AbdonMarinho - O COMBATE À DESIGUALDADE E AO RACISMO COMEÇA COM A EDUCAÇÃO
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O COM­BATE À DESIGUAL­DADE E AO RACISMO COMEÇA COM A EDUCAÇÃO

O COM­BATE À DESIGUAL­DADE E AO RACISMO COMEÇA COM A EDU­CAÇÃO.

Por Abdon C. Marinho*.

ALGUNS DIAS foi divul­gada uma pesquisa no jor­nal nacional, da rede globo, cujo dado prin­ci­pal apon­tava para o fato da edu­cação básica de pre­tos e par­dos encontrar-​se uma década de atraso em relação a edu­cação dos jovens bran­cos.

Já nesta sem­ana que finda, se não me falha a memória, na terça ou quarta-​feira, saíram dados do IBGE mostrando essa mesma desigual­dade ou dis­torções entre a edu­cação de cri­anças e jovens pre­tos ou par­dos em relação aos branco.

Além da notória, dis­crepân­cia, pesquisa traz out­ros dados desalen­ta­dores, como por exem­plo o fato de, ape­nas, em 2022, 40% (quarenta por cento) dos jovens deixarem o estudo por neces­si­dade de tra­bal­har; e que 7,4% dos brasileiros pre­tos e par­dos são anal­fa­betos, ou seja, segundo a pesquisa, o dobro de anal­fa­betos da pop­u­lação branca.

O dado, entre­tanto, que mais me chamou a atenção na divul­gação da pesquisa é a que trata do aban­dono esco­lar, quando temos que setenta por cento dos jovens que não com­ple­tam o ensino médio são pre­tos ou par­dos.

Uma outra pesquisa, essa de 2020 ou com dados ante­ri­ores à pan­demia, torna a situ­ação da edu­cação brasileira, sobre­tudo a edu­cação pública, ainda mais dramática – e que já tratei dela em tex­tos ante­ri­ores –, o fato da edu­cação brasileira encontrar-​se com um atraso de uma década em relação a out­ros países desen­volvi­dos ou em desen­volvi­mento. Trazendo ainda um dado bem mais alar­mante: que a cor­reção de tal dis­torção levará seis décadas.

Caso os dados con­ti­dos nos dois estu­dos cien­tí­fi­cos não sejam cumu­la­tivos, podemos dizer que a edu­cação de pes­soas pre­tas e par­das no nosso país encontra-​se duas décadas atrasada em relação aos out­ros países.

Ora, como podemos falar em mobil­i­dade social, em igual­dade entre os brasileiros e mesmo entre estes e os demais cidadãos do mundo, com tamanha dis­crepân­cia naquela que seria o motor propul­sor da ascen­são social?

A edu­cação, sabe­mos desde sem­pre, exceto por alguma rara exceção, é uma das pou­cas, senão a única fer­ra­menta capaz de per­mi­tir a ascen­são social de qual­quer cidadão pos­si­bil­i­tando que no exer­cí­cio profis­sional ou de suas vidas este­jam em condições de igual­dade com os demais cidadãos inde­pen­dente de cor, raça, etnia ou quais­quer out­ras condições.

Logo, para com­bat­er­mos os out­ros males que “assom­bram” a sociedade nos nos­sos dias, temos que começar pela edu­cação.

Somente ela é capaz de pro­mover a igual­dade de trata­mento e opor­tu­nidades a quem vida deu ori­gens e cam­in­hos dis­tin­tos.

O que essas pesquisas rev­e­lam não é nada difer­ente do venho afir­mando há quase quarenta anos – há cerca de uma década mate­ri­al­izando em tex­tos escritos para a pos­teri­dade.

Outro dia, em uma palestra a um par­tido político, dizia que desde que cheguei a ilha do Maran­hão, jus­ta­mente atrás de mel­hores condições de edu­ca­cionais – naquele período o inte­rior onde morava na pos­suía ensino médio –, que “brig­amos” em torno das mes­mas pau­tas: mel­ho­rias no ensino, na saúde, nas condições habita­cionais, no trans­porte, na urban­iza­ção, etc. e, não avançamos, ou avançamos muito pouco, em cada uma das pau­tas, a ponto de cheg­amos hoje, só no que­sito edu­cação, osten­tando a dis­crepân­cia reg­istrada nas pesquisas.

E vejam que nem pre­cis­aríamos de pesquisas pra ates­tar­mos isso.

Já nos anos oitenta, noventa, e sem­pre, bastá­va­mos olhar as relações de aprova­dos nos vestibu­lares.

Os jovens ori­un­dos dos mel­hores colé­gios pri­va­dos, encabeçavam as lista­gens dos aprova­dos nos cur­sos mais con­cor­ri­dos, como med­i­c­ina, dire­ito, engen­haria, ciên­cias da com­putação, con­tábeis, e out­ros.

Quando alguém ori­undo da escola pública con­seguia pas­sar em um desses cur­sos ou mesmo quais­quer out­ros, era motivo de comem­o­ração na escola e/​ou no bairro onde morava. E tín­hamos razão para comem­o­rar, pois aquele acesso, aquela pequena vitória era o coroa­mento, o fruto de horas e horas de esforço indi­vid­ual. Enquanto os jovens das mel­hores esco­las pri­vadas “pas­savam direto” do ensino médio para a fac­ul­dade, os seus con­gêneres das esco­las públi­cas pas­savam (e ainda pas­sam) meses, anos, fazendo cursin­hos pré-​vestibulares para alcançar a tão dese­jada vaga na fac­ul­dade.

A nossa falta de con­sciên­cia crítica era tamanha (e ainda é), que achá­va­mos nor­mal que aque­les jovens que tiveram condições de estu­darem a “vida toda” nas mel­hores esco­las pri­vadas ocu­passem as mel­hores vagas, nos cur­sos mais con­cor­ri­dos na fac­ul­dade pública.

E aqui não vai nen­huma crítica ao acesso de pes­soas ricas ou em mel­hores condições finan­ceiras aos mel­hores cur­sos das fac­ul­dades públi­cas, a crítica que se faz, e com veemên­cia, é ao fato do Estado não garan­tir as mes­mas condições de ensino a todos para que “todos” dis­putem em condições de igual­dade as mes­mas vagas.

Achá­va­mos – e ainda achamos –, nor­mal situ­ações de desigual­dade social entre os brasileiros e, tam­bém por isso, jamais ser­e­mos uma nação de cidadãos iguais.

Não lem­bro de algum dia ter visto algum daque­les ricos, bem nasci­dos que pas­saram “de primeira” nos vestibu­lares das uni­ver­si­dades públi­cas se ques­tio­nando ou ques­tio­nando a razão dele estar na fac­ul­dade pública enquanto aquele outro jovem ori­undo da escola pública teria que pas­sar mais alguns anos para ingres­sar naquela mesma fac­ul­dade, em um curso qual­quer, se não desis­tisse antes se achando “burro” ou tangido pela neces­si­dade de tra­bal­har, como ainda hoje apon­tam os dados do IBGE.

E, quan­tas vezes, nós mes­mos, na outra ponta da corda, não achamos “nor­mal” que aque­les jovens cidadãos que tiveram opor­tu­nidades que jamais son­hamos em ter, pas­sas­sem “de primeira” nos vestibu­lares das fac­ul­dades públi­cas, enquanto tín­hamos que esperar? E, ainda dizíamos: — fulano de tal é muito inteligente, é um gênio, etc.

Pois é, aque­les cidadãos, anos depois “viraram” os gov­er­nantes brasileiros e con­tin­uaram achando nor­mal a desigual­dade social, onde os ricos, os bem nasci­dos, tivessem mais dire­itos que os demais.

Com a mesma ignorân­cia que tin­ham na juven­tude, con­tin­uam sem saber de onde vem o racismo estru­tural, de onde vem a vio­lên­cia, de onde vem a pobreza dos cidadãos e dos esta­dos.

Não sabem, por exem­plo, que a grande maio­ria do público das esco­las públi­cas brasileiras é com­posta por pre­tos e par­dos e que, ao negar­mos um ensino de qual­i­dade na base, nos anos ini­ci­ais da vida esco­lar, essas cri­anças nunca terão, salvo as exceções, chance alguma de ascen­der social­mente, de serem grandes profis­sion­ais, de serem agentes públi­cos, etc.

Ao negar­mos, ainda nos primeiros anos de vida, que cri­anças pre­tas, par­das, pobres, ten­ham chance de ascen­der social­mente, pois os esta­men­tos soci­ais não per­mitem, esta­mos prat­i­cando aquilo que con­de­n­amos “da boca pra fora”, o racismo.

O jogador de fute­bol Vini­cius Júnior tem mobi­lizado o mundo con­tra o racismo. Esse jovem jogador ao par­tir para o enfrenta­mento con­tra os racis­tas e pre­con­ceitu­osos de todos os naipes presta um grande serviço à sociedade mundial. Temos vis­tos autori­dades de todo mundo con­de­nando o racismo no futebol.

As autori­dades brasileiras – tam­bém para tirar suas van­ta­gens –, têm avi­ado protestos diver­sos con­tra a situ­ação.

Acon­tece que o racismo sofrido pelo Vini­cius Júnior é ape­nas a face mais grotesca e escan­car­ada do racismo, a mais boçal e que tam­bém deve ser com­bat­ida e que ele, como um jogador de renome inter­na­cional tem feito um exce­lente tra­balho.

Por outro lado, não podemos esque­cer ou fin­gir que não sabe­mos do outro racismo estam­pado em números nas planil­has do IBGE.

Enquanto o hor­rendo racismo que vitima o Vini­cius Júnior ocorre durante as par­tidas de fute­bol, esse outro racismo que nos mostra o IBGE vitima mil­hões de brasileiros todos os dias, por anos, por décadas, por toda vida.

O com­bate ao racismo não se faz com revi­sion­ismo de obras literárias, de nov­e­las ou mesmo com o apoio e sol­i­dariedade de “cele­bri­dades” a jogadores de fute­bol ou de out­ros esportes víti­mas de racismo.

O ver­dadeiro com­bate ao racismo somente acon­te­cerá no Brasil e no mundo quando con­seguirmos ofer­tar as mes­mas condições edu­ca­cionais a todas as cri­anças.

Edu­cação de qual­i­dade, edu­cação igual­itária para todos é a chave para com­bat­er­mos o racismo e as desigual­dades soci­ais.

*Abdon C. Mar­inho é advogado.