AbdonMarinho - HOMENS E ARMAS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

HOMENS E ARMAS.

HOMENS E ARMAS.

Por Abdon Marinho.

COMO ESPER­ADO o assunto do final de sem­ana foi a rev­e­lação do desejo homi­cida do ex-​procurador-​geral da República, Rodrigo Janot que, deduz-​se, para turbinar a venda de um livro de memórias sobre seu período à frente da Procuradoria-​Geral, rev­elou que foi armado ao Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF e, por muito pouco, não matou o min­istro Gilmar Mendes.

Ainda descon­tando as infini­tas piadas e “memes”, o assunto “bom­bou”, como dizem atual­mente, ofus­cando, até mesmo, o último capí­tulo da estraté­gia do “pacto das elites” para colo­car fim ao com­bate à cor­rupção, anu­lar proces­sos, par­al­isar inves­ti­gações e soltar os cor­rup­tos já pre­sos. Não teve para “ninguém” só se falou no tiro não dado nas dependên­cias da Corte Suprema. Todos falando do assunto, anal­isando suas con­se­quên­cias e tirando suas “casquin­has”. Por certo que é uma pauta inter­es­sante e dela tratare­mos, tam­bém, em um texto especí­fico.

Por estas pla­gas, até o ex-​presidente Sar­ney, na sua col­una sem­anal, tra­tou do assunto trazendo à memória uma crônica de Odilo Costa, filho, sobre episó­dio sim­i­lar ocor­rido no Tri­bunal de Justiça do Piauí, do qual par­ticipou o seu pai, então desem­bar­gador Odilo Costa.

Na sua col­una Sar­ney aproveita para tirar um “sarro” com o ex-​procurador-​geral – talvez como uma pequena vin­gança –, ao colocá-​lo na mesma condição do facínora com múlti­plas con­de­nações, Fer­nando Beira-​mar. Foi sutil, mas per­cep­tível.

Episó­dios envol­vendo homens e armas são infini­tos.

Conta a lenda que aqui mesmo, no nosso Maran­hão ocor­reu um fato pitoresco com temática semel­hante.

Segundo dizem, o então juiz de dire­ito, José Maria Mar­ques, aguar­dava ansioso seu ingresso como desem­bar­gador do Tri­bunal de Justiça do Maran­hão.

Como não era muito querido pelos desem­bar­gadores nunca con­seguiu o ingresso por merec­i­mento, sem­pre preterido por um ou outro.

Aguardou pacien­te­mente a vaga por antigu­idade. Quando chegou a data em que o desem­bar­gador da vez dev­e­ria aposentar-​se ficou intri­gado, pas­sou um mês, dois meses e nada. Dirigiu-​se ao TJMA e indagou na secretaria-​geral: — O desem­bar­gador fulano de tal (omito o nome para não causar embaraços) não dev­e­ria ter se aposen­tado dia tal?

O secretário olhou os arquivos e respon­deu: — Olha Dr. José Maria, aqui con­sta o desem­bar­gador fulano de tal só entra na com­pul­sória daqui a dois anos.

O juiz ficou fulo pois sabia que não tinha se enganado nas suas con­tas. Mas o que fazer diante de um doc­u­mento ofi­cial?

Certa tarde estava o mag­istrado tomando uma cerve­jinha em uma das mesas na calçada do antigo Hotel Cen­tral, na Praça Bened­ito Leite, quando passa jus­ta­mente o filho do desem­bar­gador que dev­e­ria ter se aposen­tado que, inad­ver­tida­mente, o cumpri­men­tou e indagou: —Boa tarde, Dr. José Maria! Quando vamos à desem­bar­gatória?

Como estava o mag­istrado retru­cou: — Ire­mos a ela no dia que o sen­hor seu pai decidir com­ple­tar setenta anos.

O tempo pas­sou, o desem­bar­gador se aposen­tou e, final­mente, o surgiu a vaga por antigu­idade, por dire­ito, do mag­istrado.

Passou-​se uma sem­ana, duas, nada de chamarem o juiz para ser empos­sado.

Na ter­ceira sem­ana ele foi ao tri­bunal, aguardou acabar a sessão e dirigiu-​se à sala do lanche, atrás do Plenário. Lá sacou seu Smith-​Wesson .38 e disse aos desem­bar­gadores: — Olha, vocês estão poster­gando para me chamarem para assumir uma vaga que é minha por dire­ito. Um vaga. Aqui eu tenho seis balas, se con­tin­uarem a me “sacanearem” na próx­ima sessão abrirei, não só uma, mas seis vagas.

Na sessão seguinte con­vo­caram o Dr. José Maria Mar­ques para assumir sua vaga de desem­bar­gador.

Mas isso, tam­bém, é uma lenda. Faz parte da história não con­tada da sociedade maran­hense.

O ex-​presidente Sar­ney pode­ria ter ilustrado sua crônica com tal episó­dio ou um outro que o envolveu pessoalmente.

Nos efer­ves­centes meses que ante­ced­eram a mudança do régime mil­i­tar para o civil, o senador Sar­ney era o pres­i­dente do PDS (Par­tido Democrático Social) e colo­cara os três fil­hos para apoiarem cada um, um can­didato dis­tinto do par­tido, Fer­nando apoiou Maluf, com a des­culpa ou argu­mento de ter fir­mado amizade quando estu­dara em São Paulo na década ante­rior; Zequinha foi de Mário Andreazza; e Roseana de Aure­liano Chaves, que era vice-​presidente República.

Como sabe­mos, Maluf acabou “con­ven­cendo” as lid­er­anças par­tidárias, der­ro­tou os opo­nentes, e gan­hou a indi­cação do par­tido para ir à dis­puta no Colé­gio Eleitoral.

A vitória de Maluf, sobre­tudo, por seus méto­dos abriu uma séria dis­sidên­cia no par­tido, que iria forma um movi­mento chamado “frente lib­eral”, lid­er­ado por Aure­liano Chaves, Marco Maciel, entre out­ros, que apoiou Tan­credo Neves, e depois viraria o Par­tido da Frente Lib­eral — PFL.

O ex-​presidente Sar­ney era um dos dis­si­dentes e, por conta disso, teve que deixar o comando do par­tido. Estava con­fortável, eleito em 1978, ainda tinha mandato de senador até 1986.

Pois bem, segundo foi noti­ci­ado e, se não me falha a memória, dito pelo próprio ex-​presidente, em uma entre­vista a um jor­nal ou revista, para aquela tensa reunião onde iria comu­nicar que estava deixando a presidên­cia do par­tido (e o par­tido), ele foi armado.

Comu­ni­cou a sua renún­cia à presidên­cia do par­tido, pouco depois deixou o par­tido e já no começo do seguinte estava no Movi­mento Democrático Brasileiro — MDB, como can­didato a vice-​presidente na chapa de Tan­credo Neves no Colé­gio Eleitoral e, em março daquele ano assumiria pro­vi­so­ri­a­mente e no mês seguinte, em defin­i­tivo, à presidên­cia da República.

Até hoje não se sabe o que o ex-​presidente pre­tendia fazer ao ir armado a uma reunião do par­tido: rea­gir à bala caso hou­vesse algum xinga­mento? Ati­rar em alguém especificamente?

Eram os tur­bu­len­tos anos oitenta. Eram out­ros tem­pos. Por­tar armas ainda era sím­bolo de cor­agem e deste­mor.

Para a ale­gria (ou tris­teza) de muitos nem Sar­ney, nem Jonot chegaram a fazer uso de suas armas.

Abdon Mar­inho é advo­gado.