AbdonMarinho - Casamento por conveniências e divórcio litigioso.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Casa­mento por con­veniên­cias e divór­cio litigioso.

CASA­MENTO POR CON­VENIÊN­CIAS E DIVÓR­CIO LITI­GIOSO.

Por Abdon Marinho.

Na condição de advo­gado há mais de vinte anos, ainda hoje uma coisa me chama a atenção: ódio que cer­tos casais – marido e/​ou mul­her –, pas­sam a nutrir um pelo outro após o fim da relação. Penso: meu Deus, como é pos­sível que estas pes­soas que ficaram jun­tas por dez, quinze, vinte, trinta anos, às vezes mais, pas­saram a se odi­arem tanto a ponto de brigarem por uma pan­ela velha de alumínio, furada, ainda por cima?

E quando tem “lavagem de roupa suja”, o que acon­tece quase sem­pre? Ou quando envolvem famil­iares e ami­gos, obrigando-​os (coita­dos) a escol­herem um dos lados?

Meu Deus, é uma coisa horrível.

Fiz essa breve intro­dução em “hom­e­nagem” ao pres­i­dente Bol­sonaro que é apre­ci­ador de uma metá­fora envol­vendo relações pes­soais – lem­bram que outro dia estava “noivando” com a Regina Duarte ou que a saída do ex-​ministro Man­detta fora uma sep­a­ração amigável –, e que agora tornou-​se pro­tag­o­nista de um divór­cio liti­gioso com(tra) o ex-​ministro Sér­gio Moro, com dire­ito a “bar­raco”, disse me disse, lavagem de roupa suja e “guerra de tor­ci­das”, entre os ali­a­dos de ambos.

Como disse no iní­cio, ainda no “gan­cho” da metá­fora casa­menteira, mesmo uniões nasci­das da con­vivên­cia prévia de lon­gos anos de namoro, noivado, ideais comuns, depois de anos jun­tos acabam da pior forma, o que dizer de uniões em que as pes­soas nunca con­viveram, não par­til­ham dos mes­mos ideais e não tem a mesma forma de ver as coisas e o mundo?

A situ­ação se torna muito grave e (até) insus­ten­tável quando você percebe que out­ras pes­soas fazem parte da “relação”, que você não “casou” com uma pes­soa só, mas com uma família inteira, com os fil­hos, os cachor­ros e os papagaios.

A relação de Moro com Bol­sonaro foi um “casa­mento” de con­veniên­cias, arran­jado de última hora e, como, quase todos, acaba da pior forma, em divór­cio liti­gioso.

O sen­hor Bol­sonaro eleito legit­i­ma­mente – mas que até o mais fiel dos bol­sonar­is­tas sabe não pos­sui qual­quer capaci­dade admin­is­tra­tiva –, quis cercar-​se de nomes acima de quais­quer ques­tion­a­men­tos e for­mou um bom time téc­nico.

Moro e Quedes estariam à frente desta equipe como uma espé­cie de “fiadores” do gov­erno.

Sim, se voltar­mos à fita um pouco mais – para antes da posse ou mesmo para os primór­dios do gov­erno –, ver­e­mos o próprio Bol­sonaro dizendo que o seu min­istro da Justiça e Segu­rança Pública teria ampla autono­mia para coman­dar a área.

Numa das falas disse que essa autono­mia seria: “com COAF e tudo”. Noutra fala usou a metá­fora da var­inha de pesca: “lá em Curitiba o Moro pesca com uma var­inha de pesca, no meu gov­erno vai pescar com redes”. Algo mais ou menos assim.

Essas falas, essas promes­sas públi­cas, estão reg­istradas na “fita” da história e dos arquivos de televisão.

Só que o pres­i­dente, antes de qual­quer coisa, é um “homem de família”.

Dizem que chora copiosa­mente ante a pos­si­bil­i­dade (real) de algum dos seus fil­hos vir a sofrer alguma impor­tu­nação judi­cial por algum “malfeito” que possa ter cometido.

Isso ficou muito claro quando o filho que é senador teve rev­e­ladas pelo COAF movi­men­tações finan­ceiras para lá de sus­peitas – e que todos, mesmo os mais ingên­uos sabem que prov­in­ham dos esque­mas de “rachad­inha” que domi­nou a Assem­bleia Leg­isla­tiva do Rio de Janeiro nos anos em que foi dep­utado estadual.

O zero um do pres­i­dente parece ser até o que menos se esbal­dou, mas é o filho do pres­i­dente.

As gestões de Moro para que as coisas ocor­ressem den­tro do rito nor­mal e de inves­ti­gação a que estava acos­tu­mado na condição de juiz, fez ruir a primeira promessa que lhe foi feita: a tal da autono­mia “com COAF e tudo”.

E a “relação” começou a “esfriar”.

O ex-​ministro Moro quando topou a pro­posta de “casa­mento” de Bol­sonaro, deixando sua esta­bil­i­dade de 22 anos de car­reira, recon­heci­da­mente exi­tosa no Brasil e no estrangeiro, para emprestar seu nome e fama a um gov­erno legí­timo, mas pre­si­dido por um dep­utado da “turma do fundão”, do Con­gresso Nacional, só con­hecido por suas posições extrem­is­tas muitas das vezes bizarras e con­trárias, na maio­ria das vezes, ao que se entende por civ­i­lizadas, fez por interesses.

Disse o ex-​ministro que o único com­pro­misso que fez para aceitar o cargo foi que, na even­tu­al­i­dade de vir a fal­tar por conta do seu enfrenta­mento ao crime orga­ni­zado, aquele (o pres­i­dente) não deix­asse ao desam­paro sua família.

Emb­ora alguns ten­ham procu­rado enx­er­gar aí um “gravís­simo crime” do ex-​ministro, con­forme expliquei no texto ante­rior, abor­dando especi­fi­ca­mente essa crítica, não vi nada demais em tal com­pro­misso: nem que ele tenha solic­i­tado, nem que o pres­i­dente tenha aceitado.

Pois bem, mas o ex-​ministro tinha, sim, inter­esses neste casa­mento de con­veniên­cias.

Não digo que fos­sem inter­esses pes­soais ou ilegí­ti­mos. Pelo con­trário, o min­istro acred­i­tou na promessa do pres­i­dente, e imaginou-​se com­bat­endo as orga­ni­za­ções crim­i­nosas em escala nacional e, porque não, sendo recon­hecido mais ainda e se cre­den­ciando para uma futura sucessão do atual pres­i­dente.

Existe algum pecado nisso? Em alguém querer fazer um bom serviço e ser recon­hecido por isso para, no futuro, vir a ser algo maior na hier­ar­quia de poder do país?

Ao nosso sen­tir – e em situ­ações nor­mais –, não. Mas em se tratando do pres­i­dente Bol­sonaro, sim. Ele teme que seus min­istros que são notada­mente mais com­pe­tentes do que ele (o que não é lá tarefa muito difí­cil), se tornem lid­er­anças maiores que ele.

O exem­plo mais ilus­tra­tivo do que falo está bem aí na mente de todos.

Que outro pres­i­dente, em qual­quer tempo e em qual­quer lugar do mundo, demi­tiria o seu min­istro da saúde no meio de uma pan­demia, sem qual­quer motivo a não ser o sim­ples fato da sua grande aceitação pop­u­lar pelo tra­balho que estava fazendo?

Emb­ora ten­tem encon­trar peca­dos do ex-​ministro Man­detta – e não duvido que eles exis­tam –, a demis­são ocor­reu mesmo foi pelo fato dele ter se tor­nado, pelo menos, no seu tra­balho de min­istro, bem maior que o pres­i­dente.

Os peca­dos deles, se exis­tentes, já eram de con­hec­i­mento público bem antes da sua posse e até foram ques­tion­a­dos naquela ocasião.

A des­graça dele foi o surg­i­mento da pan­demia que o pro­je­tou extra­or­di­nar­i­a­mente.

Extremo pecado: lhe deu mais que o dobro do apoio pop­u­lar dado ao presidente.

No caso de Moro a pop­u­lar­i­dade já exis­tia e para cul­mi­nar, pelo dever de ofí­cio, teve que “trom­bar” com os fil­hos do pres­i­dente e seus pecadil­hos.

E isso se deu lá atrás, o Moro que, até para a decepção de alguns, vinha “engolindo sapos” para man­ter a relação – talvez pen­sando nos seus inter­esses –, aca­len­tando o sonho de tudo isso pas­saria, o pres­i­dente mudaria de pen­sa­mento e ele pode­ria fazer o tra­balho pelo qual renun­ciou à car­reira.

Ten­tou isso até o dia que saiu.

Enganam-​se os que pen­sam – prin­ci­pal­mente os bol­sonar­is­tas –, que o Moro se demi­tiu, que traiu o pres­i­dente, etc. Na ver­dade, o min­istro foi demi­tido pelo pres­i­dente, e isso já vinha ocor­rendo de muito tempo, a gota d’água, foi a demis­são de alguém, colo­cado pelo min­istro, nas suas costas.

Ora, se o min­istro con­cor­dasse em per­manecer no cargo depois disso, não seria um homem, seria um rato.

Alguém que disse que estaria dis­posto a dar vida pelo país no enfrenta­mento do crime orga­ni­zado, pedindo ape­nas que não deix­as­sem sua família no desam­paro, aceitar tamanha humil­hação, seria vergonhoso.

Vejo agora uma estranha união entre bol­sonar­is­tas, petis­tas, comu­nistas e out­ros “bichos” na ten­ta­tiva de desqual­i­ficar o ex-​ministro.

Ora dizem que o min­istro teria solic­i­tado uma van­tagem inde­v­ida para ser min­istro – o pedido para que sua família não ficasse desam­parada no caso de vir a “tombar” em serviço –, ora dizem que ten­tou bar­gan­har o cargo de min­istro do STF.

Na minha visão uma pes­soa com os tra­bal­hos presta­dos à nação pode­ria pleit­ear qual­quer coisa, até mesmo a presidên­cia da República.

Se bem lem­bro, quais as qual­i­fi­cações de Dias Tof­foli quando o ex-​presidente Lula o fez min­istro da mais alta Corte do país? Que serviços havia prestado ao país?

Não tenho dúvi­das de que Moro tem muito mais qual­i­fi­cação, além de ter uma folha de serviços presta­dos à nação incom­par­a­vel­mente maior.

Digo isso para even­tu­al­i­dade de alguém con­sid­erar como “pecado mor­tal” o fato dele ter cog­i­tado ou mesmo sug­erido que pode­ria vir a se tornar min­istro do STF.

Ape­nas para citar exem­p­los mais próx­i­mos da gente, quan­tos que cer­cam o atual gov­er­nador, dizendo, até, que suas flat­ulên­cia tem ótimo odor, na esper­ança de vir a ser lem­brando quando sur­gir uma vaga do TJMA, no TCE ou mesmo atrás de uma pro­moção, no caso dos efe­tivos? Muitos entregam até a mãe.

O próprio gov­er­nador quando deixou a mag­i­s­tratura, ainda ontem, o fez diante da promessa de que umas das dezoito vagas de dep­utado fed­eral seria dele.

E, con­hecendo o ex-​governador José Reinaldo, aposto que no inter­valo entre a exon­er­ação e a posse como dep­utado fed­eral, ele não deixou o atual gov­er­nador “desam­parado”, além de ter entregue, reli­giosa­mente, o prometido mandato – e depois ter feito tudo que pode para torná-​lo gov­er­nador.

Cer­ta­mente Zé Reinaldo, ainda que não tenha pedido, sug­erido ou cog­i­tado, tam­bém fez isso con­tando que não seria “aban­don­ado” quando, sobre­tudo, na vel­hice pre­cisasse de quem tanto aju­dou.

Mesmo um pai que tudo faz pelos fil­hos, além do amor, o que fazem é na esper­ança da rec­i­pro­ci­dade.

No divór­cio liti­gioso de Bol­sonaro com Moro, o primeiro, como era de se esperar, escol­heu os fil­hos, ainda que em pre­juízo da pátria; o segundo escol­heu o brio.

Abdon Mar­inho é advo­gado.