AbdonMarinho - Nem oito nem oitocentos: Reflexão sobre o futuro do Brasil.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Nem oito nem oito­cen­tos: Reflexão sobre o futuro do Brasil.

NEM OITO NEM OITO­CEN­TOS: REFLEXÃO SOBRE O FUTURO DO BRASIL.

Por Abdon C. Marinho.

QUANDO do jul­ga­mento de Nurem­berg, depois da Segunda Guerra Mundial, con­sta que um dos juízes indagou a um dos gen­erais que estavam sendo jul­ga­dos sobre as atro­ci­dades cometi­das pelo régime Nazista ao que ele respon­deu com o máx­imo de impas­si­bil­i­dade pos­sível: — eu ape­nas seguia as leis do meu país.

Há muitos anos um pro­fes­sor contou-​me tal episó­dio – que nunca chequei, mas que atribuo veracidade.

Certa vez, tam­bém há muitos anos, quando ini­ci­ava o min­istério da advo­ca­cia, estava revoltado por haver per­dido um jul­ga­mento que, tinha certeza, era “imperdível”, afi­nal, a razão estava com a minha tese que era clara como a luz do dia.

Esbrave­java toda a justa revolta mil­i­tante con­tra as “sacan­a­gens” da Justiça, quando um colega, que já tinha mais anos de advo­ca­cia do que eu de vida, admoestou-​me: — Abdon, a primeira car­ac­terís­tica do bom advo­gado é acred­i­tar na Justiça. Se uma decisão não lhe é favorável, estude, faça o mel­hor recurso que pud­eres. Não desista da fé na Justiça pois quando perderes a fé não servirás como advo­gado.

O episó­dio nar­rado acima segu­ra­mente já tem mais de vinte anos. Ao longo destes anos tenho man­tido minha fé na Justiça e, sobre­tudo, apren­dido (ou ten­tado apren­der) como sep­a­rar o joio do trigo.

Outro dia um amigo me fez uma crítica por não ter feito nen­hum “tex­tão” sobre o que ele entende como a “ditadura da toga” instau­rada pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, no Brasil. Dizia que o STF viola con­stan­te­mente a Con­sti­tu­ição; que insta­lara um sis­tema de cen­sura prévia; que pro­movera a aber­tura de inquéri­tos ile­gais; que man­dara pren­der ou con­fis­car bens ile­gal­mente; que tudo isso colo­cava a democ­ra­cia do país em risco.

Aliás, segundo ele, já estaríamos vivendo sob a égide de golpe insti­tu­cional dec­re­tado pelo STF à vista de todos.

Tenho visto muita “gente boa” comungando com tais pen­sa­men­tos, inclu­sive muitos ami­gos, pro­fes­sores, pes­soas por quem tenho enorme car­inho e apreço. Eu mesmo já me man­i­festei algu­mas vezes con­tra deter­mi­nadas decisões emanadas daquela Corte ou de algum dos seus min­istros. O caso do inquérito das “fake news” foi um deles, con­forme pode ser con­ferido no meu site ou nas redes soci­ais, entre diver­sos out­ros.

O que, na ver­dade, alguns se ressente, acred­ito ser, é de uma posição “mil­i­tante” cor­rob­o­rando críti­cas jus­tas com dese­jos autoritários de se banir as insti­tu­ições do país com a falsa des­culpa de que estão “pro­te­gendo” a liber­dade de expressão ou a liber­dade do povo, quando sabe­mos que isso não é ver­dade.

Estas foram as des­cul­pas de Hitler, de Stálin, dos irmãos Cas­tro, de Mao-​Tse Tung, de Chávez e de tan­tos out­ros.

Todos estes chegaram ao poder na esteira de garan­tir a ver­dadeira liber­dade para o povo, com­bater o opressão do poder estatal e garan­tir a pros­peri­dade de suas nações. O legado de todos foi a opressão, o mor­ticínio, a destru­ição do povo e de nações.

Todos os regimes total­itários implan­ta­dos no mundo con­taram com o apoio sig­ni­fica­tivo de ideól­o­gos – nem todos com­pra­dos –, que acred­i­tavam estarem numa luta justa con­tra o mal. Mesmo os regimes nazis­tas e comu­nistas con­tavam com “pes­soas do bem” que acred­i­tavam e apos­tavam – muitos ainda apos­tam –, que bus­cam o mel­hor para povo e que estão numa luta do “bem con­tra o mal”.

O Brasil vive um momento pecu­liar de sua história e divi­dido entre dois extremos.

Cada um deles se val­endo das armas que pos­sui para per­manecer ou con­quis­tar o poder. Não o poder nor­mal e saudável de qual­quer democ­ra­cia, mas o poder abso­luto que destrói a própria democ­ra­cia e a liber­dade dos cidadãos.

Ambos os extremos usam como armas uma plêi­ade de int­elec­tu­ais, artis­tas que, como inocentes úteis – ou não –, se deixam levar por (e para) pau­tas políti­cas que no último está­gio ter­mi­nam por suprimir aquilo pela qual dizem lutar neste momento.

Um jor­nal­ista que sem­pre acom­pan­hei – desde que me entendo por gente e que a escrita fácil e pre­cisa me inspira –, escreveu um artigo magis­tral onde colo­cou diver­sas críti­cas abso­lu­ta­mente ver­dadeiras e com as quais con­cordo, mas come­teu, ao meu sen­tir um erro que com­pro­m­e­teu toda a relevân­cia do artigo: logo no iní­cio do texto, no primeiro pará­grafo, colo­cou uma infor­mação men­tirosa.

Disse o mis­sivista que “o resul­tado das eleições pode ser mon­tado numa sala sec­reta do “TSE”, o braço eleitoral do STF”.

O artigo, como se diz atual­mente, se tornou “viral”. Vi pes­soas por quem tenho o maior apreço difundindo-​o como a der­radeira ver­dade nesta terra ninguém.

Um amigo provocou-​me: — viu o artigo de fulano? Disse-​lhe que sim, mas fiz min­has ponderações.

Ora, ainda que con­cor­dasse com tudo que lá con­tém – e con­cordo com quase tudo –, o texto con­tém o erro essen­cial referido acima.

A base da nossa democ­ra­cia são as eleições livres e dire­tas com resul­ta­dos que refletem a von­tade da maio­ria dos cidadãos aptos a votar.

Difer­ente do afir­mado o seu resul­tado NÃO pode ser mon­tado numa sala sec­reta do TSE, tri­bunal que difer­ente do afir­mado NÃO é o braço eleitoral do STF.

O processo eleitoral é trans­par­ente com par­tidos políti­cos e diver­sas insti­tu­ições podendo acom­pan­har todas as suas eta­pas.

Quando um mis­sivista do estofo daquele ques­tiona, com uma infor­mação falsa, a base da nossa democ­ra­cia, ainda que con­corde com todo o restante do que disse, passo a tê-​lo na conta de quem se tornou ideól­ogo de uma causa.

No caso, a causa dos que querem “elim­i­nar” o STF ou colo­car no seu lugar um cole­giado que o atual gov­er­nante possa chamar de seu – como, aliás, já faz com os dois min­istros que indi­cou.

Qual não foi minha sur­presa e/​ou decepção ao ver­i­ficar que muitas pes­soas que admiro e respeito – talvez cegos pelo alin­hamento ide­ológico –, não con­sigam fazer a dis­tinção do que real­mente se encon­tra em jogo no atual momento.

O debate que se trava no momento não é sobre o tipo de régime autoritário que, sobre­tudo, os dois can­didatos que se apre­sen­tam como mel­hores colo­ca­dos nas pesquisas de intenção de votos pre­ten­dem implan­tar no Brasil, mas, sim, quem deles reúné as condições de fazê-​lo.

O golpe de estado de que tanto se fala, não foi e não será lev­ado a cabo pelo STF como pregam alguns ideól­o­gos.

Com eleições livres e os demais poderes con­sti­tuí­dos e insti­tu­ições fun­cio­nando reg­u­lar­mente, temos como impedi-​los.

O golpe, muito menos terá condições de pros­perar, numa even­tual vitória do ex-​presidente Lula. Ainda que ele queira e já tenha dado diver­sos motivos para acred­i­tar­mos que pre­tende suprimir liber­dades indi­vid­u­ais, restringir a liber­dade de expressão, cen­surar a mídia e os demais veícu­los de comu­ni­cação.

Con­tra tais arrou­bos ter­e­mos o Poder Judi­ciário, o Con­gresso Nacional e demais insti­tu­ições para contê-​lo.

Quem, ao meu sen­tir, reúné efe­ti­vas condições para pro­mover uma rup­tura insti­tu­cional, muito emb­ora só fale em “garan­tir a liber­dade do povo” é o atual pres­i­dente da República.

Enquanto aponta as intenções “golpis­tas” dos demais, con­strói as condições para ele próprio pro­mover a rup­tura insti­tu­cional, prin­ci­pal­mente, se sen­tir que o resul­tado eleitoral não lhe será favorável.

Faz isso através da coop­tação de seg­men­tos impor­tantes das Forças Armadas e das forças de segu­rança aux­il­iares — todas sim­páti­cas as suas teses –, e dos seg­men­tos mais con­ser­vadores da sociedades a par­tir de ameaças, total­mente descabidas, da implan­tação de gov­erno comu­nista no Brasil.

Neste con­texto é que soa de forma pre­ocu­pante o enga­ja­mento político de pes­soas, até então tidas por sérias, fazendo coro a pau­tas anti­democráti­cas a par­tir de infor­mações fal­sas ou indifer­entes à elas, por conta da suas próprias incli­nações pes­soais.

Este é o ver­dadeiro cerne da questão.

Acom­pan­hado as inves­ti­gações do Con­gresso Amer­i­cano sobre os tristes fatos acon­te­ci­dos em 6 de janeiro de 2021, com depoi­men­tos, vídeos e diver­sas out­ras provas, vimos o quanto aquela nação, uma democ­ra­cia con­sol­i­dada há mais de duzen­tos anos, andou perto de sucumbir aos dese­jos e engo­dos de um único homem, o seu pres­i­dente de então.

No Brasil assis­ti­mos ao mesmo enredo. Em mais de trinta anos, desde a rede­moc­ra­ti­za­ção, nunca tive­mos quais­quer ques­tion­a­men­tos quanto à legit­im­i­dade dos pleitos eleitorais e/​ou o papel da enti­dades pro­mo­toras ou par­ticipes das eleições.

Na atual quadra política é o que mais assis­ti­mos, inclu­sive com pro­tag­o­nismo inusi­tado e inde­v­ido das Forças Armadas – que desde que deixaram o poder depois do golpe de 1964 em 1985 –, se man­tinham nos quar­téis cumprindo suas obri­gações con­sti­tu­cionais.

Agora “resolveram” que é seu papel fis­calizar urnas e o processo eleitoral. Não é o seu papel. A esta intro­mis­são inde­v­ida se soma a da Polí­cia Fed­eral, tam­bém fug­indo do seu papel.

Se o golpe não deu certo nos EUA, por falta de condições obje­ti­vas, o mesmo não podemos dizer que não ocorra aqui, pelas condições acima elen­cadas.

E o pior de tudo isso, com o apoio de “pes­soas do bem” que não con­seguem enx­er­gar com clareza o ver­dadeiro sen­tido de nação ou que acha que a rup­tura insti­tu­cional é o mel­hor cam­inho.

Ape­sar do respeito que tenho por algu­mas destas pes­soas, de todas elas, ouso dis­cor­dar.

Abdon Mar­inho é advogado.