AbdonMarinho - Reflexões para a democracia
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Reflexões para a democracia

Reflexões para a democ­ra­cia.

Por Abdon C. Marinho*.

POUCO mais de três anos, se não me falha a memória, 10 de janeiro de 2021, escrevi sobre a ten­ta­tiva de insur­reição nos EUA. O texto teve como título “Os EUA vivem seu dia de República de Bananas” e abor­dava a gravi­dade que fora a invasão do Con­gresso Amer­i­cano pelos ali­a­dos do pres­i­dente der­ro­tado Don­ald Trump – insu­fla­dos, clara­mente, pelo próprio –, para impedi­rem a cer­ti­fi­cação do resul­tado das urnas e con­fir­mar a eleição de Joe Biden.

As ima­gens em tempo real da ação dos insur­rec­tos mostravam cenas típi­cas das republi­que­tas da América Cen­tral, América do Sul, do Caribe ou de alguma nação per­dida nos cafundós da África. Os par­la­mentares tiveram que ser reti­ra­dos às pres­sas do plenário para locais seguros, enquanto vân­da­los depre­davam tudo que encon­travam pela frente.

Quem em sã con­sciên­cia iria imag­i­nar tais cenas na nação que sem­pre foi recon­hecida pela solidez de sua democ­ra­cia? As cenas reme­tiam a tudo, menos que se está­va­mos assistindo a um aten­tado ao coração da democ­ra­cia amer­i­cana.

Ao saldo de tudo, qua­tro ou cinco mor­tos, dezenas de feri­dos e a certeza de que nem mesmo a democ­ra­cia mais impor­tante é con­sol­i­dada do mundo encontra-​se imune às ondas do rad­i­cal­ismo que alas­tra pelo mundo.

As forças de segu­rança iden­ti­ficaram e pren­deram os par­ticipes da “ten­ta­tiva de golpe” e justiça do país, até aqui, já con­de­nou e man­dou para cadeia (com penas altas) grande parte deles.

Uma comis­são do Con­gresso Amer­i­cano que apurou os fatos ocor­ri­dos em 06 de janeiro de 2021 apon­tou respon­s­abil­i­dade do ex-​presidente Trump que responde em diver­sos esta­dos as diver­sas acusações civis e crim­i­nais – inclu­sive a de aten­tar con­tra a democ­ra­cia amer­i­cana –, mas que segue can­didato pelo Par­tido Repub­li­cano (com chances de vitória), ainda que seja con­de­nado por deli­tos de tamanha gravi­dade.

Dois anos depois da – por assim dizer –, “tomada do Capitólio” foi a vez da “graça” chegar nas ter­ras tupiniquins. Mil­hares de brasileiros “fan­tasi­a­dos” de patri­o­tas acharam que dev­e­riam invadir e depredar as sedes dos três poderes da República.

Na defesa dos que foram pre­sos – e alguns já con­de­na­dos a duras penas –, alegam que há excesso na apli­cação da lei; que aque­les atos foram ape­nas “um piquenique que deu errado”; que bader­nas como aquela Brasília já estava “cansada” de assi­s­tir.

Pois bem, lá atrás, acho que em mea­dos de 2022, escrevi um texto onde dizia que com a democ­ra­cia não se dev­e­ria brin­car, o título é mais ou menos esse, caso alguém deseje pesquisar.

Caso exam­inemos iso­lada­mente ape­nas os acon­tec­i­men­tos no dia 8 de janeiro de 2023, sabe­mos que aque­las pes­soas, soz­in­has, “armadas” com paus e pedras não teriam como “tomarem” o poder. Na ver­dade, acred­ito, que muitos não pas­saram de inocentes úteis uti­liza­dos como “bucha” para des­en­cadearem algo maior – que não acon­te­ceu.

A “baderna” era o estopim – ou a última car­tada de pressão –, para que out­ros agentes entrassem em ação e pro­moverem a rup­tura.

Hoje sabe­mos que gen­erais far­da­dos (ou de pija­mas) tra­ma­ram por um golpe de estado; sabe­mos que estes mes­mos – e out­ros –, tin­ham as demais insti­tu­ições da república como “inimi­gas”; sabe­mos que uma min­uta de golpe surgida lá atrás não se tratava ape­nas de um exer­cí­cio retórico; sabe­mos que a mobi­liza­ção, por sessenta dias, em frente aos quar­téis não era um movi­mento espon­tâ­neo; sabe­mos que empresários, mil­itares e tan­tos out­ros pres­sion­aram por uma rup­tura; sabe­mos que adver­sários políti­cos, autori­dades civis dos demais poderes e até ali­a­dos do então gov­erno estava, sendo bis­bil­ho­ta­dos e mon­i­tora­dos ile­gal­mente pela chamada “Abin para­lela”.

A ousa­dia foi tamanha que gravaram uma reunião para tratar de golpe de estado, virada de mesa, con­tato direto com o inimigo, e tudo mais.

Quem teve tempo – e dis­posição –, para assi­s­tir a “reunião do golpe” que foi disponi­bi­lizada pelo STF, deve ter perce­bido que, exceto pelas baixarias e palavrões, o “colóquio” faz lem­brar aque­les filmes da Segunda Guerra Mundial, onde os nazis­tas dis­cu­tiam sobre os pas­sos da guerra ou a solução final para os judeus, homos­sex­u­ais, ciganos, etc., enquanto degus­tavam pratos e bebidas ou fumavam um charuto.

Muito vaga­mente, até pelo que disse acima, me lem­brou o clás­sico “Vestí­gios do Dia”.

Esses dois exem­p­los, seja o amer­i­cano, seja o brasileiro, sevem para mostrar o quanto são frágeis os arran­jos democráti­cos na atu­al­i­dade.

Mesmo democ­ra­cias con­sol­i­dadas pas­sam por situ­ações como as que estão nar­radas.

Os seres humanos são capazes de tudo por suas próprias ambições. A prin­ci­pal dela é pelo poder. Não é de hoje a frase de que poder cor­rompe, o poder abso­luto cor­rompe abso­lu­ta­mente.

Nor­mal – mas não moral –, que aque­les que este­jam no poder não queiram deixá-​lo rel­a­tivizem as regras democráti­cas para não “largarem o osso”.

Mas a democ­ra­cia, como disse no texto já referido e repito aqui, é coisa séria, não com­porta deter­mi­na­dos “fetiches” e, talvez, pre­scinda de mecan­is­mos legais que a pro­teja de pro­je­tos autoritários.

Vejamos o ocor­rido nos EUA, à mín­gua de qual­quer prova, o pres­i­dente de plan­tão ale­gava fraudes inex­is­tentes para manter-​se no poder.

Esse “desejo” mobi­li­zou cidadãos rad­i­cais de todo o país e os fez invadir o pré­dio do con­gresso cau­sando a situ­ação descrita no iní­cio e que ren­deu no final daquele dia per­das de vidas humanas, e depois a prisão e con­de­nação de cen­te­nas deles.

Não canso de dizer que isso acon­te­ceu numa nação que tinha a democ­ra­cia solid­i­fi­cada há mais de 200 anos.

Nem mesmo essa solidez impediu o dia de ver­gonha amer­i­cana para o mundo. E é essa mesma solidez que per­mite ao ex-​presidente Trump que mesmo con­de­nado por acusações crim­i­nais diver­sas possa ser can­didato à presidên­cia nova­mente e até ser eleito.

No caso do Brasil, talvez pelos sus­tos que já pas­samos ao longo da nossa história repub­li­cana, temos mecan­is­mos que sus­pen­dem os dire­itos políti­cos em deter­mi­nadas situ­ações, como é o caso do ex-​presidente da República já inelegível até o ano de 2030, se out­ras con­de­nações não sur­girem na esteira das inves­ti­gações já em curso e aumentarem esse prazo.

Essas duas situ­ações em relação as democ­ra­cias amer­i­cana e brasileira são o objeto da minha primeira reflexão.

Muito emb­ora ainda este­jamos falando em tese, nada impede que Don­ald Trump ape­sar de clara­mente ter aten­tado con­tra a democ­ra­cia amer­i­cana con­corra e até venha a gan­har as eleições – sem qual­quer garan­tia de que não tente nova­mente pro­mover um golpe. Ele próprio já disse que gostaria de exercer poderes dita­to­ri­ais por um dia para fazer deter­mi­nadas coisas.

Ape­sar disso, pelo que tenho acom­pan­hado, a Suprema Corte daquele país vai cam­in­har no sen­tido de dizer que a pro­teção da democ­ra­cia é papel dos cidadãos amer­i­canos e não do Judi­ciário e que impedir que esse ou aquele cidadão – por mais grave que tenha sido os deli­tos cometi­dos –, tem o dire­ito de con­cor­rer as eleições porque impedir feriria os dire­itos dos cidadãos/​eleitores.

A Suprema Corte ainda não decidiu sobre a “eleg­i­bil­i­dade de Trump”, essa é uma con­jec­tura que faço.

Já no Brasil há várias pre­visões de ineleg­i­bil­i­dade dos seus cidadãos.

Quem estará certo?

Como pro­te­ger – e se deve­mos pro­te­ger –, as democ­ra­cias dos pro­je­tos de poder dos tira­nos?

Ainda que não seja opor­tuno “fechar questão” sobre o certo e o errado, os exem­p­los das democ­ra­cias que foram destruí­das “de den­tro pra fora” estão aí à vista de todos.

Eleição não é, por si, garan­tia de democ­ra­cia ou de liber­dade.

Vejo inúmeros defen­sores de ditaduras, de dire­ita ou de esquerda, diz­erem que o dita­dor fulano ou bel­trano foi eleito e que, por isso, tem a legit­im­i­dade para fazer o que quiser.

Não é assim que as coisas fun­cionam ou são.

O Iraque tinha eleições reg­u­lar­mente as quais Sad­dam Hus­sein gan­hava com quase cem por cento dos votos; na Cor­eia do Norte o líder supremo é ado­rado como um Deus; na Venezuela com eleições pre­vis­tas para esse ano (ainda sem data) os opos­i­tores foram excluí­dos do processo; na Rús­sia sequer se fala em opos­i­tor, o último grande nome, Alexey Navalny, foi morto na prisão aos 47 anos de idade. Nas eleições do próx­imo mês Putin dev­erá gan­har de “lavagem” e ficar no poder até os fins dos seus dias.

Navalny foi o último exem­plar de oposição russa com capi­lar­i­dade nacional – e por isso foi morto –, outro não sur­girá enquanto o auto­crata Putin não cair ou mor­rer.

E assim são tan­tos out­ros exem­p­los.

É dizer, repito, em tem­pos extremos, as democ­ra­cias, em todos os lugares, encontram-​se ameaçadas cabendo aos cidadãos de bem exercerem a vig­ilân­cia das liber­dades indi­vid­u­ais antes que sobreven­ham os males maiores.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.