AbdonMarinho - CRIMES, VAZAMENTOS E POLÍTICA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

CRIMES, VAZA­MEN­TOS E POLÍTICA.

CRIMES, VAZA­MEN­TOS E POLÍTICA.

Por Abdon Marinho.

DIZIA o saudoso Wal­ter Rodrigues que todo bom jor­nal­ista ao ati­rar uma pedra em alguém sem­pre pos­suía out­ras duas guardadas para qual­quer even­tu­al­i­dade. Wal­ter era um bom jor­nal­ista – e os tem­pos eram out­ros.

Por estes dias a pauta nacional foi tomada pela rev­e­lação de vaza­men­tos de supostas con­ver­sas do ex-​juiz e atual min­istro Sér­gio Moro com inte­grantes do Min­istério Público Fed­eral que atu­aram (e atuam) na Oper­ação Lava Jato feitos pelo site “The Inter­cept”, do amer­i­cano, Glenn Green­wald, que apresenta-​se como escritor, advo­gado e … jor­nal­ista.

Não sei se ele é um bom jor­nal­ista, até porque, nesta incursão, em que tomamos con­hec­i­mento de sua existên­cia, deixou de obser­var um dos pre­ceitos mais ele­mentares da boa imprensa: ouvir pre­vi­a­mente os impli­ca­dos nas matérias que divul­gou, ainda mais quando os supos­tos vaza­men­tos dizem respeito a temas tão sensíveis.

A des­culpa de que não pro­cedeu assim com receio que fosse impe­dido de divul­gar o con­teúdo hack­eado de forma clan­des­tina é quase tão furada quanto a importân­cia que se ten­tou atribuir as conversas.

Ape­sar disso, con­vém aguardar que out­ras “pedras” – se é que as tem guardadas –, a qual­i­dade das mes­mas ou se ape­nas está à serviço do grupo político pelo qual tem sim­pa­tia e demon­stra inco­mum afinidade. Ou, ainda, se ele e esse grupo politico tem ou teve qual­quer par­tic­i­pação no crime.

Pois bem, rev­e­lações expostas, a “nova imprensa”, for­mada pelas mídias dig­i­tais quase veio abaixo.

Os inimi­gos do ex-​juiz Moro e dos procu­radores e mesmo dos del­e­ga­dos que atu­aram nesta oper­ação de com­bate à cor­rupção, fes­te­jaram o fato como a um gol feito pela seleção na final da copa do mundo.

Como vive­mos em um país que se recusa ter­mi­nan­te­mente a descer do palanque, cada um tra­tou de enx­er­gar nos vaza­men­tos aquilo que mel­hor sat­is­faz os seus inter­esses pes­soais, de agora, do pas­sado e do futuro.

Os mais apres­sa­dos (ou inter­es­sa­dos) trataram de pedir a cabeça do ex-​juiz e de procu­radores, pedir a anu­lação de todos os proces­sos da Oper­ação Lava Jato e até cadeia para aque­les que fora, apan­hados nos vazamentos.

Cos­tumo dizer que o Juízo Final ocor­rerá com a divul­gação de todo o con­teúdo do que con­ver­samos pelo What­sApp (e out­ras mídias soci­ais), quando todas estas con­ver­sas forem pub­li­cadas poucos serão os que escaparão.

E que atire a primeira pedra aquele que numa con­versa pri­vada nunca disse algo incon­ve­niente.

Não quero, com isso, dizer que crimes ou fal­tas éti­cas devam ser rel­e­vadas, não me com­pro­meto ou apoio “malfeitos” de ninguém. Não tenho com­pro­misso com o que está errado.

Entre­tanto, o que se viu até agora, a exceção das mon­ta­gens fakes, ao meu sen­tir, não trans­bor­dou da nor­mal­i­dade.

Endos­sando o que já foi dito por diver­sas pes­soas, o único crime iden­ti­fi­cado, até o momento, foi o de “hack­earem” e divul­garem as con­ver­sas das autoridades.

— Mas, Abdon o juiz “con­ver­sou” com os procu­radores, isso não pode, isso é um absurdo, isso é ile­gal, isso é imoral, isso engorda.

Como disse, nos diál­o­gos que vi e não iden­ti­fiquei os “crimes” que querem imputar ao juiz e aos procu­radores com a final­i­dade de prendê-​los, degreda-​los ou os lin­charem moral­mente.

Cor­rob­ora com este sen­ti­mento o fato de ter assis­tido, há dois ou três anos (não lem­bro com pré­cisão), a uma reportagem espe­cial do pro­grama Fan­tás­tico da Rede Globo sobre a Oper­ação Lava Jato.

Naquela reportagem, quando a oper­ação ainda estava bem no começo, vimos em uma sala do gabi­nete do então juiz Sér­gio Moro, colo­cadas sobre prateleiras, as infor­mações sobre as diver­sas oper­ações rela­cionadas aos tra­bal­hos da força tarefa. Eram infor­mações sobre as eta­pas pretéri­tas, pre­sentes, e as que ainda seriam real­izadas.

Um dado inter­es­sante é que a repórter fez o reg­istro que out­ras oper­ações ou fases da Oper­ação Lava Jato que iriam acon­te­cer.

Emb­ora, em princí­pio, tenha estran­hado, entendi que a Décima Ter­ceira Vara Crim­i­nal da Justiça Fed­eral de Curitiba, ded­i­cada à Oper­ação, estava tra­bal­hando em sin­to­nia com procu­radores e del­e­ga­dos. O juiz estava atuando como “dire­tor” do processo.

E, registre-​se que só foi pos­sível obter o êxito tão fes­te­jado por todos os brasileiros – já cansa­dos de tanta roubal­heira –, graças a esta per­feita inte­gração entre os diver­sos atores do processo. Foi graças ao tra­balho con­junto de procu­radores e del­e­ga­dos em sin­to­nia com os juizes que atu­aram no caso que se con­seguiu colo­car atrás das grades os maiores quadrilheiros que se tem notí­cia na história da humanidade homizia­dos no Brasil.

Essa inter­ação era fato público – e se tornou mais público a par­tir da reportagem –, e não lem­bro de ter ouvido protestos ou bra­dos de indig­nação pelo que estava ocorrendo.

Daí causar-​me espanto essa “his­te­ria” sus­ci­tada pela infor­mação de que o juiz con­ver­sou com o procu­rador, com o del­e­gado, deu essa ou aquela opinião, sobre este ou aquele momento para as fases da oper­ação con­siderando alguma logís­tica.

A menos que sur­jam ele­men­tos novos capazes de car­ac­teri­zar algum crime, o que está posto, até aqui, eram fatos públi­cos. Deu no Fantástico!

Como disse ante­ri­or­mente, o que de mais grave até agora não é o que foi rev­e­lado do con­teúdo das con­ver­sas, é o fato de ter­mos uma quadrilha alta­mente espe­cial­izada com­posta por “hack­ers” bis­bil­hotando as con­ver­sas das autori­dades na ten­ta­tiva de deses­ta­bi­lizar as insti­tu­ições nacionais, desmor­alizar o Poder Judi­ciário e impedir o com­bate à cor­rupção endêmica no país.

A Polí­cia Fed­eral pre­cisa dedicar-​se com espe­cial atenção para desmon­tar tal quadrilha e desco­brir quem está por trás destes crimes.

O com­bate à cor­rupção é uma con­quista da sociedade brasileira e uma emergên­cia nacional. Não podemos per­mi­tir que esse com­bate seja sab­o­tado pelos arautos do “quanto pior melhor”.

As insti­tu­ições – que são bem maiores que seus mem­bros –, exis­tem para asse­gu­rar que os avanços alcança­dos até agora não sofram, qual­quer retro­cesso.

Os recur­sos desvi­a­dos do suor dos tra­bal­hadores pre­cisam retornar aos cofres públi­cos e os respon­sáveis punidos. Este é norte principal.

Não se está dizendo com isso que os fins jus­ti­fi­cam os meios, nada disso. Se alguém come­ter qual­quer erro ou crime nas suas atribuições deve ser punido. O que não podemos admi­tir é que no calor dos aço­da­men­tos políti­cos ten­tem por abaixo tudo que foi real­izado no país em matéria de com­bate à cor­rupção nos últi­mos anos.

O Brasil parece que foi tomado por uma horda de alo­pra­dos que não con­seguem enx­er­gar além dos próprios inter­esses. Nada ilus­tra mais esse quadro que toda a movi­men­tação que se tem feito para soltar o ex-​presidente Lula con­de­nado em três instân­cias da Justiça brasileira. Chegou-​me ao ponto de se con­ceder um “saidão” ben­e­fi­ciando quase 180 mil crim­i­nosos em segunda instân­cia. Agora, com a con­de­nação con­fir­mada pelo Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ, tenta-​se anu­lar toda a Oper­ação Lava Jato, soltando cen­te­nas de con­de­na­dos em diver­sas instân­cias, devolvendo-​lhes os bil­hões que roubaram do povo brasileiro.

O povo brasileiro, espo­li­ado em todos seus dire­itos não pode com­prar ou aceitar a nar­ra­tiva daque­les que são os respon­sáveis pelo infortúnio da nação, tudo porque gri­tam mais alto e fazem mel­hor uso da mídia.

Um dos mais claros exem­p­los de inver­são na ordem das coisas é o que acon­tece no Maran­hão. O gov­er­nador do estado tão logo noticiou-​se o vaza­mento dos supos­tos diál­o­gos, sem um exame mais cri­te­rioso, já cor­reu para o sua trincheira favorita, as redes soci­ais, para, como Salomé, pedir a cabeça do ex-​juiz Moro e a anu­lação de tudo, até das últi­mas eleições.

Ora, no Maran­hão, o que se noti­cia, diari­a­mente, são coisas bem mais graves: a existên­cia de um Estado poli­cial, com as autori­dades inves­ti­gando, espi­o­nando e bis­bil­hotando, com final­i­dade polit­ica, todos os adver­sários e mes­mos os demais cidadãos, como desem­bar­gadores – e seus famil­iares –, juizes, pro­mo­tores, jor­nal­is­tas, etc.

Além de tão grave denún­cia, outra que não sai “da boca do povo” é a suposta existên­cia de uma “máquina” custeada com recur­sos públi­cos com o propósito de destruir rep­utações alheias. Qual­quer um que ouse se man­i­fes­tar ou mesmo criticar o gov­erno vira alvo da canal­hice dos adu­ladores e sabu­jos, regia­mente pagos com este propósito.

Sobre estas graves acusações, sua excelên­cia nada diz.

Mas é com­preen­sível que volte suas artil­harias con­tra o gov­erno Bol­sonaro, quer enfraque­cer o gov­erno e o próprio min­istro Moro, que enx­erga como o mais proem­i­nente adver­sário futu­ra­mente. Isso sem con­tar com o justo receio que os fatos denun­ci­a­dos con­tra seu próprio gov­erno ganhe a atenção das autori­dades federais.

Mas, talvez, essa pressa em acusar o ex-​juiz Moro, os procu­radores da Oper­ação Lava Jato, decorra, como ato falho, daquilo que já ensi­nava meu pai, com a sua sabedo­ria de anal­fa­beto: “meu filho, quem disso usa, disso cuida”. Que­ria dizer: nada mais nor­mal que enx­er­gar nos out­ros os próprios defeitos.

Abdon Mar­inho é advogado.