AbdonMarinho - O comendador facínora e a sabedoria de Joel.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 21 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O comen­dador facínora e a sabedo­ria de Joel.


O COMEN­DADOR FACÍNORA E A SABEDO­RIA DE JOEL.

Por Abdon Marinho.

QUEM con­hece meu sócio Wel­ger Freire, além de tê-​lo, com justiça, na conta de um dos mel­hores advo­ga­dos do estado e do país, sabe que ele é uma figura.

O que talvez não saiba é que figura mesmo era o seu pai, o saudoso Joel dos San­tos. Pense numa fig­u­raça, era o seu Joel, sem­pre tinha uma tirada, uma história para con­tar, um causo que lhe ocor­rera em uma das muitas cidades por onde pas­sara.

Antes de aposentar-​se foi cole­tor do estado – cargo que hoje deve equiv­aler a fis­cal de ren­das ou de trib­u­tos –, como tal tinha que servir em diver­sos municí­pios, con­forme o inter­esse do gov­er­nante de plan­tão. Numa das idas vendeu a casa que pos­suía. Foi que bas­tou para alguém comen­tar: — ah, o Joel nunca mais com­pra uma casa nesta rua (acred­ito que a prin­ci­pal da local­i­dade).

Quando Joel voltou com­prou o pré­dio da igreja que estava à venda.

Mas Joel não era só cau­sos, boa prosa ou tiradas, era tam­bém um sábio.

Certa vez, em uma das cole­to­rias da vida por onde pas­sou, o menino Wel­ger encon­tra uma gaveta repleta de cartões de natal – antiga­mente era hábito e de bom tom mandar-​se cartões de natal dese­jando boas fes­tas e entrada de ano –, e dirigiu-​se a Joel: — veja, papai, quan­tos cartões, o sen­hor é muito querido por todos.

O seu Joel, então, com a pre­sença de espírito que apren­demos admi­rar, respondeu-​lhe: — não se iluda, meu filho, nen­hum deles é para eu, são todos para o cole­tor.

O sábio Joel há cinquenta ou mais anos já sabia fazer a dis­tinção entre a pes­soa e o cargo, car­ac­terís­tica rara ainda nos dias atu­ais.

Acho que já tem mais de vinte anos que o sócio Wel­ger contou-​me este causo e, depois disso, todos os anos ainda pareço visualizá-​lo menino tendo o diál­ogo acima com o pai.

O motivo para todos os anos tal lem­brança assaltar minha mente é assi­s­tir os rapa­pés das elites tupiniquins, local e nacional, “tro­carem” hom­e­na­gens e men­su­ras.

Ao longo dos anos tenho obser­vado que quanto mais atrasada é a sociedade mais é dada a este tipo de com­por­ta­mento, a essas “hom­e­na­gens” a car­gos, funções ou rep­re­sen­tações.

Não duvido que algu­mas pes­soas por seu tra­balho rel­e­vante em pró da sociedade ou de alguma causa, até mereçam o recon­hec­i­mento e que lhe ren­dam hom­e­na­gens, entre­tanto, na maio­ria das vezes o que assis­ti­mos é uma mera troca de sabu­jice ou adu­lação.

Um dia destes aí, se não falha a memória, o Tri­bunal de Justiça dis­tribuiu tan­tas medal­has e comen­das que tinha mais gente recebendo hom­e­na­gens no recinto que ren­dendo láureas aos supos­tos mere­ce­dores.

Cer­ta­mente entre as cen­te­nas de lau­rea­dos muitos mel­hor caberiam no fig­urino de clientes da Justiça e não de hom­e­nagea­dos por ela.

É o que poder-​se-​ia chamar de comen­dador facínora – e não estou dizendo que em tal lista alguns o sejam –, mas, é de saltar aos olhos que muitos dos hom­e­nagea­dos país a fora dev­e­riam, cer­ta­mente, eram acertarem as con­tas com a justiça e não ser “adu­la­dos” por ela.

Naquela opor­tu­nidade escrevi sobre o assunto dizendo que o excesso de hom­e­nagea­dos acabava por esvaziar o sen­tido da hom­e­nagem.

Para a angús­tia dos cidadãos de bem e para vaidade dos incau­tos, parece-​nos que de lá para cá as coisas só pio­raram.

Não faz muito, tomei con­hec­i­mento que a primeira-​dama do país já fora agra­ci­ada com, pelo menos, três das mais pres­ti­giadas hon­rarias do país.

Com meus botões, perguntei-​me: mas a propósito de que a tal sen­hora foi hom­e­nageada? O que teria ela feito de rel­e­vante em bene­fí­cio daquela insti­tu­ição, da sociedade ou país para merecê-​la? Por óbvio que fiquei sem resposta.

Outro dia, neste espaço, tratei da formidável “hom­e­nagem” ao pres­i­dente da República “auto atribuída” de grão-​mestre da Ordem do Mérito Cien­tí­fico. Achei a men­sura tão fora de ordem que acabei “que­brando” o com­pro­misso de não mais falar do cidadão a não ser quando abso­lu­ta­mente necessário.

A con­t­a­m­i­nação pelo “vírus” da auto indul­gên­cia parece descon­hecer fron­teiras e alcançar até mesmo quem dev­e­ria ser inal­cançável por tais sen­ti­men­tos como os mem­bros do Min­istério Público.

Agora mesmo tomamos con­hec­i­mento que os mem­bros de tal cor­po­ração não ape­nas se quedam a rece­berem hom­e­na­gens impróprias, pois como fis­cais da lei dev­e­riam ficarem aten­tos a legal­i­dade e abu­sos destas láureas, como eles próprios, aliás, bem pior, as insti­tu­ições resolveram ser “pro­mo­toras” de tais hom­e­na­gens.

Ora, será que é cor­reto assi­s­tir­mos o Min­istério Público destru­indo comen­das a pes­soas que muitas das vezes são ou dev­e­riam ser poten­ci­ais “clientes” de sua atu­ação? Os pro­mo­tores de justiça terão autono­mia ou “peito” para inves­ti­gar alguém que foi hom­e­nageado, lau­reado ou o que diabo seja, pela própria insti­tu­ição que rep­re­senta? E se tiverem, como fica a insti­tu­ição que hom­e­na­geou o indig­i­tado? Pedirá a medalha de volta ou fin­girão que não é com ela? Será que ninguém con­segue enx­er­gar que esse tipo de com­por­ta­mento é impróprio para uma insti­tu­ição que tem como mis­são fis­calizar a lei?

Todo fim de ano assisto a esse espetáculo dan­tesco. De norte a sul do país, insti­tu­ições e cor­po­rações tro­cando men­su­ras e hom­e­na­gens, na maio­ria das vezes, impróprias, inde­v­i­das e abu­si­vas, com os recur­sos dos con­tribuintes sem que estes ten­ham o dire­ito ou mesmo a quem recor­rer, uma vez que quem dev­e­ria fis­calizar o cumpri­mento das nor­mas legais são os primeiros a rece­ber e/​ou pro­mover tais abu­sos.

Ora, é como se as autori­dades não soubessem o grau de respon­s­abil­i­dade que pos­suem derivadas dos car­gos públi­cos que ocu­pam.

Ao aceitarem ou ren­derem hom­e­na­gens acabam “per­dendo” a moral ou a autori­dade para agirem no seu mis­ter. Ou acham nor­mal que na sexta-​feira ou no final de sem­ana este­jam jun­tos se con­frat­er­nizando ou se auto hom­e­nage­ando e na segunda-​feira este­jam denun­ciando ou jul­gando os hom­e­nagea­dos?

O sucesso de qual­quer país, qual­quer estado, depende da solidez de suas insti­tu­ições daí ser necessário que as pes­soas investi­das no comando das mes­mas pos­suam um com­por­ta­mento sóbrio no sen­tido de preservá-​las de quais­quer mal-​entendidos em relação aos juris­di­ciona­dos.

Há milênios já sabe­mos que à mul­her de César não basta ser hon­esta, tem que pare­cer hon­esta.

Algo bem semel­hante ao que disse Joel ao menino Wel­ger, a gaveta abar­ro­tada de cartões não era para ele, era, sim, para o cole­tor de trib­u­tos. E me per­mito com­ple­tar, talvez, por isso estivessem na repar­tição e não na sua casa.

Sábio Joel.

Abdon Mar­inho é advo­gado.