AbdonMarinho - A guerra dos insensatos.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A guerra dos insensatos.

A GUERRA DOS INSENSATOS.

Por Abdon Marinho.

CHAMAVA-​SE Gec­i­mon Pereira, com pouco mais de cinquenta anos, foi meu amigo de infân­cia na cidade Gonçalves Dias no iní­cio dos anos oitenta. Estu­damos jun­tos parte do primário e parte do giná­sio, era assim que denomi­navam não época os primeiros anos de ensino que ia até a quarta série e os anos finais do ensino básico, de quinta a oitava série. Com out­ros cole­gas descíamos jun­tos logo cedo para a Unidade Castelo Branco e à noite para Colé­gio Ban­deirantes – ambos no mesmo pré­dio, local­izado na Praça Miguel Bahury. Muitas vezes, na parte da manhã ou da tarde, ficava comigo no comér­cio que meu pai mon­tara na rua detrás para eu tomar conta.

Eram os anos oitenta de muita efer­vescên­cia, angús­tia e esperança.

Na noite de quinta-​feira, 10 de dezem­bro, meu sobrinho manda uma men­sagem pelo What­sApp que mais pare­cia um telegrama: — oi tio, boa noite! Esqueci de lhe avisar mais cedo. Mas o seu amigo Gec­i­mon fale­ceu hoje. COVID. Estão esperando o corpo para fazer o sepul­ta­mento. Infe­liz­mente o dia dele chegou. Muito triste.

Antes mesmo que tivesse tempo de dizer alguma coisa já com­ple­tou: “— a cidade está comovida. Todos estão subindo para a estrada do Cen­tro Novo para esperar o corpo dele”.

Foi assim que tomei con­hec­i­mento da perda de mais uma vida, mais um amigo, mais um con­hecido, mais um ser humano, para a maldita pan­demia. Desta vez de um muito querido amigo.

No dia seguinte a con­tagem ofi­cial de mor­tos apon­tava para uma assom­brosa soma supe­rior a 180 mil vidas per­di­das.

Como que guia­dos por cegos em meio à tem­pes­tade, a tragé­dia que toma conta do país já era anun­ci­ada desde antes de começar.

Enquanto em todos os demais países do mundo a gestão da pan­demia foi tratada como uma questão de estado – a exceção é os Esta­dos Unidos, cujo pres­i­dente é a inspi­ração para o daqui, e, por isso mesmo, amarga sua pior tragé­dia human­itária em tem­pos recentes, com mais de 300 mil mor­tos –, no Brasil virou moeda de troca de um dis­curso idi­o­ti­zado e ide­ol­o­gizado em uma guerra sem fim que per­dura até hoje.

Por razões que ainda descon­hece­mos, mas que pouco ou nada, teve de inter­venção estatal, a taxa de mor­tal­i­dade por mil­hão de pes­soas ocupa uma posição inter­mediária, o que, usurpando méri­tos que não são seus, ven­dem com êxito no com­bate à pan­demia.

Mentem como estão cer­tos que o sol bril­hará no dia seguinte.

O certo é que o Brasil não pos­suiu um plano de enfrenta­mento da pan­demia; não pos­sui um plano de pro­dução de vacina e não pos­sui, nem mesmo, uma estraté­gia de imu­niza­ção em massa, muito emb­ora o nosso sis­tema por quase meio século tenha se desta­cado em todo mundo.

A pos­tura do gov­erno fed­eral que var­iou desde ao “é uma gripez­inha” ao “não somos um país de mar­i­cas” tem cole­cionado tra­pal­hadas cul­mi­nando com a “anun­ci­ação” da parte do pres­i­dente de que pan­demia “está no fim” quando teste­munhamos o aumento sub­stan­cial na média de mor­tos.

E não é só isso. Enquanto gov­er­nos de out­ros países começam a vis­lum­brar uma luz no fim do túnel por conta da vaci­nação, o Brasil não tem nem per­spec­tiva quando ire­mos começar a vaci­nar a pop­u­lação.

A razão disso é que o gov­erno “fez pouco caso” da neces­si­dade da vaci­nação. Esta, aliás, uma can­tilena do pres­i­dente, seja desmere­cendo as vaci­nas, seja colo­cando em dúvida sua eficá­cia, seja incutindo não cabeça das pes­soas que as vaci­nas pos­sam trazer efeitos colat­erais danosos.

Do dis­curso ordinário à prática é um pulo.

O país não cele­brou con­tratos visando a aquisição de vaci­nas em grandes quan­ti­dades nos lab­o­ratórios de sua prefer­ên­cia e, como resul­tado, esta­mos no “fim da fila”.

Mesmo o acordo da aliança global para pro­dução de vacina, da qual o país é sig­natário, optou-​se por uma cota mín­ima de aquisição.

O resul­tado do com­por­ta­mento refratário do gov­erno fed­eral é que os brasileiros estão como cachor­ros em porta de gale­te­ria: assistindo com “água na boca” os out­ros se vacinarem.

O pior de tudo isso é que o gov­erno sabe que tem feito lam­bança.

Tanto que tenta cor­rer “atrás do pre­juízo” ao saber que o gov­erno do Estado de São Paulo poderá ini­ciar a vaci­nação dos seus cidadãos já no dia 25 de janeiro do próx­imo ano – caso a vacina que está sendo pro­duzida pelo Insti­tuto Butantã em parce­ria com a empresa chi­nesa Sino­vac seja aprovada pela Anvisa ou por algu­mas das agên­cias estrangeiras, nos ter­mos do que dis­põe a leg­is­lação que rege o assunto.

Bas­tou o gov­erno paulista anun­ciar a intenção de começar a vaci­nação que o gov­erno fed­eral lembrou-​se que “tem que haver um plano nacional de vaci­nação” e que não “pode haver trata­mento dis­tinto entre brasileiros”. E, por fim, segundo o gov­er­nador de Goiás, Ronaldo Caiado, o min­istro interino da Saúde, lhe teria “con­fi­den­ci­ado” a intenção de “con­fis­car” a pro­dução de vacina do Butantã – a infor­mação é que con­fis­caria qual­quer vacina pro­duzida ou adquirida pelos esta­dos –, para aplica-​la den­tro da “estraté­gia nacional de vacinação”.

Ora, me parece óbvio que todos os brasileiros devem ser vaci­na­dos den­tro de uma estraté­gia nacional, na ordem de pri­or­i­dade que se esta­b­elece para estas situ­ações. Entre­tanto, foi o próprio gov­erno fed­eral que, primeiro disse que iria adquirir as vaci­nas e depois “des­disse” gerando toda essa polêmica.

O próprio pres­i­dente, con­forme relata­mos aqui em um texto ante­rior, teria “vibrado” com o suposto insucesso da vacina que estaria sendo tes­tada pelo con­sór­cio Butantã/​Sinovac, igno­rando, inclu­sive, a perda de uma vida humana envolvida no acon­te­cido, que nada tinha com a vacina em si. Isso se deu no dia em que falou da China, declarou “guerra” aos Esta­dos Unidos e chamou os brasileiros de “mar­i­cas”.

O próprio pres­i­dente – e seus seguidores, acred­ito que por moti­vações ide­ológ­i­cas, emb­ora acred­ite que não saiba o que é isso –, faz cam­panha aberta con­tra a vaci­nação e, em par­tic­u­lar, con­tra a vacina pro­duzida pelo con­sór­cio Butantã/​Sinovac.

Aí, na hora que é anun­ci­ada a pro­dução de vacina em larga escala e se apre­senta uma data para começar a vaci­nação, o gov­erno fed­eral vem falar em “estraté­gia nacional” e até em con­fisco? Quer dizer que agora querem a “vacina chi­nesa”? Ou falam em con­fisco para que ninguém seja vacinado?

Se o gov­erno fed­eral é esse desas­tre que esta­mos teste­munhando, os gov­er­nos estad­u­ais não ficam muito atrás na con­dução da pandemia.

Vejamos o caso do gov­erno paulista – que por sua relevân­cia econômica e porque parece ser ser o mais avançado nas estraté­gias de com­bate à pan­demia, inclu­sive com o anún­cio de vaci­nação para janeiro próx­imo –, o mundo começava a viven­ciar uma segunda onda da molés­tia, os téc­ni­cos infor­mam que avis­aram o gov­erno estad­ual da neces­si­dade de medi­das de dis­tan­ci­a­mento social, mas o gov­erno, por con­veniên­cia política, só foi anun­ciar quais­quer medi­das no dia seguinte após o segundo turno das eleições.

Medi­das que pode­riam sal­var vidas.

Vejamos, tam­bém, o caso do gov­erno maran­hense.

O gov­er­nador do estado se tornou uma espé­cie de “falador-​geral da República”. Volta e meia, dia sim e no outro tam­bém, lá está sua excelên­cia fusti­gando o gov­erno fed­eral por conta de sua inação no trato da pan­demia.

Sua excelên­cia, tam­bém, sabia que uma “segunda onda” se aprox­i­mava, todo mundo falava disso, mas o gov­erno estad­ual nada fez.

Durante a cam­panha eleitoral, muito emb­ora não tenha ido aos comí­cios de seus ali­a­dos, dele­gou tal mis­são aos secretários, inclu­sive o de saúde, para par­tic­i­parem de even­tos com aglom­er­ações, enquanto par­tic­i­pava, dev­i­da­mente “guardado” de con­tá­gios, através de video­con­fer­ên­cia.

Mas, o mais grave estava por vir. Pas­sa­dos mais de um mês desde que a pop­u­lação da cap­i­tal foi infor­mada que o “can­didato do gov­er­nador” fez cam­panha por, pelo menos, seis dias se sabendo con­t­a­m­i­nado – e colo­cando em risco a vida das pes­soas –, o gov­er­nador que tanto se diz pre­ocu­pado com a saúde do povo, não deu uma expli­cação sobre fato tão grave.

Aliás, deu, fechadas as urnas do primeiro turno das eleições, o gov­er­nador fez questão de assumir a can­di­datura do “suposto crim­i­noso” como se sua fosse; per­mi­tiu que usasse seu nome para con­vo­car aglom­er­ações; saudou pelas redes soci­ais, pelo menos, um evento de tal porte; e “passeou” pela praça com o can­didato, depois que ele apre­sen­tou o ates­tado de sanidade, exter­nando que aquele era o “seu” can­didato; e, finda as eleições munic­i­pais, com a der­rota do mesmo e ante a pos­si­bil­i­dade vir ser “cas­sado” pela Assem­bleia, cogita dar-​lhe abrigo no Poder Executivo.

Con­ver­sando com os meus botões sem­pre indago: será que gov­er­nador não se acha deve­dor de uma expli­cação à patuleia?

O silên­cio do gov­er­nador e suas ações em favor de um suposto crim­i­noso, eleva a outro pata­mar a máx­ima de “que o crime compensa”.

Emb­ora respei­tando a gradação de respon­s­abil­i­dades, con­fesso que não con­sigo enx­er­gar muita difer­ença entre os com­por­ta­men­tos das autori­dades fed­erais e estad­u­ais.

Usando uma expressão do meu saudoso pai, o que temos “são os sujos falando dos mal lavados”.

Enquanto isso, as famílias e ami­gos pran­teiam suas perdas.

Abdon Mar­inho é advo­gado.