O TESTE DE FOGO DA DEMOCRACIA.
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- Criado: Segunda, 09 Março 2015 12:01
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O TESTE DE FOGO DA DEMOCRACIA.
Adentrava a sala de sessões do TRE/MA quando um jovem advogado cobrou-me uma posição sobre impeachment da presidente da presidente da República Dilma Rousseff: – Dr., estamos esperando seu artigo sobre a polêmica do impeachment.
Lembrei ter tratado deste assunto ainda no ano passado. Fi-lo por ocasião das descobertas da operação da Polícia Federal na Operação Lava Jato e também diante da proposta do governo em burlar a lei orçamentaria anual para garantir, artificialmente o cumprimento das metas fiscais de superavit. Tudo com a garante situação de haver um decreto condicionando a liberação de emendas parlamentares à aprovação da artimanha contábil.
Após a posse da presidente, as medidas econômicas adotadas na contramão do que fora prometido durante o pleito, os desacertos políticos e econômicos e as provas de corrupção contaminando todo o governo, trás de volta a ideia de um possível processo de impeachment à ordem do dia.
Parecer do ilustre advogado Ives Gandra Martins sustenta a tese do impedimento. Fazendo com que o assunto, antes discutido em círculos fechados, ganhasse o debate das ruas.
Na oportunidade em tratei do assunto, assim como agora, entendo a mandatária da nação preenche os requisitos da Lei 1.079÷54. Acho impossível que tenham feito o que fizeram com a Petrobras e não só lá, sem o conhecimento dos governantes, principalmente a presidente da República, que já ante de sê-lo, fora ministra de minas e energia e chefe da casa civil, cumulando, em ambos os cargos, a presidência do Conselho de Administração da Empresa. Ao menos, em tese, haveria motivo para a abertura do processo.
Ainda que muitos sustentem a necessidade da prática de um ato de improbidade resta claro que não houve zelo na guarda e no emprego dos dinheiros públicos, preenchendo um dos tipos da lei, de um total de oito.
Outro argumento contra o processamento da mandatária é que os fatos são todos anteriores ao atual mandato.
Ora, a lei, de 1954, não previu a hipótese da reeleição, uma realidade no país há quase vinte anos. Embora a corrupção, dizem as provas, tenha acontecido até o ano de 2014, mesmo depois das investigações.
O entendimento cria a situação de se ter uma autoridade que tendo praticado atos de improbidade ou não tendo zelado o dinheiro público, durante o primeiro mandato, se reeleito, saia ileso do processo político sob esse argumento. Essa é a tese da eleição/esponja, serve para apagar tudo.
São teses jurídicas respeitáveis a favor e contra o processo de impedimento da mandatária.
O debate sobre o assunto, fato normal em qualquer democracia não pode ganhar ares de escândalo no Brasil. Membros do partido do governo acusam a oposição e os que defendem a tese do impeachement de “golpistas”.
Qual a razão de chamar de golpe uma manifestação legitima da sociedade e até mesmo da oposição? Se fizermos uma comparação justa, os fatos de hoje, são infinitamente mais graves do que aqueles dos anos 1991⁄92 e que levaram o ex-presidente Collor a ser processado e cassado.
Aliás, os mesmos que hoje dizem ser golpe contra a democracia os protestos contra os governantes são, pelo menos grande parte deles os que saíram às ruas com a cara pintada pedindo a cassação de Collor – numa ironia que só a vida é capaz de brindar o homem, pois a realidade vai muito além da arte, o líder do movimento contra o ex-presidente é seu companheiro de inquérito no atual escândalo.
Sigamos. Durante os oito anos de mandato de Fernando Henrique, todos lembram, os mesmos que dizem ser golpista a manifestação da sociedade contra o governo, eram justamente os que também saiam as ruas pedindo a cassação do presidente. Cartazes, manifestos, adesivo com o “Fora FHC”, ainda estão por aí.
A pergunta que faço: por que só agora é golpe? Só agora é atentado à democracia? Tanto Collor quanto FHC não foram eleitos democraticamente? A democracia brasileira evoluiu para não admitir que se proteste contra o governo?
A democracia comporta protestos, não só, exige, impõe o regular funcionamento das instituições do país. Se a população quiser ir as ruas em protestos contra o seu governo está em gozo de um direito legitimo da sociedade, igual direito tem o Congresso Nacional se assim desejar, de adotar qualquer providência contra o governo. Não foi esse mesmo direito que garantiu os protestos e a cassação de Collor? A infindável onda de greves e protestos durante quase todo o mandato de FHC? Só agora não pode? Por acaso os atuais governantes dirigem o país por inspiração divina? Só agora é terceiro turno? Será que não cansam de falar bobagens?
Qualquer governo legitimo pode e deve ser sujeito à críticas, a protestos, a procedimentos investigatórios dos poderes Legislativo e Judiciário. Diferente disso, é ditadura. É isso que vem ocorrendo em alguns países vizinhos, onde se aparelhou o estado de tal forma que os adversários são jogados nas masmorras ao argumento que estão preparando golpe, que estão conspirando contra o governo.
Será que isso que anseia fazer o governo brasileiro? Encarcerar os líderes da oposição? Qualquer do povo que proteste contra o governo?
Qualquer cidadão brasileiro tem razão de protestar contra o governo. Temos um governo que foi eleito dizendo uma coisa e, empossado faz o oposto do prometido. A sociedade foi vítima de um estelionato eleitoral sem precedentes e todos somos testemunhas disso.
Assim como somos testemunhas que grande parte dos nossos problemas são frutos do aparelhamento do estado, da incompetência endêmica e da corrupção desenfreada. Quando pagamos mais pela energia, pelos alimentos, pelo combustível, sabemos que parte deste custo é oriundo do dinheiro que foi irrigar as contas dos corruptos e financiar o projeto de poder.
Quer dizer que isso não é golpe? Enganar uma nação inteira faz parte do jogo democrático?
Os dizem ser golpistas manifestos da população e dos partidos políticos de oposição (o que é que tem os partidos participarem? Não fizeram isso a vida inteira?), que dizem que há disseminação de ódio, são os mesmos que nada dizem quando um ex-presidente da República, o Sr. Lula, fala em chamar para as ruas o “exército de Stédile”, numa alusão ao líder dos sem-terra.
A colocação do ex-presidente foi de tal forma impertinente que um dos comandantes das Forças Armadas do Brasil chegou a dizer, em nota, que Exército, o Brasil só tem um.
Quer dizer que o ex-presidente Lula, líder máximo do partido do governo, dizer que vai colocar o “exército de MST” nas ruas, não é golpe? Não é uma ameaça as instituições democráticas? Será que a ninguém socorreu perguntar contra quem o ex-presidente pretende colocar o “exército”? Será contra o povo? Contra as instituições democráticas?
O mais grave disso tudo é que o Sr. Lula, ex-presidente, líder máximo do partido do governo e conselheiro da presidente, não diz isso como figura de retórica.
O povo brasileiro protestar é golpe. O Sr. Lula ameaçar o país com uma guerra civil é normal.
A democracia brasileira e suas instituições terão que ser maiores que os golpes. Esse é o seu teste de fogo.
Abdon Marinho é advogado.