AbdonMarinho - SONHOS E REALIDADE.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

SON­HOS E REALIDADE.

SONHOS E REALIDADE.

Não faz muito tempo li um texto domini­cal do senador Sar­ney inti­t­u­lado ‘Eu Tive Um Sonho”, já nas primeiras lin­has fala que, em que pese o título do texto, não pre­tende com ele ou que seu sonho seja tão tran­scen­den­tal quanto o histórico dis­curso de Mar­tin Luther King Júnior, real­izado há mais de cinquenta anos nas escadarias do Capitólio no qual o líder da defesa das liber­dades civis nos EUA denun­ciou a vio­lações destas e a seg­re­gação racial naquela nação do norte.

O senador maranho-​amapaense, com inco­mum humil­dade, diz que o seu sonho seria bem menos tran­scen­den­tal que aquele do campeão dos dire­itos civis amer­i­canos, pre­tendia, tão somente, doar pre­sentes, escritos, livros e out­ras coisas que ameal­hou ao longo da vida ou que rece­bera de pre­sente por ocasião da ocu­pação da cargo do cargo de pres­i­dente da República (19851990).

O gesto, nor­mal em qual­quer democ­ra­cia do mundo, aqui ganha ares de escân­dalo. Isso dá pela forma tor­tu­osa como as coisas cos­tu­mam acon­te­cer no Maran­hão. Noutra opor­tu­nidade escrevi sobre as idas e vin­das deste acervo, do pré­dio e a situ­ação da própria fundação.

Com as infor­mações que tenho, acred­ito, que toda a celeuma acon­tece pela forma tor­tu­osa como se d eu a con­sti­tu­ição da fun­dação e a sua relação com o Estado do Maran­hão. O estatuto da enti­dade, se não me é falha a memória, esta­b­ele­cia para uma enti­dade a ser man­tida pelo poder público uma sucessão pri­vada família onde nada podia ser ser feito ou alter­ado sem o con­sen­ti­mento do doador ou seus suces­sores. Ter­e­mos de con­vir que trata-​se de uma situ­ação esdrúx­ula. O arranjo até deu certo quando quando gov­erno, família e fun­dação eram a mesma coisa ou algo bem próx­imo disso.

Em resumo, a fun­dação – e aqui não dis­cuto seu papel, seu tra­balho social, etc. – pode ser tudo menos repub­li­cana. Não no sen­tido que apren­demos na escola.

A polêmica atual gira em torno da exon­er­ação dos servi­dores, cerca de 48, que nomea­dos pelo gov­erno estad­ual, tra­bal­ham para a referida fun­dação. A situ­ação com­porta algu­mas inda­gações. Sendo a fun­dação pri­vada, por que os servi­dores eram públi­cos? Sendo a fun­dação pública e os servi­dores comis­sion­a­dos, que mal há em exonerá-​los e em seu lugar colo­car out­ros? Car­gos comis­sion­a­dos – que na minha opinião devem ser extin­tos ou reduzi­dos ao mín­imo necessário são de livre nomeação e exon­er­ação do man­datário, do gov­erno investido. Não con­sigo enten­der a razão desta chi­adeira toda com a exon­er­ação de servi­dores ocu­pantes de car­gos comis­sion­a­dos. Será que ainda não se deram conta que o gov­erno é outro? Que, muitos que eram de con­fi­ança ontem não são mais de con­fi­ança hoje? Já ocu­pei car­gos em comis­são, na Assem­bleia Leg­isla­tiva, na Prefeitura Munic­i­pal de São Luís, no Senado da República, nunca pas­sou pela minha cabeça pen­sar em con­tin­uar após os mandatos dos que me nomearam. Aliás, ninguém nunca cog­i­tou tal despautério. Agora, aqui e ali, ouço e leio recla­mações de exon­er­a­dos. Até parece que que­riam incor­po­rar os car­gos públi­cos às suas vidas pri­vadas. Como se vivêsse­mos ainda em tem­pos idos em que car­gos e nomeações feitas uni­ca­mente para con­tentar o apaniguado político, o filho do amigo, do par­ente, do correligionário.

Alguns dos episó­dios que trago na lem­brança dos muitos que ouvi tem cara de ane­dota mas juraram-​me ser ver­dade, den­tre eles o episó­dio em que deter­mi­nado gov­er­nador do Maran­hão, conta que tendo de aten­der ao pedido de um ali­ado, para ele criou e fez con­star na nomeação que o cargo era de investidura vitalí­cia e extinto a vagar. Ou seja o cargo era só para ele, depois de morto o cargo deix­ava de exi­s­tir. Noutro caso, o gov­er­nador para aten­der o pedido de ali­ado nomeou-​lhe o filho como pro­fes­sor de grego do Liceu Maran­hense. O pai do nomeado foi ao gov­er­nador com um prob­lema plausível: o filho não con­hecia sequer o alfa­beto grego. O gov­er­nador lhe tran­quil­i­zou com um argu­mento con­sis­tente: \»– ninguém vai se matric­u­lar no curso de grego e caso se matricule, deve ser coisa de algum comu­nista ou sub­ver­sivo, a gente manda pren­der o incauto\». E fechou: \»– pode man­dar o rapaz tomar posse\».

Muitas práti­cas semel­hantes a essas dos cau­sos narrados”acima e já per­di­das nas bru­mas da história, per­manecem no Maran­hão, basta ver o caso dos insat­is­feitos por terem sido exon­er­a­dos de car­gos \«comis­sion­a­dos\» depois de anos. Será que pen­savam poder ocu­par tais car­gos em caráter vitalício?

O novo gov­erno do Maran­hão faz muito bem em deixar assen­tado que as coisas mudaram, o que as práti­cas serão out­ras, que os car­gos públi­cos serão ocu­pa­dos por mérito ou critérios téc­ni­cos. E que a máquina pública será alivi­ada do peso de inúmeros car­gos cri­a­dos ape­nas para aten­der as deman­das políti­cas enquanto se nega atendi­mento a pop­u­lação por falta de médi­cos, poli­ci­ais ou professores.

Voltando ao sonho do senador – a nobre ati­tude de doar – devo dizer que tam­bém pos­suo son­hos, entre eles, o de ver pes­soas mais despren­di­das de bens mate­ri­ais, de riquezas, de acu­mu­lação. No final somos todos pó e a ele voltare­mos todos.

Tenho visto, prin­ci­pal­mente na sociedade amer­i­cana, bons exem­p­los de cidadãos que tendo con­quis­tado for­tu­nas, a maio­ria das vezes, em suas ativi­dades pri­vadas e após anos de labor, doarem grande parte da for­tuna, senão toda, para pesquisas, para uni­ver­si­dades e para causas human­itárias. Se ocu­pam em con­struir alas ou hos­pi­tais inteiros para aten­derem aos menos afortunados.

Trata-​se de um bons exem­p­los que pode­riam servir de inspi­ração aos políti­cos e empresários brasileiros. Muitos deles, ainda que vivessem mil anos dariam conta de gas­tar as for­tu­nas que con­quis­taram, muitas das vezes, até sem muito esforço, e, ape­sar disso, nada deixam para suas comu­nidades. Quando fazem uma doação, como esta do senador, é na intenção de se pro­mover ou esta­b­ele­cer culto à sua per­son­al­i­dade, com o agra­vante de faz­erem isso com recur­sos públicos.

O senador, por exem­plo, pode­ria ter des­ti­nado parte de sua for­tuna para aju­dar não ape­nas a fun­dação cri­ada ini­cial­mente com o seu nome, como tam­bém para out­ras coisas das quais o Maran­hão, sua terra, sua paixão, é tão carente.

Abdon Mar­inho é advogado.