AbdonMarinho - Meu tio viajou.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Meu tio viajou.


MEU TIO VIA­JOU.

Por Abdon Marinho.

PES­SOAL­MENTE só o con­heci quando fui tra­bal­har na Assem­bleia Leg­isla­tiva a par­tir de 1991. Eu, asses­sor do dep­utado Juarez Medeiros e ele um dos dep­uta­dos da oposição o que sem­pre nos per­mi­tia tro­car uma ou outra ideia.

Achava curiosa a história dos três Bened­i­tos, o primeiro, vereador por São Luís; o segundo, prefeito de Alto Ale­gre e o ter­ceiro, dep­utado estad­ual. Os fil­hos Rosário deten­tores de um humor inigualável.

E como sabiam de “cau­sos”; e como tin­ham histórias para con­tar.

Em 1994 por ocasião da eleição para o gov­erno do estado e tendo como can­didato o então senador Cafeteira, ficamos bem mais próx­i­mos. A cam­panha era coor­de­nada por um grupo muito pequeno, basi­ca­mente, eu, Chico Branco, Roberto de Paula, coman­dando o comitê; Ader­son Lago, Juarez Medeiros (can­didato a vice-​governador) e Bened­ito Ter­ceiro, tratando da parte política; o Dr. Laplace Pas­sos e João Ita­pary, cuidando do jurídico; Jesus Ita­pary cuidando do cofre vazio da cam­panha.

Lá, no comitê do Sítio Leal, que fora a casa de Cafeteira, e tinha, ainda, ares de residên­cia, quando não estavam pelo inte­rior fazendo cam­panha, está­va­mos tro­cando ideias e impressões políti­cas, con­tando piadas e rindo dos cau­sos. Ader­son mais “engen­heiro” focado na engen­haria da eleição; já Ter­ceiro, emb­ora, tam­bém, engen­heiro agrônomo, mais brin­cal­hão.

Como nos divertíamos naque­les bate-​papos.

Per­dida a eleição de 1994 e fin­d­ando os mandatos de dep­utado em março de 1995, pouco tempo depois a prefeita de São Luís, Con­ceição Andrade, con­vida para uma mis­são inglória: cuidar da limpeza da cap­i­tal, os ex-​deputados Juarez Medeiros, pres­i­dente da Col­iseu, Bened­ito Ter­ceiro, dire­tor administrativo-​financeiro e Car­los Guter­res, dire­tor téc­nico.

Juarez convidou-​nos para ir com ele para Col­iseu. Eu, para a Secretária-​Executiva e Roberto de Paula para a Asses­so­ria Jurídica.

Foram quase dois anos tra­bal­hando para “enx­u­gar gelo”. A empresa não tinha din­heiro para nada. Seu único cliente, a prefeitura, mal con­seguia man­dar os recur­sos sufi­cientes para pagar a folha de pes­soal, assim mesmo, só a folha líquida, não con­seguindo arcar, sequer, com os encar­gos prev­i­den­ciários e tra­bal­his­tas.

Foi um período de grande difi­cul­dade, mas que teve o extra­ordinário mérito de for­t­ale­cer os nos­sos laços de amizade.

Quando, em 1996, Juarez e Car­los Guter­res, saíram da empresa para out­ros desafios, Ter­ceiro assumiu a presidên­cia e eu o sub­sti­tui na Dire­to­ria Administrativa-​Financeira.

Foi no período em que está­va­mos pela Col­iseu que Ter­ceiro, um dia, começou a me chamar de “tio” – não sei se ainda era secretário-​executivo ou se já dire­tor.

O certo, é que pas­sou a referir-​se a mim, como “meu tio”. Era meu tio para cá, meu tio para lá. Para não ficar trás, tam­bém pas­sei a chamá-​lo de tio. Mais, não ape­nas eu pas­sei a chamá-​lo de tio, como tam­bém, os meus sócios, Wel­ger, Neto, Rodrigo, os fun­cionários do escritório. Pas­samos a chamar de tias, tam­bém, as meni­nas, Bethâ­nia e Verônica e a Darcy Ter­ceiro, a esposa. Todas “viraram” nos­sas tias e nós os seus tios.

Os ami­gos mais chega­dos a nós a eles se ref­erem como meus tios.

Assim, neste mais de um quarto de século tem sido assim: só nos refe­r­i­mos a Ter­ceiro e aos famil­iares como tios e tias e eles se ref­erem a nós, do escritório, da mesma forma.

Serviu mais ainda para essa aprox­i­mação o fato do nosso escritório ficar a poucos pas­sos do pré­dio onde resi­dem.

Quando diag­nos­ti­cado com o câncer, acred­ito que tenha sido uma das primeiras pes­soas a ser avisa­dos. Um dia a tia Verônica chegou e me falou dos “pon­tos” da doença no pul­mão.

Ter­ceiro sem­pre encarou a doença, como a tudo: com inco­mum altivez e bom humor. Nunca deixando trans­pare­cer a dor ou o sofri­mento que o afli­gia.

Era assim com tudo, repito.

Dos nos­sos tem­pos de diri­gentes da Col­iseu “her­damos” uma Ação de Impro­bidade Admin­is­tra­tiva, que “corre” há 23 anos – já fomos absolvi­dos uma vez, o MPE recor­reu, o TJMA disse não haver provas e man­dou que retor­nasse para nova instrução –, um assunto que já me inco­modou bas­tante, mas que hoje só me causa pesar.

Cito este episó­dio porque na audiên­cia de instrução fui parte e advo­gado no feito pre­si­dido pelo então juiz João San­tana e lá acon­te­ceu um fato que ainda hoje conto por onde passo.

Após ser ouvido, pas­sei a acom­pan­har o depoi­mento dos demais. Quando chegou a vez de Ter­ceiro ser ouvido, o juiz per­gun­tou: — o sen­hor tem con­hec­i­mento das acusações que lhe são feitas pelo Min­istério Público? Gostaria de ouvi-​las?

— Por favor, excelên­cia, leia-​as. Responde-​lhe Ter­ceiro.

Ato con­tin­uou o juiz pas­sou a lista-​las: — doação de uma urna funerária para um gari; paga­mento de uma ajuda de custo a outro; paga­mento do funeral de um famil­iar de um fun­cionário; doação de uma den­tadura a outro. E por aí foi.

Ter­ceiro sabia de tudo isso. A ideia de pedir para juiz lê as acusações era ape­nas para mostrar o quanto de injus­ti­fi­cado era o processo.

Neste domingo, 14/​11, a ape­nas 15 dias do seu aniver­sário, meu tio via­jou.

Recebi a notí­cia após cam­in­har pelo sítio e con­statar, como ser­tanejo, que estava “bonito para chover”, abri o celu­lar e vi a notí­cia.

Difer­ente do afir­mado ele não mor­reu, pes­soas como o meu tio não mor­rem.

Ele ape­nas pegou sua Harley-​Davidson e via­jou. E, de lá, de onde estiver, vai con­tin­uar olhando por nós.

Boa viagem, meu tio. Vai com Deus.

Do sobrinho, Abdon.

Comen­tários

0 #1 Bened­ito IV 14-​11-​2021 15:17
Parabéns, tio, o tempo con­vivido rel­eva par­entescos que só a alma fala.
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