O MARANHÃO E AS HISTÓRIAS NÃO CONTADAS.
- Detalhes
- Criado: Sexta, 27 Setembro 2019 21:40
- Escrito por Abdon Marinho
O MARANHÃO E AS HISTÓRIAS NÃO CONTADAS.
Por Abdon Marinho.
VÉSPERA DE FERIADO à tarde, com o escritório praticamente vazio recebo a visita do amigo ex-deputado estadual Aderson Lago. Nos conhecemos desde 1991 quando assumiu o primeiro mandato como deputado e eu trabalhava na Assembleia Legislativa na assessoria do deputado Juarez Medeiros.
Ao longo dos anos tivemos a oportunidade de trabalharmos juntos em alguns projetos: as duas campanhas de Cafeteira, 1994 e 1998; e, depois, já como advogado, em diversas ações, como Ação Popular contra a privatização do Banco do Estado, as ações relacionadas ao escândalo da estrada Paulo Ramos/Arame, dois pedidos de impeachment de Roseana Sarney; ação a favor de uma diferença do FUNDEF que o estado não repassava aos municípios e tantas outras em defesa do povo do Maranhão.
Nos dezesseis anos que passou como deputado foi dos mais ativos e preparados se destacando como principal deputado de oposição na assembleia legislativa
Após tratarmos do assunto que o levou ao escritório começamos a trocar ideias sobre o quadro político local, o nacional e as nossas desesperanças com tudo que estamos assistindo.
O formidável de conversar com Aderson é que ele tem uma memória extraordinária, lembra detalhes como se os fatos tivessem ocorridos ontem.
Quando falávamos do sarneísmo a propósito deste pacto “camaleônico” com o governo comunista do Maranhão Aderson provocou:
— Sabes como foi eleição de Sarney, em 1965, Abdon?
O meu conhecimento é o dos livros escolares, queria ouvir dele. Disse-lhe: — Não!
Aí ele passou a me contar a história não escrita, a partir de suas lembranças.
Diz-me ele: em 1965 o prefeito de Bacabal era Benu Lago (Benedito de Carvalho Lago, seu tio e o trigésimo primeiro prefeito de Bacabal).
Interrompe para contar um pouco sobre Benu Lago. Fala que Benu ficou órfão muito cedo, com 17 anos, e apesar da pouca idade, virou arrimo de família assumindo a responsabilidade pela educação dos demais irmãos, dentre os quais seu pai, o pai de Jackson Lago dentre outros. Ressalva que apesar do avô, José Luís Teixeira do Lago, ter deixado posses, o mérito de Benu Lago não pode ser descartado, tanto assim que em 1950 elegeu-se deputado federal, elegeu o irmão, pai de Jackson, Zé Lago, deputado estadual, além de outros três deputados estaduais, Zeca Branco, Jose Marques Teixeira e Clementino Bezerra, todos do município de Pedreiras.
Certamente Pedreiras, que possuía a segunda ou terceira economia do estado, nunca mais repetiu tal feito.
Aí retorna à eleição de 1965: Pois bem, estava Benu em seu gabinete quando entra um de seus secretários de nome Zé Santos, que depois foi vereador em Bacabal: — Seu Benu tem um “general” aí fora querendo falar com o senhor.
— Pois mande o homem entrar, retruca o prefeito.
O homem que queria falar com o prefeito não era (ainda) general, era o coronel Dilermando Monteiro (que depois viraria general e comandaria o Segundo Exército, em São Paulo).
O coronel estava em missão, devidamente fardado, fora designado pelo Marechal Castelo Branco, então presidente da República, para, em seu nome, pedir o apoio dos prefeitos maranhenses para a campanha do deputado José Sarney ao governo estadual.
Aderson acrescenta: — quem também esteve por aqui com a mesma missão foi, entre outros, o (ainda) coronel João Baptista Figueiredo, que veio a ser o último presidente do Régime Militar.
Benu recebeu o coronel Dilermando mas disse-lhe: — Coronel, lamento não poder atender o pedido do presidente, meu partido que é o mesmo partido governador já tem um candidato, o ex-prefeito de São Luís, além disso, o governador é sogro da minha filha. Até tenho uma boa relação como deputado Sarney, mas já temos compromisso tanto no aspecto político quanto pessoal.
Antes de se despedir do coronel, Benu indaga: — Coronel me sacie uma curiosidade: todos sabemos que o deputado Sarney não é “bem visto” junto às Forças Armadas, sabe-se até que figura no livro editado pela biblioteca do exército como “persona non grata”. Como justifica todo esse esforço para fazê-lo governador?
O coronel Dilermando responde: — Prefeito, o marechal Castelo Branco é um udenista ferrenho e homem de partido. Se o deputado Sarney é da UDN (União Democrática Nacional), tem todo o nosso apoio.
Para os que não conhecem a história, o deputado Sarney apesar de ser da UDN era integrante da ala política chamada “Bossa Nova”, e até possuía simpatia pelo ex-presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira e pelo vice-presidente, que assumiu com a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart, que era do Partido Trabalhista Brasileiro — PTB, portanto mal visto pelos militares. Outro detalhe é que Sarney quase vira ministro de Jango. Na verdade teria dormido ministro e acordou sem sê-lo, graças à intervenção do senador Vitorino Freire, que ameaçou romper com o governo federal se a nomeação fosse concretizada.
Aderson recorda que pouco antes do golpe militar de 1964 o deputado Sarney teria escrito em “O Imparcial” um artigo de apoio à Jango e contra os militares. Ainda, segundo a “lenda” tal artigo, após o golpe, teria sido substituído por outro menos ácido.
Aderson retrocede um pouco no tempo para dizer que em 29 de março de 1964, sua família, ele, o pai e a mãe, chegaram ao Rio de Janeiro justamente para o casamento da filha de Benu Lago com o filho de Newton Belo.
A cidade que, apesar de não ser mais a capital da República, era onde tudo acontecia, já antevia a efervescência dos dias que iríamos viver no país.
Os caminhões da Companhia de Lixo — Conlurb, por ordem do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, interditava várias avenidas, sobretudo as que davam acesso ao palácio do governo, onde Lacerda havia montado um bunker e prometia resistir.
Os dias seguintes estão fartamente documentados nos livros de história.
Aderson narra que após o casamento o retorno, no começo de abril, foi uma verdadeira odisseia, a empresa onde tinham as passagens, a PANER do Brasil, sofreu intervenção e seus aviões proibidos de decolar, retidos onde estivessem.
Conseguiram um voo na Viação Aérea São Paulo — VASP, com voos sendo marcados e desmarcados diversas vezes.
Para este texto interessa que fizeram uma escala em Brasília, que na época ainda não possuía aeroporto, apenas a Base Aérea e todos os passageiros tinham que descer lá, independente de seguirem ou não viagem na mesma aeronave.
Foi lá, naquele clima pós-golpe, que encontraram um nervoso deputado Sarney, em mangas de camisas. Este logo que viu a família Lago chamou Benu e, reservadamente, confidenciou que estava na lista dos que seriam cassados pelo régime militar e estava ali a caminho de Belo Horizonte para tentar, com Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais e um dos líderes civis do golpe, escapar da cassação.
Pois é, como sabemos Magalhães Pinto “salvou” Sarney.
Aderson observa essa imensa capacidade “camaleônica” do ex-presidente Sarney de, em apenas um ano deixar de ser um político “quase” cassado e “persona non grata” pelos militares, para ser o seu candidato ao governo do Maranhão, mobilizando o régime para apoiá-lo.
A mudança foi tão rápida que Neiva Moreira, importante líder oposicionista, cassado pelos militares e exilado, ao escrever uma carta apoiando Sarney jamais imaginaria que ele era o candidato dos militares, pensava ser ele, ainda, de oposição. Mas isso, também, é outra lenda.
Para Aderson os militares não apenas ajudaram Sarney pedindo votos e apoios para ele, “quebraram” a candidatura situacionista impondo um veto ao candidato da preferência do eleitorado e do governador, o então deputado Renato Archer.
Este fato provocou o rompimento do governador Newton Belo com Renato Archer e com Vitorino Freire, fazendo-o lançar o ex-prefeito de São Luís, Costa Rodrigues.
O deputado Renato Archer, não acreditando no veto, com o apoio de Vitorino Freire, manteve sua candidatura.
Essa divisão do grupo da situação foi determinante para a vitória do candidato da oposição, deputado Sarney.
Mas os militares foram além. Tudo que o ex-presidente Sarney “vende” como seu mérito na realização de obras estruturantes no estado no seu período de governo, na verdade foi mérito dos militares que mandaram as verbas e deixaram que tocasse as obras e noutros casos o governo federal que executou diretamente.
Foi assim com BR 135, foi assim com o Porto do Itaqui, foi assim com a Represa Boa Esperança.
Sobre o Porto do Itaqui Aderson conta uma história muito interessante.
Diz que no início dos anos cinquenta quando uma empresa de um italiano chamada Construtora Curzi – que possuía larga experiência na construção de grandes obras –, tentava construir o porto, mas enfrentava incontáveis obstáculos no seu intento, atribuídos, principalmente, ao Tribunal de Justiça, que tinha o ex-presidente Sarney como secretário-geral. O senhor Curzi, após uma derradeira derrota naquela Corte, aos descer suas escadarias, teria proferido a seguinte frase: “Se Al Capone fosse vivo e aqui estivesse diante deste rapaz de bigodinho seria um mero aprendiz”.
A tarde não passou enquanto conversava com Aderson naquela véspera de feriado.
Os fatos narrados neste texto com detalhes que são desconhecidos de quase todos no Maranhão, são apenas uma pequena parte do muito que conversamos.
Insisti para que ele escreva um livro contando tudo que lembra e sabe da nossa história.
Abdon Marinho é advogado.