Reflexões do irmão imaginário sobre a “guerra das plumas e paetês” e outros males.
Por Abdon C. Marinho.
O DR. WELGER FREIRE, meu sócio de quase trinta anos e o mais brilhante advogado que conheço, vez por outra me estimula a escrever textos mais amenos, menos polêmicos e que, quem sabe, pudessem ate nos render dividendos econômicos ao invés dos que comumente escrevo e que acabam por contrariar os humores dos poderosos de plantão, sejam de direito, esquerda ou nada disso.
A primeira coisa a ser dita é que não faço isso de forma proposital. Na verdade – quem escreve sabe bem disso –, nós, os escribas, não mandamos naquilo que escrevemos. Diante da folha de papel em branco ou da tela vazia é como se o “irmão imaginário” assumisse o comando do texto e o produzisse ao seu talante.
Conversava com o amigo Max Harley Freitas e ele falava de uma entrevista de Chico Buarque onde ele tratava justamente disso, desse “irmão imaginário” responsável por suas obras literárias e de como ele sentira ao terminar determinada obra e não ter mais a companhia daquele irmão.
O meu irmão, “responsável” pela elaboração dos nossos textões de fim de semana, deve ter sido, nas encarnações pretéritas, um grande revolucionário iluminista e humanista sendo incapaz de ficar inerte ou não se indignar com as coisas que para muitos “passa batido” mas que para ele significa uma afronta aos direitos dos cidadãos.
Certa vez meu irmão viu importante autoridade jactar-se de que iria resolver o problema do abastecimento de água da capital – isso há quase vinte anos ou mais –, para isso, passava em “revista” caminhões-pipa que fariam o abastecimento de diversos pontos da cidade. O cidadão passava os veículos em “revista” tal qual os generais dos exércitos fazem com as tropas militares, a imprensa e os aduladores de plantão “saudavam” o grande feito enquanto ele escrevia para os que quisessem saber: — ei, que “vantagem” existe em distribuir água para o povo em caminhões quando ela deveria jorrar naturalmente das torneiras? E de qualidade? É tratada?
Tanto estava certo e que aquele espetáculo era apenas performático que o problema do abastecimento de água na capital, passados tantos anos, ainda persiste, faltando água nas torneiras “dia sim e no outro também” e ele se agregando a inexistência de saneamento básico, do lixo que se acumula por todos cantos, da falta de estrutura que assusta as famílias a cada chuva, e por aí vai.
Essa mesma verve ou sentimento crítico o fez indignar-se ao assistir autoridades se promovendo ao inaugurar uma sentina ou uma placa de trânsito.
Ele dizia: — que absurdo um prefeito ocupar-se da inauguração de uma sentina.
O mesmo sentimento de indignação ao assistir um governador de estado deslocar-se para determinado município para “inaugurar” um poço artesiano ou um CRAS (esse construído com recursos públicos destinados pelo governo federal).
O Maranhão tem sido terreno fértil para esse tipo de inversão de valores. Não faz muito tempo, inclusive como “meta de desenvolvimento” falava-se na imensa quantidade de restaurantes populares onde os “cidadãos” podiam saciarem a fome e alimentar-se com qualidade gastando apenas um real ou pouco mais que isso.
A despeito do alcance social de tal programa ou mesmo de eventual incentivo à cadeia produtiva o meu irmão imaginário indagava em diversos textos se esse tipo de programa ao invés de apontar para algum tipo de sucesso não estaria, de fato, atestando o nosso fracasso uma vez que, certamente, os cidadãos prefeririam estarem bem empregados, ganhando bem para não precisarem desse tipo de favor do estado para atender a mais básica das necessidades após a existência: alimentar-se.
O irmão apontava em diversos textos que a celebração de tal feito mas parecia o “ateste” do fracasso de uma geração inteira, dizia: — não fomos capazes de nos desenvolver a ponto das pessoas precisarem para comer se socorrer de uma programação do governo que fornece refeições a um real.
Refletia: — que mérito pode existir nesse tipo de coisa?
Mal virada a folhinha de ano, meu irmão imaginário leu uma manchete e pôs-se a refletir e indignar-se com o seu alcance, falta de propósito ou de como, no estado, estamos vivendo em “mundo paralelo”. Dizia a manchete do noticioso, e replicada por diversos veículos de comunicação social, que o governo estadual designara o BOPE (grupo de elite da polícia estadual) para proteger os “balões” decorativos mandados instalar na Avenida Beira-mar para o carnaval de 2024.
Por mais ridículo que possa parecer, lá estavam os mais preparados homens da força de segurança estadual “dando segurança aos balões” colocados pelo governo estadual.
A utilização da força de elite da PMMA seria para evitar que agentes da prefeitura municipal retirassem os ornamentos estaduais, uma vez, que o prefeito no dia da “virada” anunciara que o carnaval municipal seria naquele logradouro.
Estava anunciada a “guerra das plumas e paetês” e as “batalhas dos fofões” ou dos “blocos de sujos”.
Durante quase uma semana – até que o prefeito anunciasse um outro local para o evento da prefeitura –, aduladores de ambas as correntes no intuito de venderem o próprio “peixe”, e se venderem, incentivavam o clima de conflito entre as esferas de poder.
Longe de tomar partido, até por ser fiel ao ditado popular que diz “em casa que falta pão, todos gritam e ninguém tem razão”, ou de ser contra a festa popular, o irmão imaginário refletia noutra vertente.
Faz algum sentido que governo do estado e a prefeitura da capital “travem” esse tipo de guerra, a ponto de terem chegado a escalar o BOPE, para fazerem festas públicas de carnaval?
Vejamos, por onde se passa se escuta a notícia que o setor público, estados e municípios, se encontram na “pindaíba”, sem dinheiro para nada, nem mesmo para atender as necessidades básicas do serviço público.
Tal informação deve ser verdadeira porque enquanto se travava a “guerra das plumas e paetês” ou as “batalhas dos fofões”, noticiava-se, ainda no tema dos folguedos, que ambos os “litigantes” estavam sendo demandados por não terem pagos os artistas locais que prestaram seus serviços no carnaval e nos festejos juninos passados, inclusive, com direito a reportagens em rede nacional.
Ai, reside outra grande injustiça pois o dinheiro público dispensado com tais eventos sequer, preferencialmente, vai para o bolso dos artistas locais, residentes no estado e município, indo para fora do estado pois as “grandes estrelas” só sobem ao palco com o dinheiro na mão.
Meu irmão imaginário sempre defendeu em inúmeros textos que esses eventos fossem custeados pela iniciativa privada quando muito com o apoio do setor público ou em último caso através de parcerias, pois, afora a falta de recursos, alegada por todos, o nosso estado e os municípios maranhenses possuem demandas bem mais importantes e urgentes. Somos ainda o estado mais pobre da federação, com mais de 50% (cinquenta por cento) da população vivendo abaixo da pobreza, educação, saúde, saneamento, empregabilidade, desenvolvimento social, etc., revelando carências em níveis diversos.
O mundo – o Maranhão inclusive –, passa por uma grave emergência climática, exceto pelo temporal desta manhã enfrentamos uma grave seca com sérios prejuízos para um estado já pobre.
É certo que não é o dinheiro do Carnaval (ou do São João) que vai “desenvolver” o estado e pôr fim a sua secular pobreza, mas, de outro não se faz muito sentido que se vá ao baile de barriga vazia. Ou que as esferas de poder (estado e município) travem uma “guerra” pelo direito de fazer o carnaval aqui ou ali ou que disputem quem fez o evento mais “bonito” com atrações mais caras, quem atraiu mais gente, etcetera.
Tudo isso, pelo menos aos olhos do meu irmão imaginário, parecem bobagem diante dos problemas efetivos que afligem a população.
Abdon C. Marinho é advogado, escritor e cronista.