AbdonMarinho - TERRA SEM LEI - o imbróglio do deputado com o promotor.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

TERRA SEM LEI — o imbróglio do dep­utado com o promotor.

TERRA SEM LEI — o imbróglio do dep­utado com o pro­mo­tor.

Por Abdon Marinho.

EM MEIO ao caos da política nacional, as artic­u­lações na política local – que tratare­mos no obser­vatório das eleições –, à catástrofe da retomada do Afe­gan­istão pelos ter­ror­is­tas do Tal­ibã, um assunto do cotid­i­ano chamou-​me a atenção a ponto de mere­cer um texto específico.

Falo do entrevero com pitadas de comé­dia pastelão – mas que envolve uma questão de fundo inter­es­sante: o coro­nelismo dos poderosos –, envol­vendo um dep­utado estad­ual e um pro­mo­tor de justiça da cap­i­tal.

No iní­cio da sem­ana, por diver­sas fontes, recebi o vídeo da con­fusão envol­vendo os agentes públi­cos, que como ambos fiz­eram questão de deixar claro, um dep­utado e o outro pro­mo­tor, e ainda um ter­ceiro agente que não apare­ceu no evento, mas foi citado: um del­e­gado de polí­cia.

Muito emb­ora recon­hecendo o “ato de justiça” do dep­utado estad­ual ao resti­tuir a rua, o acesso dos cidadãos às suas residên­cias, este é um episó­dio que sob qual­quer ângulo que se exam­ine, em maior ou menor inten­si­dade, ninguém tem razão.

Come­ce­mos pelo dep­utado. É certo que o dep­utado rece­beu uma denún­cia gravís­sima de cidadãos brasileiros que há algum tempo vin­ham sofrendo con­strag­i­men­tos da parte de uma autori­dade pública que, em fla­grante abuso, pelo que se denun­ciou, até usando de fajuto “poder de polí­cia” – e da polí­cia, um del­e­gado –, ceceava clara­mente o dire­ito das pes­soas terem acesso às suas residên­cias.

Muito emb­ora a denún­cia que chegou ao con­hec­i­mento do par­la­men­tar fosse (é) de atro­ci­dade sem tamanho, como autori­dade pública não lhe cabia vestir-​se na armadura de D. Quixote e ir ao local do fato, mon­tado em seu cav­alo – no caso, um tra­tor –, e fazer “justiça” com as próprias mãos, devol­vendo a rua para os oprim­i­dos.

Beleza. Foi uma ati­tude “por­reta” do dep­utado.

Mas, como autori­dade pública, o seu dever era noti­ficar a autori­dade com­pe­tente com relação a situ­ação denun­ci­ada cobrando uma providên­cia ime­di­ata para o prob­lema.

Até pode­ria ir lá, fil­mar, denun­ciar nos meios de comu­ni­cação, etcetera, o que não pode­ria, na minha opinião, era ir lá e, pes­soal­mente, des­ob­struir a rua.

A prefeitura ou out­ros órgãos com­pe­tentes já haviam sido noti­fi­ca­dos do abuso? Sabiam e estavam omis­sas?

Quando vejo autori­dades agirem por conta própria tenho que elas não acred­i­tam no poder que rep­re­sen­tam, o que é muito grave para a democ­ra­cia e para o estado democrático de dire­ito.

Temos inúmeros casos de “gri­lagem” de áreas públi­cas no estado, cidadãos que cer­caram áreas públi­cas para explo­rarem como suas.

Os dep­uta­dos devem se munirem de tra­tores e irem lá der­rubar as cer­cas ou aprovar medi­das para que o poder público retomem as áreas públi­cas e as usem para o bem de todos?

Será que as excelên­cias não sabem o sig­nifi­cado de função institucional?

Vejamos a situ­ação do pro­mo­tor.

Pas­sei a sem­ana inteira, desde que tomei con­hec­i­mento da con­fusão, aces­sando o sítio do MPMA à espera de um esclarec­i­mento sobre o assunto – inclu­sive agora enquanto escrevo o texto –, e não encon­trei.

Tem notí­cias até sobre pro­jeto de cat­a­lo­gação de árvores (algo necessário) na cap­i­tal e sobre a dire­tora que impediu o acesso de estu­dantes a sala de aula por não calçarem sap­ato preto no Municí­pio de Cidelân­dia, mas nada, abso­lu­ta­mente nada, sobre a denún­cia de que um pro­mo­tor de justiça da cap­i­tal teria “pri­va­ti­zado” uma rua impedindo o acesso dos moradores as suas residên­cias, constrangendo-​as a lon­gos deslo­ca­men­tos a pé a qual­quer hora do dia ou da noite, suposta­mente – aí vai a segunda parte da denún­cia –, para ben­e­fi­ciar empreendi­mento com­er­cial próprio, em nome de ter­ceiros. Tudo errado.

Para com­ple­tar, tive con­hec­i­mento que a asso­ci­ação dos pro­mo­tores lançou uma nota assi­nada pela dire­to­ria em sol­i­dariedade ao promotor.

A impressão que me veio é que fomos sequestrado para um filme de faroeste em que as autori­dades da cidadez­inha empoeirada, do xerife ao juiz, são todas com­pro­meti­das com a cor­rupção e uti­lizam do poder que têm para mas­sacrar o restante da pop­u­lação.

Outra impressão é que pas­samos para as pági­nas de algum de Kafka.

Ora, a denún­cia que sobres­sai no vídeo da con­fusão entre o dep­utado e o pro­mo­tor de justiça, inclu­sive com depoi­men­tos de pop­u­lares da região, é que o pro­mo­tor teria feito um fosso e colo­cado manil­has, impedindo as pes­soas – cidadãos e cidadãs que me pare­ce­ram humildes –, de terem acesso às suas residên­cias, pelo cam­inho mais rápido, obrigando-​as a se deslo­carem por lon­gos per­cur­sos, muitas das vezes sob chuva e com cri­anças de colo, com suas com­pras ou deixando seus veícu­los em ruas próx­i­mas para se arriscarem a cair na vala que lhes impe­dia aces­sar as casas.

Mais, que o pro­mo­tor “pri­va­ti­zara” parte da praia, daí impedir o acesso dos cidadãos, para explo­rar ativi­dade com­er­cial.

Mais, que o pro­mo­tor prati­cou tais abu­sos com a conivên­cia ou apoio mate­r­ial de um del­e­gado de polí­cia.

Bem, meus ami­gos, pode ser que eu esteja ficando louco ou demente, pois não con­sigo achar tais con­du­tas nor­mais, mas sim, que dev­e­riam ser pronta­mente repreen­di­das pelas autoridades.

Pois bem, pas­sa­dos todos esses dias, quase uma sem­ana, não tomamos con­hec­i­mento de nen­huma medida conc­reta do Min­istério Público Estad­ual ou gov­erno estad­ual através da Sec­re­taria de Segu­rança Pública sobre o que pre­ten­dem fazer para apu­rar, respon­s­abi­lizar e punir, se com­pro­vado crimes, os supos­tos infratores, no caso o pro­mo­tor e delegado.

Não vi de tais órgãos uma nota de esclarec­i­mento sobre o ocor­rido.

O assunto “bom­bando” na redes soci­ais, gru­pos de men­sagens, fux­i­cos, con­ver­sas de bares e out­ros meios e o MPMA e a SSP/​MA, fin­gindo que o assunto não é com eles, prin­ci­pal­mente o Min­istério Público que a pre­rrog­a­tiva con­sti­tu­cional de fis­calizar a lei.

Con­sta de forma cristalina na Con­sti­tu­ição Fed­eral: “Art. 129. São funções insti­tu­cionais do Min­istério Público: II — zelar pelo efe­tivo respeito dos Poderes Públi­cos e dos serviços de relevân­cia pública aos dire­itos asse­gu­ra­dos nesta Con­sti­tu­ição, pro­movendo as medi­das necessárias a sua garan­tia; III — pro­mover o inquérito civil e a ação civil pública, para a pro­teção do patrimônio público e social, do meio ambi­ente e de out­ros inter­esses difu­sos e coletivos;”.

Ora, o inciso II, do artigo 129, esta­b­elece ser função insti­tu­cional do Min­istério Público zelar pelo efe­tivo respeito aos dire­itos asse­gu­ra­dos na Con­sti­tu­ição obrigando-​o a pro­mover as medi­das necessárias para sua garan­tia.

Noutra palavras, se um ter­ceiro estivesse prat­i­cando aquilo que foi denun­ci­ado como prática do pro­mo­tor, a vio­lação a dig­nidade das pes­soas, a humil­hação con­tin­u­ada, o cercea­mento ao dire­ito de loco­moção, o Min­istério Público tem o dever insti­tu­cional de agir, tomar providên­cias para fazer ces­sar as práti­cas abusivas.

Aí temos que o autor – ou autores –, dos abu­sos con­tra os cidadãos, humildes ou não, é do Min­istério Público e ergue-​se uma cortina de ensur­de­ce­dor silên­cio.

Como se o Min­istério Público não devesse nen­hum tipo de expli­cação aos cidadãos que pagam os seus gor­dos salários.

E vão além. A asso­ci­ação dos pro­mo­tores – que em tese rep­re­senta todos os pro­mo­tores de justiça do estado – lança uma nota em sol­i­dariedade ao pro­mo­tor que suposta­mente teria cometido abu­sos sem fazer qual­quer ressalva de que tais fatos (ou crimes) devam ser apu­ra­dos com rigor, inclu­sive, quanto ao desvio fun­cional da ativi­dade com­er­cial incom­patível com as funções de pro­mo­tor.

Quer dizer que o promotor/​coronel pode cer­car uma via de acesso, humil­har as pes­soas, tol­her sua liber­dade de loco­moção que na opinião das excelên­cias está tudo muito bem? Daqui a pouco tam­bém vão poder “gri­lar” umas ter­rin­has lá pelas comar­cas onde atuam? Tomar pro­priedades de cidadãos humildes?

Sem­pre tive em conta que o Min­istério Público dev­e­ria ser como a “mul­her de César”, a quem não basta ser hon­esta, mas, tam­bém, pare­cer hon­esta.

O com­por­ta­mento leniente e/​ou cor­po­ra­tivista traz como prin­ci­pal con­se­quên­cia o desre­speito dos cidadãos a tão impor­tante órgão do país. Aliás, é até dis­pen­sável tal obser­vação diante do assis­ti­mos o cenário nacional.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

PS. Em oposição a nota da asso­ci­ação dos pro­mo­tores a Assem­bleia Leg­isla­tiva lançou uma nota de sol­i­dariedade ao dep­utado. Tudo muito cor­po­ra­tivista. É aquilo que dizia papai: “em casa que falta pão…”.