AbdonMarinho - A escravidão do falso engajamento político.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A escravidão do falso enga­ja­mento político.

A escravidão do falso enga­ja­mento político.

Por Abdon Marinho.

UM AMIGO afirma inda­gando: —nunca mais escrevestes!?

Respondo: — ape­nas duas sem­anas.

Ele prossegue: — mas por qual motivo?

Retruco: — ora, era Natal, Ano Novo.

Já no ano pas­sado (ou no ante­rior) aler­tava sobre essa doença – ou seria escravidão –, que tem acometido o povo brasileiro: o falso enga­ja­mento político.

Vive­mos dias como se nada mais impor­tasse para o mundo e para a sociedade do que as próx­i­mas eleições ou o que fez esse ou aquele político.

Assim, tornou-​se comum que junto com as men­sagens natali­nas ou de “ano bom” rece­ber­mos “tex­tões” com pros­elit­ismo político a favor ou con­tra deter­mi­nadas pes­soas ou pautas.

No Brasil chegou-​se ao ponto, pas­mem, de antes da Ceia de Natal ou de Ano Novo, ao invés de estar­mos con­ver­sando com famil­iares e ami­gos, con­tanto piadas, cau­sos os remem­o­rando histórias da família para que não se perca no tempo e sejam recor­dadas por ger­ações futuras, estar­mos “batendo pan­elas” den­tro de casa ou nas varan­das dos edifí­cios – tudo dev­i­da­mente reg­istrado com uma hor­rível fil­magem de celu­lar (que até hoje não apren­deram fazer) para serem com­par­til­hadas em algum canal de tele­visão e, com certeza, nas redes soci­ais.

Vejam, esta­mos falando do dia de Natal, data máx­ima da cri­stan­dade em que todas as atenções dev­e­riam se voltar para o aniver­sari­ante do dia; esta­mos falando do Ano Novo, data máx­ima da sol­i­dariedade e da paz mundial.

Nada disso mais importa aos brasileiros. Família, ami­gos, con­frat­er­niza­ções são detal­hes, a única coisa que importa real­mente, inde­pen­dente da ini­mizades ou destru­ição que isso possa causar, infe­liz­mente, é a data da próx­ima eleição, e da próx­ima, e das seguintes …e por aí vai.

O brasileiro não encerra o seu pros­elit­ismo tosco com o resul­tado de uma eleição, não existe um dia de trégua para que o eleito possa ten­tar fazer o que se propôs, já temos uma pauta visando o próx­imo pleito, para daí a qua­tro, oito, doze, dezes­seis …, pelo resto da vida.

Cheg­amos a um nível de tamanha estu­pidez em que a pes­soa mais impor­tante na vida do cidadão não é o seu pai, o seu irmão, o seu amigo de lon­gas datas, aquele que lhe socor­reu sem­pre que pre­cisou. A pes­soa mais impor­tante na vida do cidadão brasileiro é o seu can­didato, aquele que encarna seus sen­ti­men­tos ou pre­con­ceitos – mesmo os mais mesquin­hos.

Há alguns dias um amigo me disse que já tem anos que não fala com um dos seus irmãos.

É comum que hajam desavenças entre famil­iares e até mesmo que fiquem “intri­ga­dos” o que não é nor­mal, como no caso, é que esta ini­mizade se dê por conta de um político, por conta de um defender uma pauta ou ideias e o outro defender out­ras pau­tas e ideias.

Por mais absurdo que possa pare­cer, isso é o que mais vem ocor­rendo no Brasil.

Não temos uma família – se existe é para jus­ti­ficar a regra –, que não esteja fra­cionada por desavenças políti­cas. Não par­til­ham mais as ceias de Natal, Ano Novo, Pás­coa ou mesmo o aniver­sário de um patri­arca ou de uma matri­arca em família ou, se fazem isso, é quase certo que tal evento não acabe bem.

Em relação as amizades nem se fala. Quan­tas delas, que pare­ciam inque­bran­táveis deixaram de exi­s­tir por conta de uma pauta política insana?

Se fiz­er­mos uma breve análise, mesmo em um ciclo restrito, ver­e­mos o mal que este falso enga­ja­mento político tem cau­sado.

O pior é que ninguém parece dis­posto nem a voltar a dialogar com o antigo “mel­hor amigo” ou famil­iar “mais querido”.

O que inter­essa mesmo é aniquilação total do “inimigo”, sem perdão e sem piedade.

O Brasil não con­segue mais confraternizar-​se. Nem as tragé­dias – e esta­mos diante de várias –, parece pos­suir “liga” sufi­ciente para selar qual­quer união, antes, é motivo para mais con­flito e desagre­gação.

Muito emb­ora para um cidadão comum, que ainda pos­sua capaci­dade para dis­cernir pareça que viva­mos em um inferno dan­tesco, para os políti­cos é como se ELES vivessem em um paraíso na terra.

Vejam, os nos­sos políti­cos – e é assim no mundo todo –, são nar­ci­sis­tas por natureza, tudo que eles mais dese­jam é serem admi­ra­dos e cul­tua­dos; é que os seus lid­er­a­dos os ten­ham como refer­ên­cia acima de quais­quer out­ras, é para isso que tra­bal­ham incansavel­mente.

Daí terem encon­trado o paraíso que tanto alme­jaram na atual quadra política do país.

Imag­inem que gas­tando muito pouco – quase nada –, ape­nas ali­men­tando nos vários veícu­los de comu­ni­cação, prin­ci­pal­mente nas redes soci­ais, suas pau­tas e pre­con­ceitos con­seguem man­ter um “exército de desmi­o­la­dos” os admi­rando e capazes defendê-​los de tudo e con­tra todos.

Como disse, estão no paraíso – e nem pre­cis­aram mor­rer para isso, até porque, imagina-​se que depois de mor­tos, irão direto, sem dire­ito a um des­canso no pur­gatório, para o inferno –, sendo admi­ra­dos, cul­tua­dos, defen­di­dos mesmo quando prati­cam os maiores absur­dos, como quando roubam o din­heiro da saúde, da edu­cação, do sanea­mento básico, da assistên­cia social, das políti­cas públi­cas de apoio à juven­tude, à pesquisa, etc.

Os nos­sos políti­cos con­seguiram o que seus con­gêneres ficaram longe de con­seguir ao redor do mundo: serem aplau­di­dos por suas víti­mas, por aque­les que sabem que são rou­ba­dos sem tréguas por eles.
Agi­mos como se os “nos­sos” políti­cos fos­sem o cen­tro do uni­verso. Pior, agi­mos como se fos­sem o cen­tro do “nosso” universo.

O nosso país vive essa estranha real­i­dade em que os cidadãos têm a falsa ilusão de que são poli­ti­za­dos e que esse seu enga­ja­mento político é deci­sivo para um futuro de pros­peri­dade para todos, quando na real­i­dade, se tornaram um “exército de escravos” das pau­tas políti­cas mais absur­das enquanto seus fal­sos líderes sagraram, san­gram ou se preparam para san­grar a nação.

Faz-​se necessário que os brasileiros refli­ta­mos sobre o que vem ocor­rendo no nosso país, mas, sobre­tudo, nas nos­sas vidas.

A pior escravidão não é aquela que nos impõem, a pior escravidão é aquela que nos impo­mos.

A única “van­tagem” da escravidão que nos impo­mos em relação aquela que nos é imposta é que desta podemos nos lib­er­tar por nós mes­mos, a par­tir da capaci­dade que pos­suí­mos de avaliar os nos­sos erros e de faz­er­mos uma autocrítica do nosso com­por­ta­mento.

Um apelo urgente que pre­cisamos fazer é que pre­cisamos dar uma chance à razão e a racional­i­dade; olhar­mos para den­tro de nós mes­mos e nos lib­er­ta­mos dos gril­hões que “nós” nos impo­mos.

Se for­mos capazes de faz­er­mos isso – e acred­ito que ser­e­mos –, ire­mos exper­i­men­tar a ver­dadeira liber­dade, aquela que não depen­der­e­mos de políti­cos ou líderes para nos mostrar o mel­hor cam­inho para seguirmos.

Assim estare­mos pron­tos para encarar não ape­nas um novo ano, uma nova década, estare­mos pron­tos para encar­ar­mos uma nova vida.

Esta é a nossa primeira reflexão para o ano que se ini­cia. Que venha 2022!

Abdon Mar­inho é advo­gado.