AbdonMarinho - TEMPO DE CAJU, TEMPO DE CAJUEIRO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

TEMPO DE CAJU, TEMPO DE CAJUEIRO.

TEMPO DE CAJU, TEMPO DE CAJUEIRO.

Por Abdon Marinho.

ALGUNS DIAS escrevi um texto inti­t­u­lado “A Cap­i­ta­nia do Maran­hão”. Nele mostrava que, desde sem­pre, os que pen­sam serem os “donos” do estado, têm um com­por­ta­mento para o público externo, onde posam de evoluí­dos, democ­ratas, defen­sores das liber­dades indi­vid­u­ais e dos dire­itos humanos, mas para o público interno, para aque­les que depen­dem dos seus gov­er­nos e de suas gestões, têm um com­por­ta­mento inverso.

Traçava a linha do tempo a par­tir do vitorin­ismo, que tinha em Vitorino Freire, segundo algu­mas pub­li­cações e os mais anti­gos, uma pes­soa de grande refino, mas que no Maran­hão tinha as práti­cas mais abom­ináveis; o sarneísmo com seu líder, o ex-​presidente Sar­ney, um int­elec­tual mem­bro da Acad­e­mia Brasileira de Letras, com obras pub­li­cadas por quase todo o mundo, que além das fron­teiras estad­u­ais, posa de o mais democ­rata dos homens, mas que teste­munhamos, tem sig­ni­fica­tiva respon­s­abil­i­dade no atraso em que vive­mos desde que chegou ao poder em 1965, dizendo-​se oposição ao régime de vio­lên­cia e opressão coman­dado por Vitorino Freire e, final­mente, o que se pre­tende o din­ismo, que gan­hou a eleição no “cansaço” ao sarneísmo, prom­e­tendo a rup­tura “defin­i­tiva” com o “antigo régime”, o com­pro­misso com a democ­ra­cia, o fim da opressão, a “procla­mação da república no Maran­hão”. Eleito, sai pelo Brasil “se vendendo” como o “novo” que der­ro­tou o último coro­nel do Nordeste brasileiro, o pal­adino da democ­ra­cia e todas as demais babo­seiras da autopromoção.

Ape­nas para ficar­mos nestes três exem­p­los, como dito, todos estes “líderes” fora das fron­teiras do estado pre­gavam e pregam uma coisa bem dis­tante da real­i­dade do nosso povo. Como se o próprio período de domínio ref­er­en­ci­ado com o próprio nome já não fosse prova sufi­ciente de atraso.

Algo bem assemel­hado ao dito pop­u­lar que ouvi­mos desde nos­sos avós: “por fora, bela viola; por den­tro, pão bolorento”.

O próprio Jesus, exem­plo maior de tol­erân­cia e inclusão, já ates­tava tal com­por­ta­mento e repreen­dia aos hipócritas que pro­fanavam o tem­plo, os que cul­ti­vavam o cos­tume de “um peso, duas medi­das” ou aquilo que mod­er­na­mente se chama de “duas caras”.

Quem não chegou a ler o texto ou nunca exper­i­men­tou na pele o sig­nifi­cado de um gov­erno opres­sor, pode ter uma vaga ideia do que isso seja assistindo aos vídeos ou lendo tex­tos da mídia inde­pen­dente sobre o trata­mento dis­pen­sado pelo gov­erno estad­ual a Comu­nidade do Cajueiro.

Ainda que se diga que o ato de demolição de diver­sas casas naquela comu­nidade deu-​se em cumpri­mento a uma decisão judi­cial legí­tima – por mais que ten­ham se exce­dido –, o ato de repressão a um protesto legí­timo real­izado pela tropa de choque da polí­cia estad­ual, coman­dada naquele ato pelo próprio secretário de segu­rança pública, altas horas da noite e sob as vis­tas do gov­er­nador do estado, foi algo do qual não temos lem­brança e de uma vio­lên­cia a causar revolta em todo e qual­quer cidadão de bem.

Alguém tem notí­cia da dis­per­são de uma man­i­fes­tação pací­fica, na madru­gada, com uso abu­sivo da força que não seja o poder estatal servindo aos ricos em detri­mento dos mais pobres?

A lem­brança mais pare­cida que tenho é a do Mas­sacre da Praça da Paz Celes­tial, de Pequim, ocor­rido em 1989, no século pas­sado, quando o gov­erno comu­nista da China reprimiu vio­len­ta­mente uma man­i­fes­tação pací­fica de jovens que pedia por democ­ra­cia.

É claro que é uma coin­cidên­cia o fato de ambas as repressões terem ocor­ri­dos sob gov­er­nos comu­nistas – sem con­tar que o fato ocor­rido na China foi infini­ta­mente mais grave –, ape­sar, de até hoje não ter­mos infor­mações seguras sobre a quan­ti­dade de víti­mas. Lá, naquela época, não tín­hamos uma imprensa livre acom­pan­hando o desen­ro­lar dos fatos. Aqui, infe­liz­mente, temos uma imprensa de tal sorte com­pro­metida com os des­man­dos, que só falta dizer que as víti­mas “bat­eram” na tropa de choque e lançaram as bom­bas de efeito moral sobre famílias, homens, mul­heres e cri­anças.

Espal­har men­ti­ras, desa­cred­i­tar pes­soas para jus­ti­ficar abu­sos per­pe­trado con­tra cidadãos na cal­ada da noite é uma vio­lên­cia adi­cional.

Segundo li, mesmo inte­grantes de enti­dades de defe­sas de dire­itos humanos e advo­ga­dos foram impe­di­dos de se aprox­i­mar dos man­i­fes­tantes pelos cordões de iso­la­mento enquanto ocor­ria a repressão injus­ti­fi­cada.

Não se pode protes­tar, mesmo que paci­fi­ca­mente, em frente o palá­cio do gov­erno, do gov­erno que prom­e­teu jus­ta­mente liber­dade? Tolhe-​se jus­ta­mente a liber­dade de protes­tar? Esta­mos na China na China? Esta­mos na Rússia?

Desde que cheguei à ilha de São Luís, em mea­dos dos anos oitenta, acom­panho a história de con­fli­tos na área do Cajueiro. Em 1998 o gov­erno estad­ual, influ­en­ci­ado pelos comu­nistas que inte­gravam o gov­erno Roseana Sar­ney e querendo fazer pros­elit­ismo político – ape­nas mais uma coin­cidên­cia –, anun­ciou com todas as pom­pas e cir­cun­stân­cias o fim do con­flito na região do Cajueiro e que estaria emitindo escrit­ura defin­i­tiva da área aos ocu­pantes.

Emb­ora tenha sido uma escrit­ura con­do­minial e com cláusula res­o­lu­tiva aque­les condômi­nos se tornaram pro­pri­etários daque­las ter­ras. Tanto assim que em 2014, no último dia útil do ano e do gov­erno, foi edi­tado um decreto para desapro­pri­ação da área – sem con­duto cumprir a obri­gação con­sti­tu­cional da prévia e justa ind­eniza­ção em din­heiro –. declarando-​a de util­i­dade pública em favor da WPR Gestão de Por­tos e Ter­mi­nais Ltda.

A situ­ação pare­ceu de tamanha gravi­dade que o gov­er­nador Flávio Dino, nos primeiros dias do seu mandato revo­gava o decreto nº. 30.610÷2014, tornando-​o sem efeito, con­forme infor­mou e explorou cansativa­mente na imprensa, nota da Sec­re­taria de Estado de Comu­ni­cação do dia 12 de janeiro de 2015.

A par­tir da revo­gação do decreto de desapro­pri­ação a área, ao meu sen­tir, retornou àque­les pro­pri­etários recon­heci­dos por escrit­ura do gov­erno estadual,

Descon­heço como, neste ínterim, a WPR Gestão de Por­tos e Ter­mi­nais Ltda, “virou” pro­pri­etária das ter­ras e como o gov­erno estad­ual, que no iní­cio mostrou-​se, suposta­mente, pre­ocu­pado com os con­fli­tos na área pas­sou a omitir-​se na solução da solução do mesmo. Pior, vindo com a falsa des­culpa que a ele, gov­erno, caberia tão somente o cumpri­mento das decisões judiciais.

Ora, qual­quer um no Maran­hão está cansado de saber o gov­erno estad­ual, desde que assum­ido pelos atu­ais donatários, se recusa ou reluta a não mais poder em cumprir ordens judi­ci­ais de rein­te­grações de posse. Soube até que denún­cias con­tra esse com­por­ta­mento já foram feitas diver­sas vezes em vários organ­is­mos.

Eu próprio, con­forme con­tei noutra opor­tu­nidade, falei, certa vez, com um mag­istrado pedindo-​lhe que deter­mi­nasse uma rein­te­gração posse cristalina e den­tro de todos os parâmet­ros legais e ele com muita sin­ceri­dade me disse: — doutor, eu recon­heço que o sen­hor tem razão. Mas não vou deter­mi­nar a rein­te­gração porque o gov­erno estad­ual não as estão cumprindo e eu não vou emi­tir uma ordem para ficar no vazio.

No caso do Cajueiro alega jus­ta­mente o oposto. Mas, sin­ce­ra­mente gostaria de saber, como pro­pri­etários, recon­heci­dos pelo estado, desde 1998, vinte anos depois, viraram inva­sores.

Até o dia 30 de dezem­bro de 2014 eram os legí­ti­mos pro­pri­etários, inclu­sive, com escrit­ura, e depois viraram inva­sores com a Justiça e o gov­erno estad­ual dando guar­ida aos inter­esses da empresa, que suposta­mente teria adquirido a área em transação neb­u­losa, de pes­soas que não eram os legí­ti­mos pro­pri­etários recon­heci­dos pelo Estado do Maran­hão, que lhes con­cedeu a escrit­ura defin­i­tiva da área.

O gov­erno desapro­priou a área? Ind­eni­zou os pro­pri­etários? Os pro­pri­etários venderam a área a empresa? Não! Nada disso, mas para o gov­erno quem tem razão é a empresa.

Em novem­bro de 2018, a con­vite de um colega advo­gado que defende o dire­ito de pro­priedade de um cidadão que adquiriu uma gleba de ter­ras ainda nos anos oitenta e que figura na escrit­ura do con­domínio, fui a comu­nidade do Cajueiro. Uma equipe de tele­visão estava a cam­inho jus­ta­mente para falar com este cidadão que a despeito de ser pro­pri­etário da terra teve a mesma “esbul­hada” pela empresa que destruiu a humilde casa e todas as árvores da mesma.

Esse episó­dio de 2018 con­trasta com a infor­mação dis­sem­i­nada pelo gov­erno de que as pes­soas que estão sendo desa­lo­jadas são inva­sores que chegaram a área a par­tir de 2016.

Quando cheguei no acesso à comu­nidade a primeira coisa que me sur­preen­deu foi que o dire­ito de “ir e vir” da pop­u­lação estava sendo restringido pela empresa que mon­tou can­ce­las impedindo a livre cir­cu­lação de pes­soas. Achei vex­atório e ver­gonhoso.

A segunda impressão foi da beleza do lugar, da vista para mar, do arvoredo into­cado na área não des­matada, com diver­sas fruteiras.

Na con­versa com aque­les moradores – e com a imprensa que me entre­vis­tou –, o que disse que não have­ria como bar­rar a con­strução de Porto, sobre­tudo, quando o mesmo é de inter­esse do estado, entre­tanto, o que não se podia con­sen­tir era que aque­las pes­soas, muitas delas morando na área há quase cem anos, pro­pri­etários do imóveis, fos­sem expul­sos sem uma justa e prévia ind­eniza­ção, diante de um pro­jeto tão grande.

O gov­erno estad­ual deve expli­cações à sociedade sobre o que vem ocor­rendo na comu­nidade do Cajueiro, não sendo aceitável que de forma desumana, com ind­eniza­ções pífias ou com “uma mão na frente e outra atrás” os coloque em uma diás­pora.

Os abu­sos cometi­dos pre­cisam ser denun­ci­a­dos nos fóruns nacionais e inter­na­cionais.

Por onde passo vejo os pés de cajueiros car­rega­dos de cajus. É tempo de caju, é tempo de Cajueiro.

Abdon Mar­inho é advo­gado.