AbdonMarinho - O fim de uma era.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O fim de uma era.


O FIM DE UMA ERA.

Por Abdon Marinho.

FOI COM PESAR que dias atrás recebi a notí­cia dando conta que o Jor­nal O Estado do Maran­hão deixará de cir­cu­lar na sua ver­são impressa em breve.

Ini­cial­mente a noti­cia cir­cu­lou como fux­ico ou boato; depois os veícu­los de comu­ni­cação, dig­amos, mais respon­sáveis deram a noti­cia como certa; e, por fim, saiu a noti­cia que a direção do grupo con­fir­mara a informação.

Fiquei triste. Inde­pen­dente de con­cor­dar com a linha edi­to­r­ial ou não do “matutino do outro lado da ponte”, como o apeli­dou um jor­nal­ista local, pelo menos durante as três últi­mas décadas o EMA fez parte da minha vida — com sessenta e dois anos, durante a metade deste tempo fui (sou leitor).

Quando tra­bal­hei na Assem­bleia Leg­isla­tiva (19911995) cul­tivei um hábito que car­rego até hoje: chegar mais cedo no tra­balho para ler as noti­cias do dia e começar o expe­di­ente infor­mado dos prin­ci­pais assuntos.

Foi naquela época que me tornei assí­duo leitor de jor­nais impres­sos. Lia-​os logo cedo. Quando o dep­utado Juarez Medeiros, com quem tra­bal­hava, chegava, por volta das 7 horas, vindo da Rádio Edu­cadora, onde apre­sen­tava um pro­grama nas primeiras horas da manhã, já trocá­va­mos as impressões sobre as noti­cias do dia, o anda­mento da polit­ica, a pauta da Assem­bleia naquele dia, etc.

No final do dia recor­tava as matérias que mais nos inter­es­sava, colava em folha de papel, descrevendo o veículo de comu­ni­cação, data e assunto para guardar em uma volu­mosa pasta A-​Z.

Foi naquele período, tam­bém, que con­heci e travei amizade com diver­sos jor­nal­is­tas que “cobriam” o par­la­mento.

A sala que ocu­pava, no antigo pré­dio da Rua do Egito, 144, ficava a pouco pas­sos da antes­sala do plenário e sem­pre estava por lá “brin­cando” com um ou outro jor­nal­ista.

Eles, volta e meia, tam­bém acor­riam para minha sala para tomar um cafez­inho (quando acabava o do setor de imprensa ou da antes­sala) e/​ou para saber as últi­mas novi­dades da seara oposicionista.

Com pil­héria e as vezes para fusti­gar algum jor­nal­ista do EMA dizia que fechavam tão cedo a edição do dia seguinte que se o gov­er­nador mor­resse à tarde o fato só seria divul­gado na edição sub­se­quente. Rsrsrs.

Antes da pop­u­lar­iza­ção da inter­net e dos jor­nais serem divul­ga­dos em edições eletrôni­cas, tinha o hábito de com­prar as edições de domingo – na impos­si­bil­i­dade de entre­garem no sitio onde moro –, um amigo tinha a mis­são de ir lá deixá-​los logo cedo.

Colo­cava os jor­nais ao lado da rede e lia-​os, quase que inte­gral­mente. Gostava do cheiro da tinta fresca no papel e ficava zan­gado se algum amigo que sem­pre me vis­i­tava aos domin­gos deix­avam os meus jor­nais desar­ru­ma­dos ou fora de ordem.

Mais tarde, pelas dez ou onze horas, começava a sessão de lig­ações para os ami­gos, prin­ci­pal­mente Ader­son Lago e/​ou Wal­ter Rodrigues, para tro­car ideias sobre os fatos noti­ci­a­dos.

Em relação ao EMA, apel­i­dado por nós de “diário ofi­cial” por sua lig­ação com os gov­er­nantes de plan­tão, sem­pre sobrava uma crítica em relação ao viés gov­ernista das notí­cias, vez ou outra um xinga­mento mais áspero e muitas vezes até uma inter­pelação judi­cial ou alguma ação por um fato ou outro.

Como disse ante­ri­or­mente, o pesar pelo fechamento de mais um jor­nal impresso no nosso país, se deve, não por alin­hamento ou con­cordân­cia edi­to­r­ial, mas, prin­ci­pal­mente, pelo fato de tais dis­cordân­cia sem­pre ocor­rerem em um outro nível – geral­mente bem mais ele­vado.

O meu sen­ti­mento (ou saudo­sismo) é que esta­mos per­dendo algo. Talvez a elegân­cia da escrita, o con­hec­i­mento histórico, o comed­i­mento da política.

A imprensa escrita profis­sional apre­senta uma mel­hor lin­guagem e um con­teúdo mais denso.

Quan­tas vezes não dis­cuti com meus ami­gos – além das questões políti­cas –, os tex­tos escrito por um ou outro arti­c­ulista?

— Ih, rapaz! Viu a col­una de fulano hoje no EMA, no Pequeno, no Impar­cial? Ou, o que você achou do artigo escrito por beltrano?

Um dos assun­tos sem­pre pre­sentes nos diál­o­gos era a col­una do ex-​presidente Sar­ney na capa do jor­nal.

Sem­pre sobrava uma análise mais apro­fun­dada ou uma crítica mais ácida.

Como sou grande fã de charge, sem­pre que uma me chamava a atenção não deix­ava de comen­tar ou fazer uma ou outra obser­vação.

São tan­tas lem­branças. Lem­bro de situ­ações, dos diál­o­gos, dos ami­gos que já se foram, daque­les que perdemos con­tatos, de out­ros e out­ros.

Nunca escrevi para o jor­nal, uma vez ou outra alguma matéria fez refer­ên­cia algum texto meu.

Uma vez, em um dos tri­bunais da cidade, um colega com afinidade com o “matutino do outro lado da ponte” sug­eriu que pode­ria pub­licar algum artigo na col­una de opinião. Argu­mentei que lá não gostam muito do que escrevo.

Desde que soube do anun­ci­ado fechamento do jor­nal pas­sei a sen­tir como se parte do meu pas­sado tam­bém estivesse partindo.

É o fim de uma era. Uma pena.

Abdon Mar­inho é advogado.