décadas, aceite chegar ao tri­bunal fazendo uso de tais artifí­cios.

Enten­dam, os fins não jus­ti­fi­cam os meios.

O dragão da con­sciên­cia jamais dará o sossego necessário para jul­gar, como se deve, sabendo que para chegar aquela posição, vio­lou – ou foi cúm­plice ou aceitou –, as regras da ética, da decên­cia ou da moral e do decoro.

Aque­les que pecam pelo silên­cio ou pela omis­são são tão ou mais pecadores que os comis­sivos. Ainda que o poder dos car­gos ou os sta­tus das posições façam ren­der defer­ên­cias a ninguém é dado poder de fugir da própria con­sciên­cia.

Logo no iní­cio do processo para escolha do quinto con­sti­tu­cional – que decidi par­tic­i­par já na undécima hora –, chamei os meus aux­il­iares e disse: — vamos lê o edi­tal para saber­mos o que podemos fazer – e não ire­mos nos afas­tar dele.

Mesmo sabendo que um dos desafios da nossa can­di­datura seria os cole­gas me con­hecerem ou mesmo saberem da nossa história e can­di­datura (quem con­hece Abdon Mar­inho, vota em Abdon Mar­inho, rsrs), recu­sei inúmeras pro­postas para adquirir “malas-​diretas”, para orga­ni­zar jantares, almoços, happy hour, etcetera, até mesmo coisas que vi todos fazendo como normal.

A minha posição é muito clara: não me inter­essa chegar onde quer seja bur­lando as nor­mas legais impostas a todos ou devendo a própria honra.

Aque­les que quis­erem alguém que pense e aja assim, podem con­tar comigo

Abdon Clementino de Mar­inho é advo­gado.