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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quarta-feira, 27 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


SINHOZINHO MALTA VERSUS ZECA DIABO.

Por Abdon Marinho.

TODOS já sabiam que não aconteceria boa coisa no dia em que Sinhozinho Malta encontrasse com Zeca Diabo. Habitando tempos e espaços diferentes – embora personas interpretadas por um mesmo artista –, poucos acreditavam que tal encontro um dia viesse acontecer. 

Pois é, mas o imponderável aconteceu e Sinhozinho Malta cruzou com Zeca Diabo, não em Sucupira do Norte ou Asa Branca, mas onde ninguém esperava: no sertão do Ceará, em Sobral, município de população estimada em cerca de 200 mil habitantes. 

A essa altura o leitor já deve ter percebido que tratarei do assunto que dominou as “rodas políticas” nos últimos dias: o “incidente” envolvendo o senador Cid Gomes (PDT/CE) e os policiais militares do Ceará que se encontram “amotinados” há alguns dias. 

O leitor mais atento já deve ter buscado saber que os dois personagens antagônicos que emprestam nome à presente crônica fazem parte do panteão da dramaturgia brasileira, ambos interpretados pelo brilhante Lima Duarte, nas obras inesquecíveis do não menos brilhante Dias Gomes: O Bem Amado e Roque Santeiro. 

Tenho por certo que o leitor já deve ter identificado a quem cabe cada um dos papéis.

Antes de prosseguir com a crônica esclareço que estamos diante de uma comédia (ou tragédia) de erros na qual nenhum dos lados tem razão. A polícia militar, proibida pela Constituição da República de fazer “greve” e o senador cearense que não tinha nada com a história. 

Dito isso, cabe analisar os fatos. 

A primeira pergunta que fiz ao saber que um senador avançou com uma carregadeira contra cidadãos tendo estes prontamente reagido a “bala” foi: o que o senador tinha com o problema? 

Até onde se sabe o senador está licenciado do Senado para tratar de interesses pessoais – registre-se, sem remuneração. 

O senador não ocupa qualquer cargo no governo do Ceará, menos ainda, algum relacionado à segurança pública ou qualquer outro que lhe permitisse ir tratar com os policiais amotinados. Ainda que fosse, pelo que vimos, o senador seria a derradeira pessoa para tratar de qualquer negociação com quem quer que seja. 

Alguém sabe dizer se já viu algum negociador chegar para negociação “armado” com uma carregadeira e ameaçar “ir para cima” das pessoas com quem se deseja negociar? Acho que só no Ceará dos Ferreira Gomes. 

Quer me parecer que o senador licenciado, pela desenvoltura com que agiu, é uma espécie de “Sinhozinho Malta” do Ceará, não é autoridade, mas age como se fosse, saiu do cargo de governador há mais de cinco anos, mas a “governança” não saiu dele. 

Ora, tal qual o personagem do folhetim, parece ou se investe de mais autoridade que o governador do estado. Se brincar, quando vai ao palácio do governo cearense o governador Camilo Santana (PT) lhe cede a cadeira de governador, assim como fazia o seu Flor, de Asa Branca, quando o Sinhozinho Malta chegava a prefeitura. 

Embora pareça óbvio é de se perguntar: onde já se viu um cidadão que não tem qualquer autoridade no assunto se investir de “negociador” e investir com um trator contra dezenas de pessoas? 

Não fosse o Brasil uma terra de ficção, era para o “usurpador” da função pública ser chamado às falas pelos dois delitos: a usurpação de função pública e por tentativas múltiplas de homicídios. 

Um cidadão comum que bebe, e dirige,  se acontece um acidente de trânsito tem-se por certo que ele cometeu um homicídio qualificado ou uma tentativa, se o “acidente” não  resulta na morte.

Como qualificar, diferente disso, se o cidadão pega uma carregadeira ameaça passar por cima das pessoas e avança com o veículo ao encontro das pessoas só sendo parado à bala? 

A atitude de sinhozinho Malta do sertão era para ser prontamente reprimida, era para a polícia de verdade – não a amotinada –, tê-lo prendido em flagrante delito. 

Ainda que o tivesse socorrido (como se deve), era para tê-lo levado preso pelos crimes acima descritos.

Outra coisa, essa conta com deslocamentos em helicóptero ou outros veículos, assim como a conta dos hospitais jamais deveriam ser “espetadas” nas costas dos contribuintes. 

O senador não estava em uma missão ou fazendo algo em interesse do país, estava cometendo crimes. 

Não faz sentido que o contribuinte que não tem nada com as “maluquices” do senador seja chamado para pagar suas contas.

Embora saibamos que tudo se dará ao oposto disso, fica o registro para que pensemos sobre o assunto.

Noutra quadra, não temos como deixar “vestir” a PMCE no arquétipo de Zeca Diabo, o cangaceiro e matador temido pelo povo, não pelo fato, isolado, de haver reagido à bala diante da investida do senador – isso até é defensável sob a ótica da legítima defesa ou do estado de necessidade –, mas, sim, por descuidar do seu papel de protetora da sociedade e fazer uma greve que é responsável pela a violência no Ceará, levando o estado a alcançar índices nunca antes experimentados, já tendo ceifado quase cerca de uma centena de vítimas (ou algo próximo disso).

Por mais que os governos estaduais, por irresponsabilidade ou preconceitos ideológicos, tenham descuidado da valorização das polícias, isso não lhes dá o direito de, na defesa de interesses próprios – não discuto se legítimos ou não –, colocarem em risco a vida da população, os cidadãos comuns pagadores de impostos que sustentam a todos, governantes e policiais. 

Esses cidadãos comuns, gente com os mesmos problemas dos policiais, são os que sofrem as consequências do “motim” de policiais. 

Os governantes, as autoridades a quem se dirigem os protestos estão todos bem guardados em suas mansões ou apartamentos de alto padrão, com seguranças privados e diversos outros itens que os colocam a salvo de qualquer importunação.

São os cidadãos de bem, os homens comuns  que estão desprotegidos e expostos à sanha da bandidagem. São estas as pessoas que precisam da polícia. E, a estas, a polícia falha. 

A PMCE, demonstrando-se ingênua e sem instrução – apesar de generosa–, tal qual o personagem da ficção, deflagra e persiste em um movimento que afronta a legislação vigente, quando poderia, por outros meios, buscar a solução para suas demandas. 

Diante do absurdo do que estão fazendo, apesar de não tão perto, deveriam descer até o Juazeiro do Norte para pedirem perdão ao “Santo Padim Pade Ciço Romão Batista”, como faria, aliás, o verdadeiro Zeca Diabo.

Conflito entre polícias e governos, sobretudo, quando a reação descamba para prejuízos vitais à população é como casa em que falta pão, todo mundo fala e ninguém tem razão. 

Abdon Marinho é advogado.