TERRA SEM LEI - o imbróglio do deputado com o promotor.
Por Abdon Marinho.
EM MEIO ao caos da política nacional, as articulações na política local – que trataremos no observatório das eleições –, à catástrofe da retomada do Afeganistão pelos terroristas do Talibã, um assunto do cotidiano chamou-me a atenção a ponto de merecer um texto específico.
Falo do entrevero com pitadas de comédia pastelão – mas que envolve uma questão de fundo interessante: o coronelismo dos poderosos –, envolvendo um deputado estadual e um promotor de justiça da capital.
No início da semana, por diversas fontes, recebi o vídeo da confusão envolvendo os agentes públicos, que como ambos fizeram questão de deixar claro, um deputado e o outro promotor, e ainda um terceiro agente que não apareceu no evento, mas foi citado: um delegado de polícia.
Muito embora reconhecendo o “ato de justiça” do deputado estadual ao restituir a rua, o acesso dos cidadãos às suas residências, este é um episódio que sob qualquer ângulo que se examine, em maior ou menor intensidade, ninguém tem razão.
Comecemos pelo deputado. É certo que o deputado recebeu uma denúncia gravíssima de cidadãos brasileiros que há algum tempo vinham sofrendo constragimentos da parte de uma autoridade pública que, em flagrante abuso, pelo que se denunciou, até usando de fajuto “poder de polícia” – e da polícia, um delegado –, ceceava claramente o direito das pessoas terem acesso às suas residências.
Muito embora a denúncia que chegou ao conhecimento do parlamentar fosse (é) de atrocidade sem tamanho, como autoridade pública não lhe cabia vestir-se na armadura de D. Quixote e ir ao local do fato, montado em seu cavalo – no caso, um trator –, e fazer “justiça” com as próprias mãos, devolvendo a rua para os oprimidos.
Beleza. Foi uma atitude “porreta” do deputado.
Mas, como autoridade pública, o seu dever era notificar a autoridade competente com relação a situação denunciada cobrando uma providência imediata para o problema.
Até poderia ir lá, filmar, denunciar nos meios de comunicação, etcetera, o que não poderia, na minha opinião, era ir lá e, pessoalmente, desobstruir a rua.
A prefeitura ou outros órgãos competentes já haviam sido notificados do abuso? Sabiam e estavam omissas?
Quando vejo autoridades agirem por conta própria tenho que elas não acreditam no poder que representam, o que é muito grave para a democracia e para o estado democrático de direito.
Temos inúmeros casos de “grilagem” de áreas públicas no estado, cidadãos que cercaram áreas públicas para explorarem como suas.
Os deputados devem se munirem de tratores e irem lá derrubar as cercas ou aprovar medidas para que o poder público retomem as áreas públicas e as usem para o bem de todos?
Será que as excelências não sabem o significado de função institucional?
Vejamos a situação do promotor.
Passei a semana inteira, desde que tomei conhecimento da confusão, acessando o sítio do MPMA à espera de um esclarecimento sobre o assunto – inclusive agora enquanto escrevo o texto –, e não encontrei.
Tem notícias até sobre projeto de catalogação de árvores (algo necessário) na capital e sobre a diretora que impediu o acesso de estudantes a sala de aula por não calçarem sapato preto no Município de Cidelândia, mas nada, absolutamente nada, sobre a denúncia de que um promotor de justiça da capital teria “privatizado” uma rua impedindo o acesso dos moradores as suas residências, constrangendo-as a longos deslocamentos a pé a qualquer hora do dia ou da noite, supostamente – aí vai a segunda parte da denúncia –, para beneficiar empreendimento comercial próprio, em nome de terceiros. Tudo errado.
Para completar, tive conhecimento que a associação dos promotores lançou uma nota assinada pela diretoria em solidariedade ao promotor.
A impressão que me veio é que fomos sequestrado para um filme de faroeste em que as autoridades da cidadezinha empoeirada, do xerife ao juiz, são todas comprometidas com a corrupção e utilizam do poder que têm para massacrar o restante da população.
Outra impressão é que passamos para as páginas de algum de Kafka.
Ora, a denúncia que sobressai no vídeo da confusão entre o deputado e o promotor de justiça, inclusive com depoimentos de populares da região, é que o promotor teria feito um fosso e colocado manilhas, impedindo as pessoas – cidadãos e cidadãs que me pareceram humildes –, de terem acesso às suas residências, pelo caminho mais rápido, obrigando-as a se deslocarem por longos percursos, muitas das vezes sob chuva e com crianças de colo, com suas compras ou deixando seus veículos em ruas próximas para se arriscarem a cair na vala que lhes impedia acessar as casas.
Mais, que o promotor “privatizara” parte da praia, daí impedir o acesso dos cidadãos, para explorar atividade comercial.
Mais, que o promotor praticou tais abusos com a conivência ou apoio material de um delegado de polícia.
Bem, meus amigos, pode ser que eu esteja ficando louco ou demente, pois não consigo achar tais condutas normais, mas sim, que deveriam ser prontamente repreendidas pelas autoridades.
Pois bem, passados todos esses dias, quase uma semana, não tomamos conhecimento de nenhuma medida concreta do Ministério Público Estadual ou governo estadual através da Secretaria de Segurança Pública sobre o que pretendem fazer para apurar, responsabilizar e punir, se comprovado crimes, os supostos infratores, no caso o promotor e delegado.
Não vi de tais órgãos uma nota de esclarecimento sobre o ocorrido.
O assunto “bombando” na redes sociais, grupos de mensagens, fuxicos, conversas de bares e outros meios e o MPMA e a SSP/MA, fingindo que o assunto não é com eles, principalmente o Ministério Público que a prerrogativa constitucional de fiscalizar a lei.
Consta de forma cristalina na Constituição Federal: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”.
Ora, o inciso II, do artigo 129, estabelece ser função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos direitos assegurados na Constituição obrigando-o a promover as medidas necessárias para sua garantia.
Noutra palavras, se um terceiro estivesse praticando aquilo que foi denunciado como prática do promotor, a violação a dignidade das pessoas, a humilhação continuada, o cerceamento ao direito de locomoção, o Ministério Público tem o dever institucional de agir, tomar providências para fazer cessar as práticas abusivas.
Aí temos que o autor – ou autores –, dos abusos contra os cidadãos, humildes ou não, é do Ministério Público e ergue-se uma cortina de ensurdecedor silêncio.
Como se o Ministério Público não devesse nenhum tipo de explicação aos cidadãos que pagam os seus gordos salários.
E vão além. A associação dos promotores – que em tese representa todos os promotores de justiça do estado – lança uma nota em solidariedade ao promotor que supostamente teria cometido abusos sem fazer qualquer ressalva de que tais fatos (ou crimes) devam ser apurados com rigor, inclusive, quanto ao desvio funcional da atividade comercial incompatível com as funções de promotor.
Quer dizer que o promotor/coronel pode cercar uma via de acesso, humilhar as pessoas, tolher sua liberdade de locomoção que na opinião das excelências está tudo muito bem? Daqui a pouco também vão poder “grilar” umas terrinhas lá pelas comarcas onde atuam? Tomar propriedades de cidadãos humildes?
Sempre tive em conta que o Ministério Público deveria ser como a “mulher de César”, a quem não basta ser honesta, mas, também, parecer honesta.
O comportamento leniente e/ou corporativista traz como principal consequência o desrespeito dos cidadãos a tão importante órgão do país. Aliás, é até dispensável tal observação diante do assistimos o cenário nacional.
Abdon Marinho é advogado.
PS. Em oposição a nota da associação dos promotores a Assembleia Legislativa lançou uma nota de solidariedade ao deputado. Tudo muito corporativista. É aquilo que dizia papai: “em casa que falta pão…”.