AbdonMarinho - TIROS EM MANÁGUA, SILÊNCIO NO RIO DE JANEIRO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

TIROS EM MANÁGUA, SILÊN­CIO NO RIO DE JANEIRO.

TIROS EM MANÁGUA, SILÊN­CIO NO RIO DE JANEIRO.

Por Abdon Mar­inho.

POUCO mais de 120 dias é o inter­valo de tempo ocor­rido entre a exe­cução da vereadora Marielle Franco (Psol), de 38 anos, ocor­rida no dia 14 de março pas­sado, no Rio de Janeiro, Brasil e a exe­cução da médica Raynéia Gabrielle Lima, de 31 anos, assas­si­nada na noite da última segunda-​feira, 23 de julho, em Manágua, cap­i­tal da Nicarágua.

Tão perto. Tão longe. Tão semel­hante. Tão dis­tinto.

A impressão é que os dois fatos ao mesmo tempo tão semel­hantes e próx­i­mos no tempo, ocor­reram com sécu­los de dis­tân­cia, num inimag­inável espaço físico, como se fos­sem em galáx­ias diferentes.

Com razão, por ocasião dos assas­si­natos da vereadora Marielle e do motorista Ander­son Gomes, tive­mos um clamor pop­u­lar, com ampla e irrestrita cober­tura da mídia. Tive­mos, sobre­tudo, as man­i­fes­tações dos par­tidos políti­cos e dos chama­dos movi­men­tos soci­ais cla­mando, repito, com razão, pela elu­ci­dação do crime, com a punição dos cul­pa­dos.

Tais par­tidos políti­cos e movi­men­tos soci­ais acionaram os movi­men­tos de dire­itos humanos do país e do exte­rior con­tra a exe­cução das víti­mas. Movi­men­tos de defesa das mul­heres fiz­eram – e ainda fazem – inúmeros protestos cla­mando por Justiça.

Órgãos inter­na­cionais, como a Anis­tia Inter­na­cional, fiz­eram vela­dos e explíc­i­tos protestos con­tra as autori­dades brasileiras, ques­tio­nando os mecan­is­mos e eficá­cia da polí­cia brasileira na elu­ci­dação do crime – até hoje fazem isso.

Por mais hor­ro­roso que possa pare­cer, o grande “sonho de con­sumo” de muitos dos puxaram e puxam os protestos pela elu­ci­dação do crime que viti­mou a vereadora car­i­oca era encon­trar alguma respon­s­abil­i­dade, ainda que indi­reta, que pudessem atribuir a respon­s­abil­i­dade pelo crime ao gov­erno “golpista de Temer” e seus ali­a­dos. Mais que a elu­ci­dação em si, o respeito pela vida per­dida, muitos bus­cavam uma pauta.

Vejam, entendo que todo crime deva ser elu­ci­dado e os respon­sáveis punidos com rigor. A exceção de cer­tos exageros e a torpe ten­ta­tiva de se ten­tar poli­ti­zar um assas­si­nato, uma vida que foi per­dida, a sociedade tem o dire­ito e, tam­bém, o dever de cobrar soluções das autori­dades e exi­gir a punição dos respon­sáveis.

Dito isso, soa incom­preen­sível que os mes­mos par­tidos, os mes­mos movi­men­tos, os mes­mos cole­tivos, os mes­mos organ­is­mos nacionais e inter­na­cionais que se mobi­lizaram e foram às ruas dias a fio em quase todas as cap­i­tais do país por ocasião do assas­si­nato da vereadora Marielle, pouco ou nada façam em relação ao assas­si­nato da médica per­nam­bu­cana Raynéia Lima, ocor­rido em Manágua, na Nicarágua.

No caso da pre­sente exe­cução, difer­ente do ocor­rido no caso da vereadora, temos como certo que o mesmo ocor­reu na esteira da vio­lên­cia provo­cada pelo gov­erno daquele país que já ceifou quase qua­tro­cen­tas vidas em poucos meses, sendo a brasileira mais uma vítima dos gru­pos para­mil­itares que assom­bram a pop­u­lação civil daquela nação para manutenção de um régime que já perdeu a legit­im­i­dade.

Os teste­munhos de fontes insus­peitas, inclu­sive os reit­er­a­dos depoi­men­tos do reitor da uni­ver­si­dade onde estu­dava a brasileira, apon­tam como respon­sável pela exe­cução da médica – e de tan­tos out­ros cidadãos –, o gov­erno de Manágua.

Pois é, estran­hamente os tiros que cei­faram a vida de uma jovem é promis­sora médica, que muito, cer­ta­mente, iria fazer pela pop­u­lação brasileira, não des­per­taram qual­quer indig­nação dos mes­mos valentes que tanto protes­taram (com razão) diante do assas­si­nato da vereadora car­i­oca.

Arrisco dizer que man­i­fes­taram mais indig­nação com a pin­tura de um cav­al­inho branco numa colô­nia de férias por umas cri­anças num duvi­doso tra­balho de inter­ação com o ani­mal do que com o assas­si­nato de uma cidadã brasileira.

Os par­tidos políti­cos que foram às ruas há cento e vinte dias, emitem notas cíni­cas e dúbias ou demon­stram clara­mente o apoio ao régime que em curto espaço de tempo já executou mais cidadãos civis daquele país – e agora uma brasileira –, do que a ditadura mil­i­tar em 21 anos de mando no Brasil. Com o difer­en­cial de que muitas das víti­mas da ditadura brasileira pere­ce­ram em con­fron­tos arma­dos e não em cruéis exe­cuções como vem ocor­rendo no país cen­tro amer­i­cano.

Emb­ora não seja sur­preen­dente que se com­portem assim, que apoiem clara­mente a carnific­ina que o régime de Daniel Ortega tem pro­movido, nunca esta­mos prepara­dos para tamanha degradação moral e ética.

As vidas dos quase qua­tro­cen­tos mor­tos não inter­es­sam? A vida da mul­her brasileira não importa? Cadê os car­tazes de protestos? Cadê os gri­tos de pre­sente! Cadê os slo­gans “mexeu com uma, mexeu com todas”? Era de men­tira? Só valia/​vale para as ali­adas e alin­hadas politi­ca­mente as causas que defen­dem? As demais mul­heres podem ser exe­cu­tadas em praça pública?

Estran­hamente, o único com­por­ta­mento razoável e lúcido veio do gov­erno “golpista”, que não “engoliu” a ver­são ven­dida pelo gov­erno nicaraguense de que a brasileira teria sido vítima de um crime aleatório. Ver­são essa rejeitada por todas pes­soas sérias e aceita como ver­dade abso­luta por muitos par­tidos e movi­men­tos soci­ais brasileiros. Fin­gir ou igno­rar que houve um bru­tal crime e quem é o respon­sável por ele, isso que fiz­eram, isso que fazem. Uma ver­gonha! Um horror!

Vivo mil anos e não me acos­tu­marei com este com­por­ta­mento sele­tivo, esse cin­ismo des­graçado.

Eram sin­ceros quando protes­tavam por justiça para Marielle? Quando cobravam empenho das autori­dades na elu­ci­dação do crime? Raynéia tam­bém não merece justiça? Por que silen­ciam agora diante de um claro homicí­dio prat­i­cado por uma ditadura cor­rupta? O que se esconde por trás do silên­cio em relação à bár­bara exe­cução ocor­rida em Manágua?

Em pouco mais de cento e vinte dias duas mul­heres brasileiras foram covarde­mente exe­cu­tadas. A primeira desconfia-​se das moti­vações e de quem sejam os crim­i­nosos, des­perta todo tipo de protestos dos par­tidos políti­cos, movi­men­tos e organ­is­mos, tanto no Brasil quanto no estrangeiro. A segunda, igual­mente assas­si­nada sabe-​se os motivos e os gru­pos crim­i­nosos apoia­dos por um gov­erno cor­rupto e tru­cu­lento, para esta o silên­cio, nada de protestos, a indifer­ença covarde e o apoio explíc­ito aos assas­si­nos.

Qual a difer­ença entre estas duas mul­heres igual­mente exe­cu­tadas e reti­radas dos seios de suas famílias e seus ami­gos? Qual a dis­tân­cia entre protestos provo­ca­dos pelos estampi­dos do Rio de Janeiro e o obse­quioso silên­cio pelos estampi­dos de Manágua?

Só não acred­ito que os tiros que assas­si­naram Marielle, no Rio de Janeiro, e os que exe­cu­taram Raynéia, em Manágua, atin­gi­ram – e mataram –, a ver­gonha destes par­tidos e movi­men­tos, porque, estou certo que, se ver­gonha tiveram algum dia, perderam há muito tempo.

Abdon Mar­inho é advo­gado.