AbdonMarinho - SOBRE FILTROS, SENTINAS E A EXPLORAÇÃO DA MISÉRIA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

SOBRE FIL­TROS, SENTI­NAS E A EXPLO­RAÇÃO DA MISÉRIA.

SOBRE FIL­TROS, SENTI­NAS E A EXPLO­RAÇÃO DA MIS­ÉRIA.

Por Abdon Marinho.

A IMAGEM do prefeito de Paço do Lumiar, sen­hor Domin­gos (PCdoB), com parte de seu sec­re­tari­ado fazendo a entrega de um fil­tro de barro numa comu­nidade do municí­pio gan­hou o mundo (pelo menos o dig­i­tal), este fim de sem­ana.

A fotografia, difun­dida ini­cial­mente pelo próprio prefeito – e por seus ali­a­dos –, foi, pos­te­ri­or­mente, explo­rada pelos seus adver­sários como exem­plo cristal­izado do atraso a que se encon­tra sub­metido o municí­pio de Paço do Lumiar, na região met­ro­pol­i­tana.

Por fim, o próprio prefeito “esclare­ceu” a história da fotografia entre­gando o fil­tro. Segundo ele, não se tra­tou uni­ca­mente da entrega de um fil­tro de barro, mas tam­bém, de uma “cas­inha” com louça san­itária e pia para aque­les que nada têm.

Pronto, tudo esclarecido!

O retrato do prefeito entre­gando um fil­tro de barro junto com a expli­cação de que não se tratava ape­nas de um fil­tro mas, tam­bém, de um con­junto com uma “sentina” é o ver­dadeiro retrato do Maran­hão neste, já avançado, século vinte um. E não é uma imagem glo­riosa como son­hada e prometida, mas sim, da ver­gonha e do atraso.

Acred­ito que o gov­er­nador do estado, sen­hor Flávio Dino, do mesmo par­tido do prefeito, vá chamá-​lo para uma sessão de admoes­tação, não por ter exibido nos­sas ver­gonhas para todo mundo, mas sim, por ter se ante­ci­pado a ele, o gov­er­nador, no pro­ceder, pois já tinha anun­ci­ado, nas suas redes soci­ais, que faria a entrega de algu­mas cen­te­nas de “cas­in­has” ao longo deste ano que prin­cipia.

Como o prefeito ousou “queimar” a largada de tanto “progresso”?

Peço des­cul­pas aos leitores pelo tom irônico das colo­cações, mas não con­sigo me con­ter diante de tais fatos, a menos que sub­sti­tuísse a iro­nia pela cólera.

Esta­mos em pleno século vinte um, bem avançado, até, e vejo um gov­er­nador de Estado anun­ciar que vai mel­ho­rar a situ­ação san­itária do Maran­hão com a entrega de mil­hares de senti­nas e, depois, vejo um prefeito da região met­ro­pol­i­tana “queimando” a largada e já fazendo a entrega de alguns “sinais” de tal pro­gresso. Isso na região met­ro­pol­i­tana, quando se esper­ava, água encanada, esgoto e ban­heiros den­tro das residên­cias.

Aqui não estou recla­mando que façam essa entrega, pelo con­trário. Faz pouco tempo que um pro­grama da Rede Globo, o Globo Rural, em edição espe­cial sobre as que­bradeiras de coco do estado, exibiu as pés­si­mas condições san­itárias do nosso povo, com as pes­soas tomando banho em ban­heiros de meia-​parede de palha e fazendo as demais “neces­si­dades” no mato, como bem disse uma enver­gonhada cidadã para a repórter que a entre­vis­tara. Senti­nas, por­tanto, são mais que necessárias.

O que me causa hor­ror é que autori­dades não sin­tam qual­quer con­strang­i­mento em explo­rar e fazer pros­elit­ismo político com este tipo de situ­ação, com essa mis­éria que ainda agride nos­sos irmãos.

Falta pudor as autori­dades, falta-​lhes noção de civil­i­dade e respeito à mis­éria alheia. Lem­bro do tempo em que as pes­soas tin­ham ver­gonha de con­vi­dar alguém às suas casas pelo fato das mes­mas, emb­ora asseadas, não pos­suírem um ban­heiro. Hoje a autori­dade “invade” os quin­tais para mostrar a “sentina” que deu a família.

Tratar-​se de um total desre­speito – e isso não vem de hoje.

Lem­bro que ainda no gov­erno ante­rior, durante uma crise de abastec­i­mento de água na cap­i­tal, o secretário de saúde, tam­bém respon­sável pela admin­is­tração da empresa dis­tribuidora do líquido pre­cioso anun­ciou com pompa e cir­cun­stân­cia que iria resolver o prob­lema: per­furaria alguns poços arte­sianos para aten­der uma parte da pop­u­lação e a outra parte seria abaste­cida com carros-​pipas.

Uma solução extraordinária.

O pior foi ver, alguns dias depois, o secretário “pas­sando os carros-​pipas em revista”.

Isso mesmo, os veícu­los enfileira­dos e o secretário, com seu porte avan­ta­jado, passando-​os em revista, como fazem os ofi­ci­ais mil­itares com seus comandados.

A cena, fes­te­jada e can­tada por muitos, sobre­tudo, pela mídia “amil­hada”, ao meu sen­tir, até aquele momento, me pare­ceu patética e ridícula, tanto que escrevi sobre.

Então a solução para o abastec­i­mento de água era distribuí-​la em carros-​pipas, talvez colo­car os mes­mos em pon­tos estratégi­cos para que as pes­soas fos­sem bus­car o líquido como mod­er­nas latas, baldes ou bacias?

Não socor­ria a autori­dade a neces­si­dade de mel­ho­rar o sis­tema de cap­tação, inclu­sive com a recu­per­ação dos rios, e fazer a água chegar nas torneiras dos cidadãos, tratada e com qual­i­dade, como é feito no mundo civ­i­lizado? Talvez impedir a ocu­pação des­or­de­nada nas mar­gens dos rios da ilha e recu­perar o Sis­tema Butantã?

O tempo pas­sou, um novo gov­erno se instalou e aquilo que à época já me pare­cia ridículo, patético e uma explo­ração da mis­éria dos cidadãos, ao invés de deixar de exi­s­tir, parece-​me, que fez foi aumen­tar ou alguém con­segue imag­i­nar algo mais “extrav­a­gante” que o anún­cio, pelo próprio gov­er­nador, autori­dade máx­ima do estado, registre-​se, que vai dis­tribuir cen­te­nas, talvez, mil­hares, de “senti­nas”?

Pois é, o gov­er­nador não só anun­ciou como fez questão de mostrar a fotografia da “cas­inha” na sua rede social.

Emb­ora a inau­gu­ração de “senti­nas” seja a primeira vez que veja – e olhe que no caso do gov­er­nador, ele “inau­gurou a intenção”, com dire­ito a foto e tudo mais –, o atual gov­erno estad­ual tem sido “useiro e vezeiro” nes­tas práticas.

Há um tempo, acho que na quadra final de 2017, assisti estar­recido, o gov­er­nador suando “em bicas” inau­gu­rando um poço arte­siano no Municí­pio de Santo Amaro, um dos mais pobres do estado. Até reg­istrei nas min­has redes soci­ais.

Claro que não reclamei da inau­gu­ração de poço, assim como não reclamei da “inau­gu­ração da intenção de se entre­gar senti­nas”, o que causa-​me espé­cie é ver­i­ficar que as autori­dades não sen­tem nen­huma ver­gonha e até fes­te­jam diante de tamanha miséria.

Lá estava o gov­er­nador tomando um “banho” ao abrir a chave e fazer jor­rar a água que tanto servirá aquela comu­nidade.

A minha curiosi­dade é saber se o gov­er­nador, a exem­plo do prefeito de Paço do Lumiar, vai fazer, pes­soal­mente, a entrega das “senti­nas” que anun­ciou.

A título de sug­estão, pode fazer a inau­gu­ração lit­eral do san­itário e puxar a cordinha da descarga para o “clique” e deleite dos xerim­ba­bos. Será o ápice em matéria de realização.

Mais uma vez peço des­cul­pas pelo tom irônico mas não con­sigo me con­ter diante de tanta mesquin­haria, com prefeitos e até o gov­er­nador se ocu­pando da inau­gu­ração de poço arte­siano aqui, uma sentina ali é por aí vai.

Mesmo o pro­jeto “Escola Digna” que apre­sen­tam como a jóia da redenção do Maran­hão, está muito longe disso, é ape­nas a sub­sti­tu­ição das “taperas” por “escol­in­has” com um pouco mais de estru­tura, mas que não resolverá o grave prob­lema edu­ca­cional no estado, esta­mos com sécu­los de atraso.

Qua­tro anos depois da posse era para ver­mos inau­gu­ração de empreendi­men­tos que trouxessem riquezas e empre­gos para o nosso povo; esco­las grandes com edu­cação de qual­i­dade; obras estru­tu­rantes que aju­dassem a desen­volver o estado, etc.

Tanto tempo depois e com tris­teza, vejo pes­soas chorarem de emoção ao par­tic­i­par da inau­gu­ração de uma escol­inha, de um poço arte­siano ou mesmo de “kit san­itário”.

As pes­soas acred­i­tam que aque­les bene­fí­cios as lib­er­tarão da sede, da falta de edu­cação e mesmo da mis­éria.

Só que quem “arma o circo” sabe que não é nada disso, trata-​se ape­nas da manutenção dos “cativos” numa situ­ação de mel­hor con­forto para poder man­ter a explo­ração sec­u­lar.

— Ah, foi prefeito fulano que trouxe essa sentina; — Ah, foi o gov­er­nador bel­trano que “trouxe” esse poço e essa escola.

Já se pas­saram qua­tro anos desde a rup­tura do “antigo régime” e grande mudança é a mão que segura o chicote.

Por vezes, sinto que parece exi­s­tir a intenção delib­er­ada de man­ter o Maran­hão encravado no atraso.

Vejam, temos um dos mel­hores por­tos do mundo, temos um Cen­tro de Lança­mento, temos, ainda, um grande poten­cial hídrico, riquezas min­erais diver­sas, um solo quase todo agricultável, mas, ape­sar de tudo isso, con­tin­u­amos “pati­nando” nas últi­mas colo­cações nos rank­ings inter­na­cionais de desen­volvi­mento econômico, social, humano, edu­ca­cional e tudo mais.

Não pode ser só incom­petên­cia geren­cial, só pode ser de propósito. Aos gov­er­nantes deve “sobrar” alguma “van­tagem” em man­ter nosso povo tão mis­erável a ponto de aplaudir e agrade­cer pela inau­gu­ração de um poço, de uma escol­inha e, até mesmo, de uma sentina.

Por estes dias, na sua cruzada obses­siva para insere-​se no cenário político nacional e “vender-​se” como alter­na­tiva de can­di­datura das forças de esquerda, o gov­er­nador, “cavou” uma entre­vista à Globo News, onde recon­heceu que a mis­éria aumen­tou no estado – na ver­dade não teve como con­tornar os números –, mas, como se tornou praxe, a culpa é sem­pre dos out­ros, agora foi a vez da con­jun­tura econômica des­fa­vorável.

A ninguém socor­reu a ideia de per­gun­tar se não seria, tam­bém, falta de habil­i­dade e ideias para fazer avançar eco­nomi­ca­mente um estado com tan­tas poten­cial­i­dades. Como os jor­nal­is­tas, pare­cem igno­rantes quanto às poten­cial­i­dades do Maran­hão – só con­hecem os pés­si­mos indi­cadores –, deixaram o gov­er­nador vender como ver­dade seus próprios mitos.

O pior é que você olha para o hor­i­zonte e não enx­erga qual­quer pos­si­bil­i­dade de mudança. Isso, sim, é ver­dadeira­mente triste.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

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