SOBRE DITADURAS E OUTROS MALES.
DITADORES não me fascinam. Também nunca nutri qualquer simpatia por qualquer ditadura. Seja ela de direita, esquerda, civil ou militar. A elas sempre reservei aqueles sentimentos que certa vez Ulysses Guimarães bem descreveu: ódio e nojo.
Embora militante político desde muito cedo – já nos anos oitenta estava envolvido no movimento estudantil participando da criação de grêmios, campanha das diretas, da constituinte, etc –, nunca me animou a defesa de modelos autoritários. Sempre compreendi que a democracia está entre as maiores conquistas da vida civilizada. A ideia da existência de ditaduras "boas" nunca fez minha cabeça. Ao meu sentir ditadura é ditadura e, por isso mesmo, um mal em si.
Defender que conquistas humanas: saúde, educação, amparo social, justificam que se abram mão de liberdades civis, o direito de expressão, de ir e vir, de manter-se junto aos seus, de trabalhar e possuir bens nunca me pareceu algo razoável.
Sempre tive na liberdade o maior bem do ser humano, maior mesmo que a própria vida. Nunca vi sentido na vida sem liberdade.
A restrição à liberdade em nome de determinadas conquistas sempre me pareceram uma cortina de fumaça aos que pretenderam ou pretendem a perpetuação no poder para cometer toda a sorte de desmandos, violência e apropriação do patrimônio público, quando não a destruição de toda a nação.
As autodenominadas "esquerdas" sempre tiveram que conviver com esse paradoxo. Ao momento em que sempre cobraram liberdade e democracia nos seus países, silenciam de forma obsequiosa às violações das liberdades nos chamados "países laboratórios" da experiência comunista. Mais que isso, defendem, em pleno século 21, as restrições às liberdades (todas elas) com unhas e dentes, justificam o morticínio, as prisões políticas, o ostracismo e o exílio.
O que considero mais patético de tudo isso é que nenhum daqueles que vemos como ferrenhos defensores dos regimes autoritários topariam viver tal experiência, muito pelo contrário, para estes valentes a liberdade deve ser de forma mais ampla e irrestrita possível.
O que nos levar a crer que ditadura para os países dos outros é refresco.
São de tal forma defensores da liberdade de expressão que se acham no direito de defenderem as restrições às liberdades como um direito legitimo de pensar diferente. Entenderam? Pois é, eu não entendi a brilhante conclusão a que chegou uma importante liderança politica do nosso estado. Neste raciocínio qualquer crítica a um modelo ditatorial trata-se de uma intolerância a um modo de "pensar diferente".
Não deixa de ser curioso ver pessoas que não conseguem ficar cinco minutos longe do WhatsApp ou afastados dos seus smartphones, defenderem restrições às liberdades mais fundamentais dos seres humanos, dentre as quais a de se expressarem livremente.
Vou além, o Brasil e outros países do continente experimentaram a tragédia de viver sob ditadura. Estas ditaduras ceifaram milhares de vidas dos seus opositores. No mesmo período, e depois dele, a ilha-prisão dos irmãos Castro fez o mesmo. Milhares de assassinatos, uns falam em 20 mil, outros em 12 mil, o certo e, não dúvida alguma disso, que milhares foram os que pereceram por sua oposição ao regime, inclusive, muitos por crime de opinião, perderam a vida diante dos tristemente famosos "paredóns". Outros milhares tentando fugir da ilha-prisão.
Seus autores confessaram tais práticas em fóruns internacionais. Os próprios líderes do país caribenho, mataram diretamente inúmeras vítimas. Não sou eu que digo. Tem confissão, tem vídeo, tem fotografia.
Há diferenças objetivas nas vidas perdidas? Não. Claro que não. A vida de cada ser humano tem a mesma importância.
Pois é, "nossas esquerdas" acham que os brasileiros, argentinos, uruguaios que perderam a vida durante os regimes autoritários nestes países valem mais que os os milhares que perderam a vida em Cuba, na Coréia do Norte, na URSS, ou noutros países na outrora cortina de ferro.
A mim, não parece razoável que pessoas que dizem vítimas de perseguição, que enfrentaram as auguras de ditaduras, tratem com dois pesos e duas medidas suas vítimas. Ou será que as vítimas do regime cubano que tiveram seus direitos violados nas últimas cinco décadas fizeram por merecer e por isso foram assassinadas? As milhares de famílias apartadas de seus entes queridos mereceram isso? Os crimes que passam da pessoa do condenado na Coreia do Norte ou os campos de trabalho forçado podem ser reconhecido como práticas legítimas?
Não encontro quem esclareça tais contradições.
Aqui, no Brasil, dizem que um processo constitucional que afastou a presidente Dilma foi um golpe, o vice-presidente, eleito com ela na mesma chapa e com os mesmos votos, um farsante golpista, mas acham normal que nas virtuosas democracias cubana, norte-coreana ou venezuelana, o poder vá passando de pai para filho, neto, irmão ou o que o valha, quase sempre por designação. Talvez considerem tais processos mais legítimos que o previsto na legislação brasileira.
Não, meus senhores, não rendo homenagem a ditador nenhum. Ditaduras não me seduzem.
Abdon Marinho é advogado.