AbdonMarinho - O MARANHÃO E AS HISTÓRIAS NÃO CONTADAS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O MARAN­HÃO E AS HISTÓRIAS NÃO CONTADAS.

O MARAN­HÃO E AS HISTÓRIAS NÃO CON­TADAS.

Por Abdon Mar­inho.

VÉSPERA DE FERI­ADO à tarde, com o escritório prati­ca­mente vazio recebo a visita do amigo ex-​deputado estad­ual Ader­son Lago. Nos con­hece­mos desde 1991 quando assumiu o primeiro mandato como dep­utado e eu tra­bal­hava na Assem­bleia Leg­isla­tiva na asses­so­ria do dep­utado Juarez Medeiros.

Ao longo dos anos tive­mos a opor­tu­nidade de tra­bal­har­mos jun­tos em alguns pro­je­tos: as duas cam­pan­has de Cafeteira, 1994 e 1998; e, depois, já como advo­gado, em diver­sas ações, como Ação Pop­u­lar con­tra a pri­va­ti­za­ção do Banco do Estado, as ações rela­cionadas ao escân­dalo da estrada Paulo Ramos/​Arame, dois pedi­dos de impeach­ment de Roseana Sar­ney; ação a favor de uma difer­ença do FUN­DEF que o estado não repas­sava aos municí­pios e tan­tas out­ras em defesa do povo do Maranhão.

Nos dezes­seis anos que pas­sou como dep­utado foi dos mais ativos e prepara­dos se desta­cando como prin­ci­pal dep­utado de oposição na assem­bleia leg­isla­tiva

Após tratar­mos do assunto que o levou ao escritório começamos a tro­car ideias sobre o quadro político local, o nacional e as nos­sas deses­per­anças com tudo que esta­mos assistindo.

O formidável de con­ver­sar com Ader­son é que ele tem uma memória extra­ordinária, lem­bra detal­hes como se os fatos tivessem ocor­ri­dos ontem.

Quando falá­va­mos do sarneísmo a propósito deste pacto “camaleônico” com o gov­erno comu­nista do Maran­hão Ader­son provo­cou:

— Sabes como foi eleição de Sar­ney, em 1965, Abdon?

O meu con­hec­i­mento é o dos livros esco­lares, que­ria ouvir dele. Disse-​lhe: — Não!

Aí ele pas­sou a me con­tar a história não escrita, a par­tir de suas lembranças.

Diz-​me ele: em 1965 o prefeito de Baca­bal era Benu Lago (Bened­ito de Car­valho Lago, seu tio e o trigésimo primeiro prefeito de Baca­bal).

Inter­rompe para con­tar um pouco sobre Benu Lago. Fala que Benu ficou órfão muito cedo, com 17 anos, e ape­sar da pouca idade, virou arrimo de família assu­mindo a respon­s­abil­i­dade pela edu­cação dos demais irmãos, den­tre os quais seu pai, o pai de Jack­son Lago den­tre out­ros. Ressalva que ape­sar do avô, José Luís Teix­eira do Lago, ter deix­ado posses, o mérito de Benu Lago não pode ser descar­tado, tanto assim que em 1950 elegeu-​se dep­utado fed­eral, elegeu o irmão, pai de Jack­son, Zé Lago, dep­utado estad­ual, além de out­ros três dep­uta­dos estad­u­ais, Zeca Branco, Jose Mar­ques Teix­eira e Clementino Bez­erra, todos do municí­pio de Pedreiras.

Cer­ta­mente Pedreiras, que pos­suía a segunda ou ter­ceira econo­mia do estado, nunca mais repetiu tal feito.

Aí retorna à eleição de 1965: Pois bem, estava Benu em seu gabi­nete quando entra um de seus secretários de nome Zé San­tos, que depois foi vereador em Baca­bal: — Seu Benu tem um “gen­eral” aí fora querendo falar com o senhor.

— Pois mande o homem entrar, retruca o prefeito.

O homem que que­ria falar com o prefeito não era (ainda) gen­eral, era o coro­nel Dil­er­mando Mon­teiro (que depois viraria gen­eral e coman­daria o Segundo Exército, em São Paulo).

O coro­nel estava em mis­são, dev­i­da­mente far­dado, fora des­ig­nado pelo Marechal Castelo Branco, então pres­i­dente da República, para, em seu nome, pedir o apoio dos prefeitos maran­henses para a cam­panha do dep­utado José Sar­ney ao gov­erno estad­ual.

Ader­son acres­centa: — quem tam­bém esteve por aqui com a mesma mis­são foi, entre out­ros, o (ainda) coro­nel João Bap­tista Figueiredo, que veio a ser o último pres­i­dente do Régime Mil­i­tar.

Benu rece­beu o coro­nel Dil­er­mando mas disse-​lhe: — Coro­nel, lamento não poder aten­der o pedido do pres­i­dente, meu par­tido que é o mesmo par­tido gov­er­nador já tem um can­didato, o ex-​prefeito de São Luís, além disso, o gov­er­nador é sogro da minha filha. Até tenho uma boa relação como dep­utado Sar­ney, mas já temos com­pro­misso tanto no aspecto político quanto pes­soal.

Antes de se des­pedir do coro­nel, Benu indaga: — Coro­nel me sacie uma curiosi­dade: todos sabe­mos que o dep­utado Sar­ney não é “bem visto” junto às Forças Armadas, sabe-​se até que figura no livro edi­tado pela bib­lioteca do exército como “per­sona non grata”. Como jus­ti­fica todo esse esforço para fazê-​lo governador?

O coro­nel Dil­er­mando responde: — Prefeito, o marechal Castelo Branco é um udenista fer­renho e homem de par­tido. Se o dep­utado Sar­ney é da UDN (União Democrática Nacional), tem todo o nosso apoio.

Para os que não con­hecem a história, o dep­utado Sar­ney ape­sar de ser da UDN era inte­grante da ala política chamada “Bossa Nova”, e até pos­suía sim­pa­tia pelo ex-​presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira e pelo vice-​presidente, que assumiu com a renún­cia de Jânio Quadros, João Goulart, que era do Par­tido Tra­bal­hista Brasileiro — PTB, por­tanto mal visto pelos mil­itares. Outro detalhe é que Sar­ney quase vira min­istro de Jango. Na ver­dade teria dormido min­istro e acor­dou sem sê-​lo, graças à inter­venção do senador Vitorino Freire, que ameaçou romper com o gov­erno fed­eral se a nomeação fosse concretizada.

Ader­son recorda que pouco antes do golpe mil­i­tar de 1964 o dep­utado Sar­ney teria escrito em “O Impar­cial” um artigo de apoio à Jango e con­tra os mil­itares. Ainda, segundo a “lenda” tal artigo, após o golpe, teria sido sub­sti­tuído por outro menos ácido.

Ader­son retro­cede um pouco no tempo para dizer que em 29 de março de 1964, sua família, ele, o pai e a mãe, chegaram ao Rio de Janeiro jus­ta­mente para o casa­mento da filha de Benu Lago com o filho de New­ton Belo.

A cidade que, ape­sar de não ser mais a cap­i­tal da República, era onde tudo acon­te­cia, já ante­via a efer­vescên­cia dos dias que iríamos viver no país.

Os cam­in­hões da Com­pan­hia de Lixo — Con­lurb, por ordem do gov­er­nador da Gua­n­abara, Car­los Lac­erda, inter­di­tava várias avenidas, sobre­tudo as que davam acesso ao palá­cio do gov­erno, onde Lac­erda havia mon­tado um bunker e prome­tia resi­s­tir.

Os dias seguintes estão far­ta­mente doc­u­men­ta­dos nos livros de história.

Ader­son narra que após o casa­mento o retorno, no começo de abril, foi uma ver­dadeira odis­seia, a empresa onde tin­ham as pas­sagens, a PANER do Brasil, sofreu inter­venção e seus aviões proibidos de deco­lar, reti­dos onde estivessem.

Con­seguiram um voo na Viação Aérea São Paulo — VASP, com voos sendo mar­ca­dos e des­mar­ca­dos diver­sas vezes.

Para este texto inter­essa que fiz­eram uma escala em Brasília, que na época ainda não pos­suía aero­porto, ape­nas a Base Aérea e todos os pas­sageiros tin­ham que descer lá, inde­pen­dente de seguirem ou não viagem na mesma aeron­ave.

Foi lá, naquele clima pós-​golpe, que encon­traram um ner­voso dep­utado Sar­ney, em man­gas de camisas. Este logo que viu a família Lago chamou Benu e, reser­vada­mente, con­fi­den­ciou que estava na lista dos que seriam cas­sa­dos pelo régime mil­i­tar e estava ali a cam­inho de Belo Hor­i­zonte para ten­tar, com Mag­a­l­hães Pinto, gov­er­nador de Minas Gerais e um dos líderes civis do golpe, escapar da cas­sação.

Pois é, como sabe­mos Mag­a­l­hães Pinto “salvou” Sarney.

Ader­son observa essa imensa capaci­dade “camaleônica” do ex-​presidente Sar­ney de, em ape­nas um ano deixar de ser um político “quase” cas­sado e “per­sona non grata” pelos mil­itares, para ser o seu can­didato ao gov­erno do Maran­hão, mobi­lizando o régime para apoiá-​lo.

A mudança foi tão ráp­ida que Neiva Mor­eira, impor­tante líder oposi­cionista, cas­sado pelos mil­itares e exi­lado, ao escr­ever uma carta apoiando Sar­ney jamais imag­i­naria que ele era o can­didato dos mil­itares, pen­sava ser ele, ainda, de oposição. Mas isso, tam­bém, é outra lenda.

Para Ader­son os mil­itares não ape­nas aju­daram Sar­ney pedindo votos e apoios para ele, “que­braram” a can­di­datura situa­cionista impondo um veto ao can­didato da prefer­ên­cia do eleitorado e do gov­er­nador, o então dep­utado Renato Archer.

Este fato provo­cou o rompi­mento do gov­er­nador New­ton Belo com Renato Archer e com Vitorino Freire, fazendo-​o lançar o ex-​prefeito de São Luís, Costa Rodrigues.

O dep­utado Renato Archer, não acred­i­tando no veto, com o apoio de Vitorino Freire, man­teve sua can­di­datura.

Essa divisão do grupo da situ­ação foi deter­mi­nante para a vitória do can­didato da oposição, dep­utado Sarney.

Mas os mil­itares foram além. Tudo que o ex-​presidente Sar­ney “vende” como seu mérito na real­iza­ção de obras estru­tu­rantes no estado no seu período de gov­erno, na ver­dade foi mérito dos mil­itares que man­daram as ver­bas e deixaram que tocasse as obras e noutros casos o gov­erno fed­eral que executou dire­ta­mente.

Foi assim com BR 135, foi assim com o Porto do Itaqui, foi assim com a Represa Boa Esper­ança.

Sobre o Porto do Itaqui Ader­son conta uma história muito inter­es­sante.

Diz que no iní­cio dos anos cinquenta quando uma empresa de um ital­iano chamada Con­stru­tora Curzi – que pos­suía larga exper­iên­cia na con­strução de grandes obras –, ten­tava con­struir o porto, mas enfrentava incon­táveis obstácu­los no seu intento, atribuí­dos, prin­ci­pal­mente, ao Tri­bunal de Justiça, que tinha o ex-​presidente Sar­ney como secretário-​geral. O sen­hor Curzi, após uma der­radeira der­rota naquela Corte, aos descer suas escadarias, teria pro­ferido a seguinte frase: “Se Al Capone fosse vivo e aqui estivesse diante deste rapaz de bigod­inho seria um mero aprendiz”.

A tarde não pas­sou enquanto con­ver­sava com Ader­son naquela véspera de feri­ado.

Os fatos nar­ra­dos neste texto com detal­hes que são descon­heci­dos de quase todos no Maran­hão, são ape­nas uma pequena parte do muito que con­ver­samos.

Insisti para que ele escreva um livro con­tando tudo que lem­bra e sabe da nossa história.

Abdon Mar­inho é advo­gado.