O PAPA, O PECADOR E O QUE NOS DIZ A BÍBLIA SOBRE LADRÕES.
Por Abdon Marinho.
CONFORME amplamente divulgado, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva solicitou – e conseguiu –, uma audiência com o Papa Francisco. O encontro aconteceu na Casa de Santa Marta, dentro do Estado do Vaticano.
Em um país polarizado e dividido como o Brasil de agora, o encontro entre aquele que ainda é o líder mais forte da oposição e Sumo Pontífice não teria como passar despercebido ou ser tratado com naturalidade. E não foi.
Pelo lado dos partidários do ex-presidente, seu partido e demais aduladores o encontro segue sendo tratado como uma prova de seu prestígio em todos os cantos do mundo e, até mesmo, um “ateste”, em âmbito internacional de que ele (Lula) teria sido vítima de uma armação judicial que já o condenou a quase três décadas de cadeia, inclusive, em segunda e terceira instância – além de uma dezenas de outras ações civis e criminais ainda em curso.
Pelo lado dos opositores, sobram acusações, até contra o Papa Francisco. Acusam-no de ser “comunista”; de acatar como verdades as “narrativas” esquerdistas de que o ex-presidente seria inocente a ponto de acolhê-lo no piedoso solo do Vaticano; e, ainda, com tal ato ofender a dignidade e autonomia da Justiça brasileira, que julgou e condenou o indigitado por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e outros mais do ordenamento penal nacional.
Os amigos mais próximos me indagaram. Queriam saber o que achava do encontro e das diversas narrativas que povoam as diversas mídias.
Noutras circunstâncias, caso não tivessem transformado o país no laboratório de radicalismos, o tal encontro não teria qualquer relevância, apenas um encontro de um fiel e o líder da sua igreja – se for católico –, ou apenas uma reunião de um ex-presidente e o chefe da Igreja Católica, como milhares de outros encontros que acontecem diariamente nas duas situações.
Os papas ao longo dos séculos sempre tiveram reuniões com líderes políticos que ao término de seus governos acabaram por prestar contas de seus malfeitos, outros tantos, acabaram presos ou mortos sem que seus povos tenham vertido lágrimas.
O inusitado, no presente caso, talvez seja o fato do ex-presidente sair da cadeia – ainda que por uma situação atípica, à espera do trânsito em julgado dos decretos condenatórios –, e ir ver o Papa.
Ainda que por exercício de retórica, talvez sua Santidade, devesse observar certas cautelas ao receber determinados condenados e evitar, assim, que o seu nome e o da igreja católica seja explorado indevidamente em contendas política.
Afora isso, não vejo motivos para censuras. Mesmo o criminoso mais odiento tem o direito a pedir perdão por seus pecados a uma autoridade eclesiástica. Mesmo aos criminosos mais violentos não se deve negar o perdão. Este é um dos sentidos do cristianismo.
O saudoso Papa João Paulo II não apenas recebeu o terrorista que atentou contra a sua própria vida como o perdoou. E achamos aquele gesto nobre.
Quando me perguntaram o que achava do encontro, a primeira lembrança que me socorreu foi aquela que aprendi nas aulas de catecismo, no Evangelho de São Lucas.
Conta-nos tal Evangelho:
“E, quando chegaram ao lugar chamado a Caveira, ali o crucificaram, e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda.
E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. E, repartindo as suas vestes, lançaram sortes.
E o povo estava olhando. E também os príncipes zombavam dele, dizendo: Aos outros salvou, salve-se a si mesmo, se este é o Cristo, o escolhido de Deus.
E também os soldados o escarneciam, chegando-se a ele, e apresentando-lhe vinagre.
E dizendo: Se tu és o Rei dos Judeus, salva-te a ti mesmo.
E também por cima dele, estava um título, escrito em letras gregas, romanas, e hebraicas: ESTE É O REI DOS JUDEUS.
E um dos malfeitores que estavam pendurados blasfemava dele, dizendo: Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo, e a nós.
Respondendo, porém, o outro, repreendia-o, dizendo: Tu nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenação?
E nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o que os nossos feitos mereciam; mas este nenhum mal fez.
E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino.
E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.
E era já quase a hora sexta, e houve trevas em toda a terra até à hora nona, escurecendo-se o sol;
E rasgou-se ao meio o véu do templo.
E, clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou.” Lucas 23:33-46.
O ladrão a quem Jesus Cristo perdoou os pecados era Dimas, que a Igreja Católica fez Santo.
São Dimas fez-se santo por ter reconhecido os seus pecados, suas falhas, e o arrependimento verdadeiro fez Jesus perdoar os seus pecados e a levá-lo consigo ao paraíso, pouco antes de expirar.
O outro ladrão, o que não se arrependeu e ainda escarneceu do sofrimento de Jesus, não se sabe onde foi parar.
O ex-presidente Lula, como o ladrão que escarneceu de Jesus, pedindo que salvasse a si mesmo e a ele também, ao menos publicamente, nunca reconheceu seus pecados ou falhas, pelo contrário, diz-se a alma mais pura “deste país”.
Terá reconhecido ao Papa Francisco e pedido perdão?
É de São Tiago o ensinamento: “Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e façam oração uns pelos outros, para que vocês sejam curados”. Tiago 5:16.
O padre Antônio Vieira, no seu ‘Sermão do Bom Ladrão” trata com precisão da salvação do ladrão Dimas ao traçar um paralelo à promessa de salvação feita a Zaqueu, diz-no o sábio pároco: “Assim como Cristo, Senhor nosso, disse a Dimas: Hodie mecum eris in Paradiso: Hoje serás comigo no Paraíso — assim disse a Zaqueu: Hodie salus domui huic facta est (Lc. 19,9): Hoje entrou a salvação nesta tua casa. — Mas o que muito se deve notar é que a Dimas prometeu-lhe o Senhor a salvação logo, e a Zaqueu não logo, senão muito depois. E por que, se ambos eram ladrões, e ambos convertidos? Porque Dimas era ladrão pobre, e não tinha com que restituir o que roubara; Zaqueu era ladrão rico, e tinha muito com que restituir: Zacheus princeps erat publicanorum, et ipse dives, diz o evangelista (2). E ainda que ele o não dissera, o estado de um e outro ladrão o declarava assaz. Por quê? Porque Dimas era ladrão condenado, e se ele fora rico, claro está que não havia de chegar à forca; porém Zaqueu era ladrão tolerado, e a sua mesma riqueza era a imunidade que tinha para roubar sem castigo, e ainda sem culpa. E como Dimas era ladrão pobre, e não tinha com que restituir, também não tinha impedimento a sua salvação, e por isso Cristo lha concedeu no mesmo momento. Pelo contrário, Zaqueu, como era ladrão rico, e tinha muito com que restituir, não lhe podia Cristo segurar a salvação antes que restituísse, e por isso lhe dilatou a promessa. A mesma narração do Evangelho é a melhor prova desta diferença”.
Em todo o sermão de Vieira resta claro que ele não trata de ladrões pobres aqueles que cometem pequenos delitos para saciar a fome ou mesmo de pequenos salteadores, mas, sim aqueles poderosos, aqueles que roubam sem qualquer constrangimento ou receio de serem alcançados pela lei. Ou aqueles a quem são investidos nas administrações das cidades ou países, a estes, restará a promessa de salvação se restituírem o roubado, não bastando se dizerem arrependidos.
Logo, ao senhor Lula, não se aplica a situação de Dimas, que por ser pobre foi preso e condenado, mas sim, a situação de Zaqueu, que por ser rico era tolerado e ficava longe do alcance da Justiça.
Assim é o senhor Lula, já condenado em dois processos, em quase todas as instâncias da justiça, permanece fora do alcance da punição devida, talvez a extinção natural chegue antes de cumprir a pena por seus malfeitos e sem ter restituído o produto do roubo. E, assim, se acreditar na Palavra, não alcançará a salvação, diferente de Dimas “não será com Ele no Paraíso”.
Como dito anteriormente, não vejo nada demais no fato do papa receber o senhor Lula, pelo contrário, rogo que ele tenha aproveitado a deferência de sua Santidade para pedir perdão por seus pecados.
E, se Papa Francisco, tiver se inspirado nos ensinamentos de Jesus Cristo, ao pecador deve ter dito que a salvação só virá com expiação dos pecados e a restituição dos roubos praticados.
Não deixaremos de ser Cristãos por isso ou ser católicos – os que são –, por conta disso. Política e fé não se misturam.
O bom cristão deve se colocar equidistante de questiúnculas políticas e observar o exemplo do Cristo vivo, daquele que perdoou Dimas, o ladrão pobre, que arrependeu-se de seus pecados e que conhecera na Cruz; daquele que a Zaqueu condicionou a salvação.
Os homens e suas misérias passam. A fé permanece.
Abdon Marinho é advogado.