AbdonMarinho - UM PAÍS QUE NÃO DESCE DO PALANQUE.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

UM PAÍS QUE NÃO DESCE DO PALANQUE.

UM PAÍS QUE NÃO DESCE DO PALANQUE.

Por Abdon Marinho.

UM AMIGO mandou-​me uma análise sobre o quadro político atual com uma recomen­dação: “Pra meu amigo que res­pira política… no bom sen­tido da palavra”. Exagero dele. Emb­ora entenda que somos seres políti­cos, sendo o des­tino daque­les que odeiam a política, serem gov­er­na­dos pelos políti­cos – geral­mente os maus.

Ape­sar de “res­pi­rar política”, como bem exagerou esse amigo, no inter­valo entre o natal e ano novo encerrei-​me longe do assunto, prati­ca­mente sem inter­net, pouco liguei a tele­visão, quando o fazia era para ver algum pro­grama longe dos noti­ciosos. Voltei-​me à boa música de Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, Tchaikovsky, Schu­bert, Mendelssohn, e ainda, enveredando pela música pop dos anos 60, 70 e 80. Fazia um bom tempo que ansi­ava por desligar-​me dos noti­ciários, das fofo­cas, da política e imer­gir na boa música como fazíamos no pas­sado não tão dis­tante.

Só no primeiro dia útil do novo ano voltei a deter-​me nas coisas do cotid­i­ano.

Já no segundo dia do ano (e o pas­sar dos dias só con­fir­mou), uma impressão se for­mou na minha mente: descendo da Marte da imer­são musi­cal, pen­sei, naquele dia, que a eleição para os novos gov­er­nos seria no dia seguinte e não que as posses dos eleitos ocor­reram no dia ante­rior (1º).

Toma­dos pelas mais dis­tin­tas paixões (nem todas sãs), a classe política nacional e tam­bém os cidadãos comuns se “recusam a descer dos seus palan­ques” ou, mel­hor dizendo, “des­ocu­par suas trincheiras de guerra”. O debate travado com um gov­erno eleito e recém empos­sado é o mesmo das vésperas das eleições. É como se não tivésse­mos tido eleições ou, pior, como se o resul­tado ori­undo das urnas não fosse legítimo.

Não se está dizendo aqui – ou mesmo insin­uando –, nem de longe isso, que não se deva ter oposição, pelo con­trário, nada é mais saudável para democ­ra­cia que uma oposição atu­ante, con­sis­tente e vig­i­lante. Mas o que assis­ti­mos até aqui, pelo menos, é que não se trata de “oposição”, mas, sim, de uma guerra eleitoral que ignora até mesmo os inter­esses da nação para fusti­gar o gov­erno eleito e empos­sado, prin­ci­pal­mente, no plano fed­eral, onde essa “guerra” eleitoral se tornou mais presente.

Ainda que não tivesse acabado de descer de Marte, não me recordo de ter assis­tido a uma situ­ação semel­hante nestes trinta e qua­tro anos de rede­moc­ra­ti­za­ção do Brasil que comem­o­raremos em 15 de março, quando o poder foi trans­mi­tido aos civis.

Nem mesmo o ex-​presidente Sar­ney, que assumiu a presidên­cia da República na condição de vice após o trágico pas­sa­mento de Tan­credo Neves, enfren­tou esse clima de cam­panha per­ma­nente que assis­ti­mos agora. Um ou outro ques­tio­nou sua posse, insi­s­ti­ram noutra solução – mas, ape­nas uma da parte dos políti­cos.

Os demais pres­i­dentes, mesmo aque­les eleitos após acir­radas e apaixon­adas dis­putas tiveram alguma “folga” para diz­erem a que vieram.

Fazia parte da “tradição” con­ceder aos eleitos – talvez até por respeito à democ­ra­cia –, cerca de cem dias de trégua. Essa trégua ocor­reu até com o ex-​presidente Col­lor de Mello que, como primeiro ato de gov­erno, “con­fis­cou” as par­cas econo­mias dos cidadãos. Naquele momento, mesmo os protestos dos inte­grantes do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, foram pon­tu­ais e de “políti­cos”.

Assim, o que assis­ti­mos no momento é algo – onde a vista alcança na história da jovem democ­ra­cia brasileira –, abso­lu­ta­mente inédito. Pelo que li, no dia seguinte à posse, o atual pres­i­dente e seus aux­il­iares, não chegaram a ter um segundo, sequer, da tão famosa e tradi­cional “trégua” da democ­ra­cia.

Aliás, prova maior de desapreço à democ­ra­cia foi exter­nada antes da posse: a comu­ni­cação pública dos mem­bros do par­tido der­ro­tado – e seus ali­a­dos –, de que não com­pare­ce­riam à posse dos eleitos – o que acabaram fazendo.

Esse com­por­ta­mento ilus­tra bem o “tom” que darão e que já vêm fazendo em relação ao novo gov­erno.

Como dizia, segundo li, as críti­cas e embates começaram mesmo durante a posse e tiveram con­tinuidade nos dias seguintes como uma espé­cie de “pror­ro­gação da eleição”.

Tudo tem sido motivo para “espinafrar” o novo gov­erno.

A crítica não per­doou nem a primeira-​dama, que paga pelo “pecado” de ser evangélica, de por ter feito um dis­curso em “libras” e, prin­ci­pal­mente, por ser esposa do pres­i­dente. Mas ela, se com­parada à min­is­tra Damares Alves, Min­istério da Mul­her, Família e Dire­itos Humanos, é uma felizarda, pois esta última tem sofrido mais que “sovaco de alei­jado”, nas mãos da patrulha política e da mídia.

Tudo que diz, mesmo em momen­tos de recon­hecida infor­mal­i­dade, tem sido ampli­fi­cado para desmerecê-​la – e ao próprio gov­erno.

Primeiro foi a história do azul e do rosa, quando disse que dora­vante, na nova ordem “meni­nos vestem azul e meni­nas vestem rosa”. Mais de uma sem­ana depois e quan­tas árvores não pere­ce­ram para incen­ti­var essa dis­cussão tola e sem qual­quer sen­tido prático. Qual­quer um, com mais de dois neurônios, perce­be­ria que a colo­cação foi explo­rada fora do con­texto, durante uma comem­o­ração pela investidura no cargo.

Em dias de lit­er­al­i­dade, “enten­deram” que essa colo­cação era a coisa mais impor­tante para o país. Até uma matéria espe­cial de entre­vista da min­is­tra no jor­nal da Globo foi mon­tada para “emparedar” a min­is­tra por conta do que disssera.

Uma segunda polêmica a gan­har destaque foi a opinião da min­is­tra sobre o fato de estu­dantes, ainda bem jovens, serem afas­ta­dos de suas famílias para irem estu­dar noutros esta­dos. O Jor­nal Nacional chegou a dis­pen­sar quase cinco min­u­tos para abor­dando o tema que nada tem a ver com a pasta da min­is­tra sendo que a opinião da mesma sobre o tema foi ape­nas isso: uma opinião de cunho pes­soal, tão vál­ida quanto a minha neste que­sito.

O que tem de rel­e­vante a opinião da min­is­tra sobre a cor das roupas das cri­anças ou sobre onde jovens ado­les­centes vão estu­dar ou mesmo sobre teo­rias bíbli­cas? Nada.

O que me causa pre­ocu­pação é a opinião do min­istro Guedes sobre o que farão com a econo­mia do país ou como solu­cionarão o déficit bil­ionário nas con­tas da pre­v­idên­cia.

Isso sim, envolve todo inter­esse nacional.

Mas tudo é motivo e tema para se ten­tar chamar o debate das próx­i­mas eleições, em 2022, para este iní­cio de gov­erno, quando quase nen­huma ação foi efe­ti­va­mente colo­cada em prática ou exe­cu­tada. Bem difer­ente do que ocor­reu em março de 1990.

Como o país pode avançar em alguma coisa se nem um gov­erno ini­cia e já se coloca outra cam­panha na pauta da nação?

O clima de cam­panha “fora de hora” teve lugar até na (re)posse do gov­er­nador do Maran­hão onde as notí­cias deram conta de gri­tos e palavras de ordem con­tra o pres­i­dente que era empos­sado na cap­i­tal fed­eral.

A franca hos­til­i­dade da mil­itân­cia comu­nista até chegou a con­trastar com o falso aceno de boa von­tade do gov­er­nador maran­hense que chegou a “ofer­tar” parce­ria para con­clusão das obras das creches no estado par­al­isadas desde o gov­erno da ex-​presidente Dilma Rouss­eff e do ex-​presidente Michel Temer.

Como ficou patente que o inter­esse do gov­er­nador, mais do que acol­her cri­anças, é se inserir no debate político nacional, ou seja, apare­cer, ninguém lhe deu bola.

A ideia, se fosse para “valer”, seria inter­es­sante.

O gov­erno estad­ual pode­ria, inclu­sive, usar a verba total disponi­bi­lizada no orça­mento para vender o pouco ou nada que fez ou fará, ou sim­ples­mente fazer pro­pa­ganda de geladeira no Polo Norte.

São 60 mil­hões – prati­ca­mente metade do orça­mento da União para o mesmo fim –, que o estado pode­ria mel­hor investir.

Acred­ito que, uma pela outra, cada crèche pre­cise de 500 mil para con­clusão, só com a verba da pro­pa­ganda daria para con­cluir 120 creches.

O gov­erno estad­ual não pre­cisa esperar o sinal verde do gov­erno fed­eral para isso, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição Fed­eral, pode repas­sar a verba dire­ta­mente aos municí­pios para que eles deem como con­tra­partida nos atu­ais con­tratos.

Não creio que faça isso. Como ocor­reu durante os qua­tro anos ante­ri­ores o gov­erno estad­ual “vive” do mar­ket­ing que con­segue vender aos incau­tos na ten­ta­tiva de se via­bi­lizar como herdeiro do espólio esquerdista.

Neste campo, o êxito é recon­hecido, poder-​se-​ia dizer inclu­sive, que um dos poucos êxi­tos do gov­erno estad­ual é na pro­pa­ganda, no mar­ket­ing.

Tanto assim que depois de qua­tro anos onde con­seguiu o extra­ordinário feito de pio­rar quase todos os indi­cadores soci­ais her­da­dos do grupo Sar­ney – o que dis­pensa qual­quer outro comen­tário –, no próprio dia da (re)posse o sen­hor Leonardo Boff escreveu nas suas redes soci­ais que o gov­er­nador do Maran­hão será a “sal­vação” do Brasil.

A moti­vação de Boff para isso (descon­heço out­ros inter­esses), não foi o sen­hor Dino ter ele­va­dos indi­cadores econômi­cos ou soci­ais do estado (que pio­raram); não foi ter tirado os 54% (cinquenta e qua­tro por cento) dos maran­henses da linha da pobreza; errad­i­cado o anal­fa­betismo; resolvido o caos na saúde (onde, outro dia, os profis­sion­ais médi­cos ameaçaram greve por falta de condições de tra­balho e salários atrasa­dos); solu­cionado o prob­lema da falta de sanea­mento básico com a inau­gu­ração de cen­te­nas de senti­nas (como o próprio gov­er­nador anun­ciou nas suas redes soci­ais); trans­for­mado o estado no celeiro do país em pro­dução agrí­cola; e tan­tas out­ras coisas impor­tantes para o nosso povo. Para Boff – e out­ros adu­ladores –, o que cre­den­cia o gov­er­nador do Maran­hão a “sal­var” o Brasil do atraso em que se encon­tra e que será agravado no gov­erno Bol­sonaro, segundo ele, é o fato do gov­er­nador na (re)posse ter rece­bido a faixa de gov­er­nador (den­tre out­ras pes­soas) das mãos de uma menina negra.

Fico pen­sando que tipo de cogume­los alu­cinógenos essas pes­soas se servem no café da manhã. O que cre­den­cia um político a pleit­ear um cargo não são suas real­iza­ções como gov­er­nante ou mesmo como cidadão, para eles os que cre­den­ciam é um golpe de mar­ket­ing.

Vejo esse tipo de coisa e esfrego os olhos para saber se estou vendo mesmo.

Assim seguirá o Brasil pelos próx­i­mos anos: com sua pop­u­lação ou grande parte dela se recu­sando a descer do palanque e a tra­bal­har pelo bem de todos.

Abdon Mar­inho é advo­gado.