Armários do saber.
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- Criado: Sábado, 27 Janeiro 2024 14:07
- Escrito por Abdon Marinho
Armários do saber.
Por Abdon C. Marinho*.
LEONEL BRIZOLA (1922−2004), politico que fez carreira no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, costumava dizer que a educação não era cara, o que, efetivamente, era cara era a ignorância.
Dizia isso, sobretudo, depois de, retornando do exílio, em 1979, e eleger-se governador do Estado do Rio de Janeiro, em 1982, iniciar o programa dos Centros Integrados de Educação Pública, os CIEP’s.
Há quarenta anos Brizola enxergava a importância da educação de qualidade na vida de crianças e na construção de um país.
Aliás, nas palavras de Monteiro Lobato: “uma nação se faz com homens e livros”.
Em meus vagares fico imaginando se ao invés de criticas todos os governantes do Brasil, do prefeito ao presidente, passando pelos governos estaduais, tivessem seguido o exemplo de Brizola e apostado com seriedade na educação integral de nossas crianças.
Estaríamos com tantos jovens amargando as incertezas da vida, da marginalidade? Estaríamos com um país melhor? Teríamos nos libertado dos armários da ignorância?
Outro que sempre cito ao falar ou debater sobre a educação pública nacional, Cristovam Buarque, dizia lá atrás, há mais de vinte anos, pelo menos, que o ensino fundamental do país deveria ser federalizado, ou seja, que o governo federal deveria “tomar de conta” e não os municípios.
Muito embora, nos termos da Constituição Federal, a educação seja responsabilidade de todos – “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” –, a própria Carta estabeleceu que os municípios prioritariamente atuariam na educação infantil e no ensino fundamental; Estados e Distrito Federal, no ensino fundamental e médio; e a União “o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Município”.
Em escritos mais recentes, Buarque assenta que o problema educacional do país alicerça-se na desigualdade do sistema ensino que não oferece as mesmas oportunidades a todas as crianças e adolescentes; e ainda que os entes responsáveis deveriam envidar os esforços necessários para que as crianças chegassem aos 08 (oito) anos de idade alfabetizadas em pelo menos duas línguas.
Desde sempre que sou um entusiasta e defensor da educação pública e de qualidade. Fui dos que foi “pra rua” nos anos oitenta exigindo melhorias, que brigou pelas garantias de tal qualidade e valorização dos educadores na Constituição, que defendeu o FUNDEF, o FUNDEB e todas demais matérias relacionadas as melhorias do ensino no país. Logo, não estranho quando escuto sobre VAAT, VAAR, SAEB, ENEM, PISA e diversas outras siglas.
É dizer, não me é desconhecido qualquer tema relacionado à educação nacional – talvez não saiba tanto quanto um presidente de sindicato que passa o dia inteiro estudando ou falando sobre o assunto, mas não passo “vergonha” –, ainda mais agora que por “ossos” do ofício tenho o dever de conhecer.
Faço tais digressões para pontuar que em mais quarenta anos de “militância” jamais tinha ouvido falar na “tese” com que deparei nos últimos dias.
À guisa de criticar a “performance” dos estudantes maranhenses no último Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, um dos candidatos derrotados no último pleito estadual, em réplica ao secretário responsável pela pasta disse que o maior problema do mesmo seria o fato dele (secretário) não se “assumir” conclamando-o “a sair do armário”, que “ficaria mais bonito”.
Como estudioso (ou, ao menos, curioso) do assunto, nem na hora que me chegou a notícia ou mesmo decorrido dias das exortações não consegui “alcançar” a linha de raciocínio do “crítico”. Afinal, o que teriam os “armários” onde, supostamente, autoridades se “guardariam” com os indicadores educacionais?
Vejam, tanta gente por tanto tempo estudando alternativas para o drama educacional brasileiro sem nem desconfiar a solução seria tão simples: abrir os armários.
Rapaz, ninguém poderia desconfiar de tal coisa.
Na perspectiva do opositor, imagino que todos os saberes estejam dentro dos armários junto com as autoridades. Abrindo-se se as portas dos armários para que as autoridades possam sair, os problemas educacionais estarão resolvidos.
Os saberes “liberados” dos armários estarão disponíveis para as crianças e adolescentes e “choverão” notas altas nas avaliações.
Será que o mesmo raciocínio funciona para outras áreas do Estado?
Abertas as portas dos armários da infraestrutura surgirão viadutos, rodovias, estradas novinhas para percorremos.
Abertas as portas dos armários da saúde, os hospitais públicos ficarão um primor, não faltarão leitos ou vagas, os médicos estarão sempre disponíveis em quaisquer especialidades. É até possível que ninguém mais nem adoeça.
Nessa mesma esteira podíamos fazer uma campanha “abaixo os armários”. Tudo seria muito mais fácil.
Resolvido: por um mundo sem armários!
Não é descabido pensar que na eventualidade do cidadão chegar ao poder algum dia teremos um governo “sem armários”, um governo “de portas abertas”. Se o cidadão entende que os problemas se resolve “sem armários”, não tem nada mais fácil de se resolver.
Se o leitor que chegou até aqui percebeu que estou sendo irônico podemos continuar.
Já escrevi diversas vezes sobre a chamada “ofensa gay” – inclusive tem um texto com esse título –, dizendo que acho incompreensível, em pleno século XXI, que pessoas, públicas ou não, “tachem” outras gays, ou cobrem que se “assumam” ou que “saiam do armário” não intenção de “ofendê-las”.
Mais, que pessoas, públicas ou não, sintam-se “ofendidas” por terem sido chamadas assim.
Ser gay é algo tão abominável a ponto ser utilizado como sucedâneo de ofensa?
As excelência que se utilizam disso para “ofender” ou as que se sentem “ofendidas” dispensam os votos dessas pessoas (da sopa de letrinhas) nas eleições?
Nesse derradeiro episódio, que me parece, a “ofensa gay” foi utilizada para “ofender” – pois não consigo “enxergar” ligação entre o resultado obtido no ENEM pelos estudantes da rede estadual com supostos armários onde, porventura, alguma autoridade esteja homiziada –, a reação no campo “oposto” pelo menos indiretamente, foi de quem a recebeu como “ofensa” – basta ver a reação dos diversos escribas alinhados ao “ofendido” que saíram em defesa do mesmo acusando o “ofensor” de “baixaria”.
Então ficamos assim: de um lado pessoas que utilizam, insinuam sobre a condição sexual de outrem na intenção de ofender; de outro, pessoas que recebem tais insinuações como “ofensas”; no meio, crianças e adolescentes que apenas querem uma educação igualitária e de qualidade.
Os armários que interessam a essas crianças e adolescentes são os armários das escolas onde possam guardar seus materiais didáticos, paradidáticos, esportivos, etc., de preferência em escolas onde possam passar o dia inteiro estudando e aprendendo.
Fora desses outros não interessam a elas.
O que nos resta é a torcida para que algum dia as pessoas se libertem dos seus armários da ignorância e comecem a tratar as pessoas com a seriedade que é devida por todos a todos.
Abdon C. Marinho é advogado.