AbdonMarinho - Os Municípios e a espada de Dâmocles.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Os Municí­pios e a espada de Dâmocles.

OS MUNICÍ­PIOS E A ESPADA DE DÂMOCLES.

Por Abdon Marinho.

QUANDO o risco é tão imi­nente que o sim­ples fato de acor­dar­mos bem já é motivo de agradec­i­men­tos pelo mila­gre da vida, acabamos por esque­cer de diver­sos out­ros assun­tos menos impor­tantes, porém rel­e­vantes para o cotid­i­ano dos cidadãos.

Desde o ano pas­sado que escrevo, faço vídeos ou “lives”, primeiro sobre o processo eleitoral e, depois, sobre o iní­cio das gestões públi­cas.

Ape­sar disso, como disse, talvez tomado pelo sen­ti­mento de urgên­cia que é estar­mos vivos, acabei por esque­cer de reg­is­trar as difi­cul­dades em série que vem enfrentando, sobre­tudo, os novos gestores, neste iní­cio de gestão.

São exigên­cias e mais exigên­cias do órgãos de con­t­role e fis­cal­iza­ção; suspensão/​anulação de lic­i­tações; recomen­dações, muitas das vezes descabidas ou fora do con­texto da real­i­dade enfrentadas pelos municí­pios, etceteras.

O certo é que muitos prefeitos de “primeira viagem” e com­pro­meti­dos em fazer uma boa gestão, encontram-​se se per­di­dos, muitos com a admin­is­tração “travada”, sem saberem o que fazer, ainda mais diante do fato de estar­mos em plena pandemia.

Uma das primeiras coisas que aprendi na fac­ul­dade de dire­ito foi a tem­per­ança na análise das nor­mas jurídi­cas.

O pro­fes­sor Alberto Tavares sem­pre dizia que as nor­mas eram dire­cionadas pes­soas comuns e, para elas, dev­e­riam pare­cer razoáveis, daí a neces­si­dade de serem anal­isadas “cum grano salis”, no sen­tido de que dev­eríamos analisá-​las e/​ou colocá-​las em prática com prudência.

Diante disso, preocupou-​me a série de lim­inares expe­di­das pelo TCEMA, sus­pendendo e/​ou can­ce­lando lic­i­tações aten­dendo as solic­i­tações dos órgãos de con­t­role, bem como, recomen­dações destes organ­is­mos de con­t­role e do próprio Min­istério Público para que os municí­pios adotem pref­er­en­cial­mente o pregão eletrônico para as con­tratações públi­cas, inclu­sive as de engen­haria inde­pen­dente das fontes de recur­sos públi­cos envolvi­dos, entre diver­sas out­ras coisas.

Sei que estes órgãos de con­t­role e fis­cal­iza­ção fazem essas coisas nas mel­hores das intenções. Sei, tam­bém, que uma parte das exigên­cias – exceto pelas ampli­ações –, tem respaldo na lei, e ainda, que as exigên­cias, recomen­dações, sus­pen­sões e anu­lações visam aten­der o inter­esse público.

Por outro lado, não podemos deixar de fazer algu­mas pon­der­ações, a história do “cum grano salis”, que apren­demos no primeiro ano de faculdade.

Sem entrar no mérito das decisões já tomadas ou que estão para ocor­rer, me per­mito tecer alguns comen­tários com base no que ouvi.

Um dos motivos para que muitos proces­sos lic­i­tatórios fos­sem sus­pen­sos e/​ou can­ce­la­dos teria sido pelo fato dos mes­mos não sido disponi­bi­liza­dos a tempo e modo no sis­tema de acom­pan­hamento do TCEMA, o tal do SACOP.

Segundo soube, em muitos dos casos, isso se deu por conta da demora do próprio órgão em cadas­trar e disponi­bi­lizar as sen­has de acesso aos gestores e/​ou encarregados.

Noutras palavras, os municí­pios estariam sendo penal­iza­dos por algo que não deram causa.

Um outro prob­lema decor­rente disso e que talvez não tenha se dado conta, é que, com a sus­pen­são dos proces­sos e com demora na emis­são de uma decisão defin­i­tiva, os municí­pios ficam em um impasse: can­ce­lam? Os serviços ou mate­ri­ais presta­dos ou forneci­dos serão pagos?

Ora, tive notí­cia de municí­pios em que o tri­bunal man­dou can­ce­lar mais uma dezenas de lic­i­tações, jus­ta­mente aque­las essen­ci­ais de iní­cio de gestão, sem as quais nada no municí­pio fun­ciona: limpeza pública, medica­men­tos, com­bustíveis, etc.

Tais situ­ações causam enormes transtornos aos municí­pios e pre­juí­zos, talvez bem maiores, do que o inter­esse público que se pre­tende pro­te­ger.

Vejamos um exem­plo: a empresa, no iní­cio do ano venceu a lic­i­tação, que um ou dois meses depois foi sus­pensa pelo tri­bunal, o que impede o empresário de requerer na justiça o recon­hec­i­mento de que houve rup­tura uni­lat­eral do con­trato, bus­car o paga­mento do serviço prestado e/​ou bens entregues e, ainda, pleit­ear lucros ces­santes, paga­mento de hon­orários advo­catí­cios, etc.?

Será que ao tér­mino de tudo não terá sido muito mais prej­u­di­cial ao con­tribuinte do que se não tivessem pleit­eado, sus­penso ou anu­lado tal con­trato? Não seria muito mel­hor para o inter­esse público ape­nas que “vigiassem” a sua execução?

O outro assunto do texto – esse sim, motivo de ver­dadeira pre­ocu­pação –, é a “recomendação/​exigência” para que “tudo” seja con­tratado através de pregão eletrônico.

Quero dizer, de antemão, que mesmo a existên­cia de leis, decre­tos, instruções nor­ma­ti­vas, ou quais­quer out­ros instru­men­tos neste sen­tido estão equiv­o­ca­dos e dev­e­riam ser objeto de mobi­liza­ção visando as suas anu­lações ou revo­gações.

Não ques­tiono que seja uma forma trans­par­ente, efi­caz, e todas out­ras van­ta­gens apre­sen­tadas para os seus defen­sores, acho, inclu­sive, que deve ser o meio a ser ado­tado pelo gov­erno fed­eral e pelos esta­dos, mas não pelos municí­pios, ainda mais do nordeste e do Maranhão.

Explico o motivo.

A maio­ria dos municí­pios – algo próx­imo de cem por cento –, sobre­vivem as cus­tas dos repasses obri­gatórios e/​ou vol­un­tários das out­ras esferas estatais, são estes recur­sos públi­cos que fazem as econo­mias locais “girarem”.

Quando se impõe a exigên­cia de que as con­tratações sejam real­izadas na modal­i­dade de pregão eletrônico, está se abrindo a pos­si­bil­i­dade de empre­sas do país inteiro par­tic­i­parem e gan­harem estes con­tratos com base no critério mel­hor pro­posta financeira.

Noutras palavras, os recur­sos públi­cos que serviriam para ala­van­car a econo­mia local, senão todo, mas pelo menos sua maior parte, vai sair do municí­pio e, até mesmo, do estado.

Não falo aqui, nem da impos­si­bil­i­dade que muitas empresin­has dos municí­pios terão em par­tic­i­par dos cer­tames, seja por não dom­inarem as fer­ra­men­tas, seja porque a inter­net deixa a dese­jar, seja porque muitas não pos­suem condições de com­pe­tirem com grandes empre­sas.

Uma outra coisa que entendo como equiv­o­cada é que além do cer­tame ocor­rer por pregão eletrônico – aberto à par­tic­i­pação de todos do país –, deve, obri­ga­to­ri­a­mente, ocor­rer por item, ou seja, pode ser que uma empresa do Paraná ganhe para fornecer açú­car, outra do Rio Grande Sul ganhe para fornecer a carne, uma outra de São Paulo, ganhe para fornecer o fei­jão, e por aí vai.

A tudo isso, some-​se a difi­cul­dade para os municí­pios despenderem pes­soal para admin­is­trarem tan­tos con­tratos – a maio­ria não tem pes­soal e, quando tem, falta-​lhes a qual­i­fi­cação –, corre-​se o fun­dado risco de um dia ter um item e não ter o outro.

Mais uma vez, faz-​se necessário exam­i­n­ar­mos tal ideia “cum grano salis”, pois sope­sado tudo é bem pos­sível que o “barato saia mais caro”.

Lem­bro que há alguns anos tentou-​se fazer jus­ta­mente o con­trário: incen­ti­var o poder público a con­tratar nos próprios municí­pios.

Na época, acho que há uns dez anos, fize­mos inúmeras leis de incen­tivos para as micro e peque­nas empre­sas.

Acred­ito que o cam­inho seja esse: “favore­cer” as empre­sas dos próprios municí­pios na con­tratação com o poder público fazendo com que os recur­sos repas­sa­dos pelos entes fed­er­a­dos girem as econo­mias locais, gerem empre­gos, desen­volvi­mento, etc.

Como disse no iní­cio, não ignoro as boas intenções dos que defen­dem como forma de con­tratação do poder público a modal­i­dade do pregão eletrônico, entre­tanto, advogo no sen­tido de que se exam­ine o “filme com­pleto”: as con­se­quên­cias para as econo­mias locais.

Há mais de vinte anos que tra­bal­hamos com municí­pios e sabe­mos que ao longo dos anos eles foram empobrecendo.

Quando os números do IBGE apon­tam que o Maran­hão ficou mais pobre, que esta­mos na rabeira de tudo quanto é indi­cador, eles ape­nas trazem uma con­statação que já vín­hamos fazendo ao longo do tempo: são os municí­pios e as pes­soas que neles habitam que estão mais pobres.

As políti­cas ofi­ci­ais, as leis, os decre­tos, devem se voltar para incen­ti­var as econo­mias locais, a cir­cu­lação dos recur­sos nos próprios municí­pios e não o con­trário, em nome de uma suposta econo­mia de alguns tro­ca­dos ou de uma transparên­cia ou mesmo lisura dos certames.

Ora, basta que fis­cal­izem, que acom­pan­hem de perto.

O que não podem, em nome das mel­hores das intenções, que sei pos­suírem, incen­ti­varem o aniquil­a­mento das já frágeis econo­mias munic­i­pais e ger­arem mais pobreza extrema.

Na minha opinião, tudo que os gestores pud­erem con­tratar den­tro dos seus municí­pios, devem ser estim­u­la­dos a faz­erem – e não o con­trário. Não cobra­dos para facil­itarem que os recur­sos que dev­e­riam geram emprego e renda nos seus municí­pios faça isso em out­ros municí­pios ou esta­dos.

Da com­pra de secos e mol­ha­dos a aluguel de veícu­los, con­tratação de empre­sas de engen­haria para obras públi­cas, etc. devem ser feitas onde gerem renda e empre­gos para os donos dos recur­sos: os cidadãos.

Os órgãos de con­t­role e fis­cal­iza­ção que façam o seu tra­balho, ver­i­fiquem a lisura dos pro­ced­i­men­tos, a exe­cução dos obje­tos e tudo mais que queiram.

O que não podem é, em nome de suas como­di­dades, serem agentes pro­mo­tores da mis­éria do povo.

Abdon Mar­inho é advo­gado.