EDUCAÇÃO: QUEM LIGA?
Por Abdon Marinho.
O CALENDÁRIO alertou-me que 28 de abril é o dia da educação. Não estava lembrando – ou talvez nem tivesse essa informação registrada. Para mim, todos os dias deveriam ser o dia da educação, de se aprender algo, de se refletir sobre as coisas, situações, ler um livro ou mesmo dedicar um pouco de tempo para estudar. Tudo isso é educação.
Talvez por isso não acredite que sejam coisas que “caibam” em um dia. Assim como não cabem em um dia todas as atribuições e responsabilidades de um professor ou de um estudante. Porque, como disse, ao meu sentir, todos os dias deveriam ser voltados para se ensinar e se aprender algo.
Mas, em todo caso, temos um dia dedicado à reflexão sobre a educação. E coincidiu que a data fosse próxima de mais uma declaração despropositada dos governantes de plantão – o que não é uma novidade uma vez que quase tão certo quanto as estações dos anos, ou a existência do dia e da noite é que teremos alguma declaração estapafúrdia dos atuais governantes –, desta vez, sobre a redução dos investimentos nas áreas de humanas das universidades públicas.
Não sei como isso ocorrerá e qual o alcance das palavras dos governantes, considerando que existe a questão da autonomia universitária, qual seja, as universidades planejam e executam seus orçamentos. Logo, em princípio, não vejo como o Poder Executivo Federal poderá imiscuir-se, diretamente, neste tipo de questão dizendo: — estamos mandando tantos milhões para universidade fulana de tal, mas esse recurso é para ser gasto nos cursos de engenharia, medicina ou robótica. Nenhum centavo para cursos de sociologia, pedagogia ou filosofia.
Como disse, em princípio, me parece meio surreal. Em todo caso, foi o que bastou para no país abrir mais uma frente de batalha ideológica, tola, que nada tem a ver, realmente, com aquilo que de fato interessa, se existe viabilidade, amparo legal ou não para a implantação daquilo que foi verbalizado pelo presidente da República ou por alguém próximo a ele. Isso, na verdade, não interessa, o que conta é impor ao governo mais um desgaste.
Bastou sair a declaração e na mesma hora o governador do Maranhão já tentou tirar sua “casquinha” em cima do assunto – como em todos os demais, desde que apareça –, dizendo que a universidade estadual irá oferecer os cursos que “não foram extintos” na universidade federal, e que, acredita-se, nunca serão. Mas, tudo feito com o foco a se tirar algum dividendo político/eleitoral.
E o povo, as crianças? O povo, as crianças que “se explodam”, como diria o personagem inesquecível deputado Justo Veríssimo, na interpretação magistral de Chico Anísio.
Por estes dias, tomamos conhecimento que a Avenida dos Portugueses, uma das principais da cidade, foi interditada.
Era um protesto dos pais de alunos de uma escola municipal, que, com maio às portas, não teve o ano letivo iniciado. Os pais daquelas crianças cansadas de serem enroladas pelas autoridades, interditaram a rodovia.
A notícia quase passou despercebida. Não se viu autoridade alguma dizendo que duzentas ou trezentas crianças fora da sala de aula em pleno mês de maio era um absurdo. E, isso desta escola, quantas mais crianças, de outras escolas, ainda não tiveram a satisfação de iniciar o ano letivo? Quantas milhares de crianças não “penam” na rede estadual pela falta de professores para as disciplinas específicas? Quantas crianças ou adolescentes da rede de ensino público podem competir, em pé de igualdade, com as crianças ou adolescentes da rede privada?
Os arroubos dos proselitismos só não são mais patéticos porque são trágicos.
Quando vi aqueles pais protestando por tão pouco, apenas pelo direito dos seus filhos iniciarem o ano letivo, fiquei pensando no mal que estes governos estão fazendo às gerações futuras. Como justificar que em pleno mês de maio tenhamos crianças fora da sala de aula? Crianças sem professores das mais diversas disciplinas? Como, em pleno século vinte um, justifica-se a existência de “escolinhas comunitárias” em plena capital do estado?
Vejam, o prefeito já avança pelo sétimo ano de mandato. Não tivemos um ano em que denúncias sobre as péssimas condições das escolas municipais, ou a falta de aulas, ou as infindáveis reformas não fossem manchete de jornais. E não estão ainda mais em evidência porque o sindicato da categoria dos professores, por condições de todos conhecidas, não tem sido mais efetivo na fiscalização e nas denúncias.
Isso, sem falar na própria estrutura física das escolas, que há muito tempo deixou de ser adequada. Mesmo as “escolinhas” feitas pelo governo estadual não passam de paliativos que estão longe de representar qualquer avanço diante do grave problema educacional que passamos.
Chega a ser inacreditável que a capital do estado, às vésperas de completar 407 anos de fundação não tenha conseguido avançar na melhoria das condições de ensino a ponto de sequer possuir uma rede de ensino suficiente e adequada para o início das aulas no tempo certo.
Confesso que não sei o que se passa, como disse, o prefeito já avança no sétimo ano de gestão, o secretário da pasta já conhece a função há “trezentos” anos, basta dizer que desde final dos anos oitenta já “contribuía” com o setor.
Ninguém viu que iríamos precisar de escolas melhores e maiores, capazes de atender a demanda? Não foram capazes de inscrever projetos de novas estruturas junto ao MEC? O que aconteceu com as escolas que foram disponibilizadas para a capital?
São coisas que não dão ciência a população e mesmo os representantes do povo parecem pouco interessados em saber as condições do ensino municipal.
E se a capital do estado “patina” na equação de seus problemas educacionais – e não adianta dizerem que conseguiram isso ou aquilo, pois a realidade está à vista de todos –, nos demais municípios a situação é até pior.
Aqui mesmo na ilha, se tem notícias que há mais de mês os professores da rede municipal de Paço do Lumiar estão em greve prejudicando milhares de estudantes.
Mas quem liga para o fato de milhares de crianças estarem fora da sala de aula? Quem liga para fato da infraestrutura das escolas serem indignas para o aprendizado das crianças? Quem liga para fato de crianças ou adolescentes terem que atravessar a pé por terrenos alagados para chegar às suas escolas?
No início do atual governo sugeri que fizesse um pacto pela educação. Que todos os prefeitos e secretários municipais de educação fossem chamados para, junto com o governador e secretário estadual, fizessem um diagnóstico dos problemas da educação estadual, e, também juntos, se apoiando mutuamente, resolvessem os problemas.
Não vi nada disso. Vi algumas iniciativas isoladas. Vi festejarem uma melhoria aqui ou ali, um indicador melhor acolá. Mas, tudo muito distante de melhorar as condições da educação no nosso estado como um todo. Ou alguém acredita que a educação pública do estado está em pé de igualdade com as dos melhores centros? Com os estudantes podendo competir em pé de igualdade com os de outros estados ou do ensino privado?
Acabei de comprovar que sim. A Assembleia Legislativa aprovou – ou encontra-se em vias de aprovar –, um projeto de lei que melhora em 20% (vinte por cento) a pontuação dos estudantes do estado para o ingresso na universidade.
Quando vejo o debate histérico em torno de uma colocação do presidente – ainda que estapafúrdia –, que nem sabemos se será ou se tem como ser implantada, fico pensando se não estão pensando na árvore em detrimento da floresta.
Ora, o entendimento do presidente (ou de qualquer outro do governo) sobre uma ou outra disciplina, ainda que relevantes para a sociedade civil e para a própria democracia, conforme dizem – e não duvido que estejam certos –, no contexto geral da educação é uma árvore. A floresta é constituída pelos milhões de crianças e adolescentes que estão tendo uma educação muito aquém de suas necessidades para competirem em um mercado cada vez mais globalizado.
Estamos falando de milhões de jovens que não estão aprendendo o mínimo, que não sabem ler, escrever, ou contar; que não sabem geografia ou história; que, em suma, passam por toda vida escolar para serem analfabetos funcionais ou mesmo analfabetos no sentido amplo da palavra.
Encontrar e implementar soluções para que tenhamos uma educação de qualidade vai muito além dessa histeria sobre posições ideológicas – e isso serve para os dois ou mais lados –, precisamos trabalhar para igualar o aprendizado em todo o país: acabar com as distorções entre Norte e Sul, entre campo e cidade, entre ensino público e privado; depois disso, trabalhar, incansavelmente, para alcançar as melhores referências internacionais. E, estamos muito longe disso.
Sem fazer pouco caso – até porque reconheço a importância da filosofia, sociologia e outras afins para a sociedade –, entendo que o problema do Brasil não é saber se os jovens universitários não vão estudar estas matérias ou fazer tais cursos, mas sim, se educação do país vai conseguir fazer com que quando estes jovens estiverem na idade de estudar tais disciplinas saberão o que elas significam.
A histeria fomentada pelo embate ideológico (se é que sabem o que isso significa) não permite que vejam que a educação virou uma “emergência” nacional, com estudos apontando que quase a totalidade dos nossos jovens e crianças não sabem o que deveriam saber de disciplinas básicas como língua portuguesa e matemática.
Entendam, ler, escrever e fazer conta é o básico do básico para que se avance em qualquer debate sobre educação. Sem isso não se vai a lugar nenhum.
A situação, repito, é de emergência nacional. Acho que passa da hora de se levar a sério a educação ao invés de se perderem em tolas conjecturas, cuja preocupação única é o próximo embate eleitoral.
Abdon Marinho é advogado.