NO FRACASSO DA EDUCAÇÃO NINGUÉM MERECE ABSOLVIÇÃO.
Por Abdon Marinho.
CONTA a história (ou seria lenda?) que Nero (Nero Cláudio César Augusto Germânico, imperador romano de 13 de outubro de 54 até a sua morte a 9 de junho de 68), tocava lira do alto da sua colina enquanto assistia Roma arder em chamas logo abaixo.
Começo com esta alegoria para dizer que apenas os desprovidos de qualquer senso do ridículo ou os contaminados pela má-fé ou os insanos de todos os gêneros podem se negar à justa indignação com números divulgados pelo MEC a respeito da educação nacional.
Os números divulgados nos últimos, fazem referência ao IDEB de 2017, atestando que nenhum estado da federação (nenhum) conseguiu alcançar a meta estabelecida para o ano e, em muitos casos, até houve retrocesso.
Estas metas, reparem, são baixas, ofereceu-se a chance de melhorar ou apresentar um nível satisfatório para educação em duas décadas, mesmo assim, mesmo estas metas sendo modestas, não foram e não estão sendo cumpridas cumpridas, pior estamos nos afastando do seu cumprimento, ficando para trás.
Muitos são os dados constantes no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, e sua análise comporta uma série de situações, entretanto, ao meu sentir, uma só tabela, ou melhor duas, sintetizam o caos em que mergulhou a educação no Brasil.
O nosso fracasso pode ser resumido no fato de apenas 5% (cinco por cento) dos estudantes do ensino médio apresentarem o nível adequado em matemática; apenas 24% (vinte e quatro por cento) possuem conhecimentos básicos; e 71% (setenta e um por cento) apresenta conhecimento insuficiente. Aquele que a professora Maricotinha, no ensino primário, escrevia com esferográfica vermelha “I” e mandava um bilhete para os pais.
Esses 5% (cinco por cento) não são de gênios da matemática, apenas apresentam um nível de conhecimento “adequado”.
Os que imaginaram ser este descalabro próprio da aversão ao estudo da matemática, se decepcionaram mais ainda com o resultado da outra matéria básica: português.
O estudo revela que apenas 1,7% (um vírgula sete por cento) possuem, no ensino médio nacional, o conhecimento “adequado” na disciplina.
É isso mesmo, ninguém leu errado, nem 2% (dois por cento) conhecem adequadamente a língua de Camões. Apenas 28% (vinte e oito por cento) possuem conhecimento básicos do assunto e a grande maioria, 70,3% (setenta vírgula três por cento), levam o “I”, de insuficiente.
Este “I” não é apenas de insuficiente, é, também, de imoral, indecente.
Os números são uma média, mas como já dizia um antigo professor, não tem mágica nenhuma no mundo, que possa ter uma média dessas como positiva. Para se chegar a essa média, os números geradores são catastróficos.
Caso os governantes do Brasil – e aqui falo de todas as esferas de poder, federal, estadual e municipal –, tivessem um mínimo, um ínfimo sentimento de constrangimento ou de vergonha, não ficava um no cargo. Por vontade própria, todos pediriam licença para saírem dos seus cargos, renunciariam. Alguns, talvez, até devessem cometer suicídio por vergonha do desastre, pois estão comprometendo o futuro do país como nação soberana.
Mas não fazem isso, jamais farão. Como a desgraça atinge a todos, indistintamente, acham que a culpa é do “sistema”, a responsabilidade, portanto, de todos, o que significa, de ninguém.
Os mais desavergonhados, diante de tamanho vexame, até possuem ousadia suficiente para comemorar e dizerem que fazem um “excelente” trabalho na área.
As disciplinas matemática e português, são as mais básicas de todas, lida-se com elas desde o início da aprendizagem.
Não faz sentido chegar ao fim do ensino médio e, ao se tirar uma média do conhecimento adequado das mesmas, termos pouco mais de três por cento. Ou seja, mais de noventa e cinco por cento apresentam conhecimento básico ou insuficiente, com vitória larga para insuficiência e ainda tem os que aparecem para achar – e mais, festejar –, como se tivéssemos ganhado um Nobel?
Perderam a vergonha, o senso do ridículo, a desfaçatez? Tomem tento, senhores.
Mais, como digo no título deste texto, essa é uma tragédia da qual ninguém merece ser absolvido.
Os governantes possuem a maior parte da responsabilidade, falta-lhes compromisso com a educação, a compreensão de que sem educação o país, o estado, os municípios não vão a lugar algum, e que se “cria” uma população de “escravos”, incapazes de decidir o próprio destino.
Será essa a estratégia?
Desde a Constituição de 1988 a educação brasileira tem recebido recursos expressivos – se não suficientes, bem superiores ao que se destinava ao setor até então –, situação que melhorou ainda mais com as leis de valorização do magistério (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério FUNDEF e depois o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB ).
O que aconteceu, apesar da melhoria no aporte de recursos e valorização do magistério? Significativamente para o aprendizado, nada. Na verdade a educação tem caminhado para traz.
Essa é a conclusão do IDEB de 2017.
Como explicar isso? Existem diversas razões e todos os dias tomamos conhecimento de “malfeitos” com a qualidade do ensino e o mau uso dos recursos.
Não raro, chega-nos noticias (que infelizmente não temos como provar mas que mereceria atenção das autoridades), de manipulação de concursos de professores, sobretudo, nos municípios.
Como descobriram que os recursos do FUNDEB eram sempre melhores e mais “seguros” que os oriundos do FPM, muitos gestores manipularam os concursos para aprovar os seus apaniguados, muitos dos quais sem qualquer qualificação.
Resultado: o mais completo fracasso do ensino fundamental. Pessoas sem conhecimentos básicos para si, encarregadas da formação de crianças.
Como alguém que não sabe ler, escrever ou ainda os rudimentos da matemática pode ensinar algo as crianças?
Não bastasse a gravidade de tal informação, criou-se nas corporações de “educadores” a ideia de que todo o recurso do FUNDEB deve ser rateado entre eles independente de apresentarem resultados ou não.
Aqui não se questiona o direito “sagrado” à valorização profissional, de forma alguma, entretanto é fato que valorização da categoria não se fez sentir nos resultados apresentados por estes profissionais nas suas trincheiras de lutas: a educação das crianças.
São infinitas leis que aumentam salários, reduzem cargas horárias, sem que se leve em conta as necessidades dos estudantes e as possibilidades dos entes pagadores.
Têm-se um piso mínimo para 40 horas/semanais, mas muitos quererem (e recebem) para trabalhar 20, 16, 12 e até 6 horas semanais.
Não digo que ganhem bem, mas ganham melhor que outrora para trabalhar bem menos. De onde se indaga: Ganhar bem e trabalhar pouco tem servido para melhorar a qualidade do ensino? Os números mostram que não.
Isso sem contar a infinitas fraudes na concessão de diplomas e certificados emitidos sem controle e acompanhamento do MEC ou dos conselhos e ainda a notória leniência das administrações que os aceitam com o único propósito de inflar indevidamente os salários dos “mestres”.
Como podem pretender transmitir valores, formar cidadãos se não entregam as crianças uma educação de qualidade para as quais são regiamente pagos?
Como podem ensinar valores, se muitos – não todos –, não sentem qualquer constrangimento em juntar um diploma gracioso – e não raro falso –, para melhorar o contracheque no final do mês?
Como dizia, nunca antes da Constituição de 1988 as carreiras ligadas à educação foram tão valorizadas, apesar disso, nunca se ensinou tão pouco e tão mal. Já disse isso inúmeras vezes, os últimos IDEB’s atestam isso.
Chega a ser inacreditável que diante de números tão vergonhosos as representações das categorias não digam nada, não se manifestem, silenciem. Não venham a público, nem mesmo para pedir desculpas.
Mas essa equação não estaria perfeita sem inclusão de mais um lado: os pais, as famílias, os responsáveis por estas crianças e adolescentes.
A educação, sobretudo a pública, é custeada com recursos de toda a sociedade. Mas os pais e/ou responsáveis pelos os alunos, os pagadores dos impostos, são omissos, não participam, não frequentam as escolas, não fiscalizam a qualidade da alimentação ou do ensino que é ofertado aos seus filhos. São todos cúmplices do caos.
E vou além, estes país e/ou responsáveis, não querem ter qualquer responsabilidade com formação daqueles que trouxeram ao mundo, não ensinam qualquer valor ético ou moral a eles. Agem como se as escolas fossem responsáveis não apenas pela transmissão de conhecimentos, mas também pela formação moral destas crianças e adolescentes.
Trata-se, por óbvio, de um modelo que tinha tudo para dar errado. E deu.
Abdon Marinho é advogado.