AbdonMarinho - AS EXCELÊNCIAS DE COSTAS PARA A PÁTRIA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

AS EXCELÊN­CIAS DE COSTAS PARA A PÁTRIA.

AS EXCELÊN­CIAS DE COSTAS PARA A PÁTRIA.

Por Abdon Marinho.

CERTO e esper­ado como são as chu­vas de verão, o pres­i­dente da República, Michel Temer, san­cio­nou o aumento de 16,38% para os min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF.

Emb­ora haja uma tendên­cia nat­ural de se cul­par o que errou por último, no caso, o pres­i­dente Michel Temer, tenho por certo que esta é uma culpa a ser par­til­hada por todas as Excelên­cias da elite diri­gente do país e, não ape­nas, por ele.

Foi a maio­ria dos inte­grantes da Suprema Corte que se achou cre­dora do “mimo” e incluiu a excrescên­cia na pro­posta orça­men­tária daquele poder; depois vieram os dep­uta­dos fed­erais e, tam­bém, ressal­vando pou­cas exceções, aprovaram a pro­posta; depois, os senadores da República, tam­bém, por larga maio­ria, no apa­gar das luzes e com inúmeros, a começar pelo pres­i­dente da Casa, sem con­seguir a con­fi­ança do povo para ren­o­var os mandatos, acharam opor­tuno “vingarem-​se” da pat­uleia ignara.

Ao pres­i­dente coube, ape­nas, o despautério de errar por último.

De nada valeu a tan­tas Excelên­cias os ape­los, embar­gos dos cidadãos do país, que nestes tem­pos de redes soci­ais e comu­ni­cação instan­tânea fiz­eram sua parte: mais de três mil­hões assi­naram uma petição pública prote­s­tando con­tra o aumento; um sem número de out­ros escreveram arti­gos, fiz­eram protestos os mais diver­sos.

Nada abalou suas excelên­cias que acharam por bem, segundo esti­ma­ti­vas otimis­tas, espetarem uma conta de cerca de seis bil­hões anu­ais nas costas dos con­tribuintes que já pagam umas das maiores (senão a maior) car­gas trib­utárias do mundo.

Cer­ta­mente não era o que os cidadãos de bem esper­aria das maiores autori­dades do país. O drama da decepção aumenta quando se desnuda ou se insinua o que pode está por trás do “justo” aumento: o jogo de troca-​troca entre autori­dades sobre as quais não dev­e­riam recair quais­quer sus­peitas.

E são muitas as sus­peitas e insin­u­ações no atual episó­dio. Até mesmo nos bote­cos “pés sujos” se comenta a existên­cia de um pos­sível “acordão” para que fosse aprovado o tal aumento, insinuando-​se, inclu­sive um aceno à impunidade a se mate­ri­alizar na aprovação, pelo Supremo, do indulto pres­i­den­cial – que, já for­mou maio­ria pela legal­i­dade –, e, até mesmo, numa pos­sível indul­gên­cia ao futuro ex-​presidente, mais enro­lado com a leg­is­lação penal que fumo de rolo da feira de Caru­aru.

Ofi­cial­mente e no mesmo dia do aumento de suas Excelên­cias, um dos min­istros daquela Corte depois de anos e de bil­hões con­sum­i­dos do suor dos tra­bal­hadores, achou que era a hora de por fim a um esdrúx­ulo “auxilio-​moradia” pago aos mag­istra­dos de todo país – mesmo para os que pos­suem mais de uma mora­dia no lugar onde tra­bal­ham –, como uma espé­cie de com­ple­mento de renda, um pen­duri­calho que, na forma como foi con­ce­dido ao longo dos anos, nada mais era que uma forma de ‘driblar” a Con­sti­tu­ição da República.

Ora, se era legal por que can­ce­lar agora, de inopino? Se não era legal por que per­mi­ti­ram que durasse tanto tempo san­grando os cofres da nação?

Talvez tão chocante e imoral quanto foi a sanção do aumento dos sen­hores min­istros pelo pres­i­dente da República, que, registre-​se, fê-​lo em obe­diên­cia a um pro­to­colo: pro­posta do Poder Judi­ciário e aprovação pelas duas Casas Leg­isla­ti­vas, foi o can­ce­la­mento do “auxílio-​moradia” dos mag­istra­dos, pelas razões já expostas acima.

Ficou pare­cendo o que era: uma escan­car­ada bar­ganha de parte dos min­istros do STF com o pres­i­dente da República.

Essa falta de pudor leva ao surg­i­mento de boatos; de que ocor­reu uma troca de “favores” pouco repub­li­cano entre as mais ele­vadas autori­dades do país.

Teimoso que sou, recuso-​me a acred­i­tar neste tipo de con­spir­ação. Não posso acred­i­tar que autori­dades, as mais ele­vadas formem con­chavos para desafiar as leis ou assaltar a nação.

Decerto que, even­tual­mente, isso possa vir acon­te­cer, com algu­mas autori­dades, que a cor­rupção con­t­a­mine parte – até uma grande parte –, dos poderes, mas me recuso, repito, a acred­i­tar que tenha se for­mado um con­luio, entre poderes, com este tipo de propósito.

A minha recusa é fruto da con­sciên­cia de que não é isso que deve­mos esperar dos mais ele­va­dos dig­natários da nação.

O que os cidadãos devem esperar de líderes?

Em condições nor­mais dev­eríamos esperar que tivessem uma pre­ocu­pação desme­dida com o bem-​estar dos lid­er­a­dos; que fos­sem altruís­tas.

No caso de líderes de nações – como trata o texto –, que colo­cassem os inter­esses destas (nações) antes de seus próprios inter­esses.

Quem con­hece a lín­gua pátria sabe que não existe palavras vãs. E não é sem razão que se dis­pensa o trata­mento de Excelên­cias a estes dig­natários.

São assim chama­dos porque pos­suem a qual­i­dade de exce­lente; pri­mado, repica­‑ponto, ou supe­ri­or­i­dade em qual­i­dade, na definição dos dicionar­is­tas.

Refoge à com­preen­são que pes­soas a quem se tenha por “supe­ri­ores em qual­i­dade” se per­cam na mesquin­hez de “nego­ciar” van­ta­gens de cunho pes­soal em pre­juízo, pas­mem, das próprias mis­sões que lhes reserva a Con­sti­tu­ição Fed­eral.

Insisto, me recuso a acred­i­tar que ten­ham agido da forma indigna como muitos comen­tam, que out­ros insin­uam, em troca de um mísero aumento de salário, uma nin­haria, uma ínfima quan­tia se com­parado à imen­sidão dos con­ceitos que se pos­sam ter corrompido.

Isso sem levar em conta o mau exem­plo do topo, pois min­istros – e demais autori­dades –, dev­e­riam ter a con­sciên­cia de que são Agentes de Estado encar­rega­dos de servir a nação e não servir-​se da nação.

Se não tin­ham con­sciên­cia de que as car­reiras públi­cas devem ser exer­ci­das como sac­erdó­cio, com a capaci­dade e com­petên­cia que sabe­mos pos­suir, pode­riam optar por car­reiras pri­vadas, onde, cer­ta­mente, pode­riam ficar ricos sem quais­quer questionamentos.

O serviço público ou mesmo car­reiras de Estado não exis­tem para tornar ninguém ricos, o país tem com­pro­mis­sos maiores com o seu povo que sus­ten­tar uma elite per­dulária. Isso é fácil de com­preen­der.

Há quem diga que o aumento de suas Excelên­cias era mais que necessário, que gan­ham muito pouco.

Emb­ora não se deva, em princí­pio, entrar em tal mérito, quase R$ 40 mil reais (ou mesmo os R$ 33 mil reais de antes) não pode ser con­sid­er­ado um “salário de fome”, quando lev­a­mos em conta que rep­re­senta quase 40 vezes o salário mín­imo nacional ou quase 15 vezes a média salar­ial do brasileiro.

Isso mesmo, as Excelên­cias do Supremo – e de todas as demais excelên­cias que ocu­pam o pín­caro do poder –, pos­sui essa bru­tal dis­crepân­cia em relação aos cidadãos que pagam os seus salários.

Tal dis­crepân­cia fica ainda maior e os tor­nam uma elite difer­en­ci­ada dos demais cidadãos, quando sabe­mos que estes mes­mos tra­bal­hadores que pagam os salários custeiam, planos de saúdes para si e para os seus, motoris­tas, servi­dores infini­tos e mais uma série de pen­duri­cal­hos que desafiam a ética, os bons cos­tumes e/​ou mesmo a pro­bidade admin­is­tra­tiva.

Não é só, se con­vert­er­mos os venci­men­tos das excelên­cias em dólar, que é uma moeda uni­ver­sal – ainda que se deixe de fora as mor­do­mias e pen­duri­cal­hos –, ver­e­mos que nos­sas autori­dades gan­ham muito mais que seus con­gêneres de nações muito mais ricas que a nossa.

Então é de se per­gun­tar: qual a jus­ti­fica­tiva para os min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, não terem com­preen­dido a gravi­dade do momento que passa o país antes de imporem um aumento aos próprios salários que pelo efeito “cas­cata” causa um pre­juízo tão grande a nação?

A resposta que mel­hor atende a esta assertiva é ape­nas uma: As Excelên­cias estão de costas para o Brasil.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

PS. A charge que acom­panha o texto é antiga mas bem retrata a real­i­dade do momento.