AbdonMarinho - Como no tempo dos coronéis.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Como no tempo dos coronéis.

COMO NO TEMPO DOS CORONÉIS.

Por Abdon Marinho.

EXIS­TIU um tempo no Maran­hão em que os “coro­néis” eram os donos dos votos. Eram eles quem deci­dam, nas suas ter­ras e mesmo municí­pios. as pes­soas que seriam ou não votadas e/​ou eleitas.

Certa vez até con­tei em um dos tex­tos a história de um destes coro­néis durante deter­mi­nada eleição.

O “coro­nel”, escrupu­losa­mente, ia preenchendo as cédu­las e entre­gando uma a uma dev­i­da­mente dobrada para que os “eleitores” da fregue­sia as deposi­tassem na urna que lhe estava à vista dos olhos.

Deter­mi­nado “eleitor” tendo rece­bido a cédula fez menção de abri-​la quando o “coro­nel” o admoestou: — o que você pensa que está fazendo, cabo­clo?

Ao que este respon­deu: — ah, seu “coro­nel”, estou vendo em quem votei.

O coro­nel então retru­cou de pronto: — e você não sabe que o voto é secreto?

Por estes dias deparei-​me com uma situ­ação inusi­tada e semel­hante àquela dos coro­néis «donos dos votos” de outrora.

Tendo rece­bido uma noti­fi­cação para que um dos can­didatos a quem presto asses­so­ria removesse uma pro­pa­ganda irreg­u­lar, con­tactei a direção da cam­panha para que cumprisse a deter­mi­nação do juízo e nos encam­in­hasse a fotografia do ato.

Expi­rando o prazo voltei a ques­tionar a direção da cam­panha de que, até aquele momento, a fotografia com a remoção da pro­pa­ganda não tinha me sido encaminhada.

Foi aí que me foi con­fes­sado o motivo.

Relatou-​me o coor­de­nador da cam­panha que algum eleitor desav­isado colo­cara a pro­pa­ganda e que a direção da cam­panha não tinha como ir lá removê-​la por se tratar de área de domínio de uma facção crim­i­nosa e que esta não estava per­mitindo que alguém fosse lá reti­rar a pro­pa­ganda.

Por incrível que pareça aqui na ilha do Maran­hão e mesmo na cap­i­tal do estado, temos áreas em que o “poder para­lelo” dos traf­i­cantes e facções crim­i­nosas se tornaram “donas” do pedaço dom­i­nando a vida das pes­soas e até mesmo as prefer­ên­cias sobre em quem votar ou não votar, quem pode e quem não pode fazer pro­pa­ganda. Tal qual os coro­néis de antiga­mente.

Mas não pensem os sen­hores que os traf­i­cantes e/​ou fac­ciona­dos estão soz­in­hos neste intento aten­tatório à democ­ra­cia brasileira nes­tas eleições.

O gov­erno estad­ual que se ausenta de tais rincões e per­mite que o crime se instale deixando a pop­u­lação ao aban­dono e aos traf­i­cantes e ou fac­ciona­dos se igualam quando ten­tam por todos os meios, mod­i­ficar ou manip­u­lar a von­tade do eleitorado.

À vista de todos e sem con­strang­i­men­tos, usando o apar­elho do estado, temos os atu­ais gov­er­nantes “tra­bal­hando”, usando, lit­eral­mente, a máquina pública para ben­e­fi­ciar os seus ali­a­dos, em detri­mento das regras bási­cas da democracia.

O que digo, por óbvio, não é uma novi­dade. Já nas eleições de 2016, as primeiras depois do atual gov­erno ser insta­l­ado, tive­mos notí­cias – e denun­ci­amos –, toda sorte de abu­sos prat­i­ca­dos con­tra os adver­sários.

Abu­sos que foram desde a exe­cução de obras eleitor­eiras em diver­sos municí­pios, como asfal­ta­mento, dis­tribuição de títu­los de pro­priedade e tan­tos out­ros, até a pre­sença física e intim­i­datória da força poli­cial con­tra os adversários.

Já nas eleições de 2018, além do “cardá­pio” da eleição ante­rior, revelou-​se à pat­uleia, supos­tos lev­an­ta­men­tos de inteligên­cia sobre a situ­ação política de cada municí­pio com a iden­ti­fi­cação dos “pos­síveis” adver­sários do can­didato à reeleição ao gov­erno e aos demais mem­bros de sua “facção política”.

Até onde se sabe os respon­sáveis ainda não foram dev­i­da­mente punidos.

Mas não pensem que as denún­cias ou repri­men­das éti­cas afe­taram estes novos «coro­néis» na intenção de manip­u­larem a von­tade dos eleitores aos seus interesses.

Se é ver­dade que as dis­putas em grande parte dos inte­ri­ores ocor­rem entre cor­re­li­gionários das facções que apoiam o atual gov­erno e por isso a ação estatal dire­cionada con­tra este ou aquele can­didato torna-​se menos osten­siva o mesmo não ocorre em relação à dis­puta eleitoral na capital.

Na cap­i­tal – uma espé­cie de jóia da coroa –, o gov­erno estad­ual até aqui­esceu com a for­mação de um con­sór­cio de can­didatos entre as várias facções políti­cas uma vez que os inte­grantes do tal con­sór­cio foram ou pos­suem lig­ações com o gov­er­nante e para os quais não pou­cas vezes derramaram-​se elo­gios, que no pleitos fazem questão de expor.

Com­preen­sível que o gov­er­nante, emb­ora fil­i­ado a um par­tido não tenha, desde o iní­cio, vestido a camisa de um can­didato especí­fico, muito emb­ora tenha autor­izado ou lib­er­ado o sec­re­tari­ado para que o fizesse.

Um secretário, inclu­sive, disse com todas as letras e vír­gu­las que nada do que estava fazendo era fato oculto do man­datário.

É assim que temos secretários de estado inau­gu­rando obras em bene­fí­cios de can­didatos, par­tic­i­pando de comí­cios e até ameaçando de prisão os adversários.

Mas não prom­e­teram, lá atrás, que iriam lib­er­tar o Maran­hão dos quase cinquenta anos de atraso?

Outro dia assisti, estar­recido, a divul­gação de uma reunião de secretários de estado – que dev­e­riam se darem ao respeito –, em apoio a um dos can­didatos do con­sór­cio governista.

Assisti, em plena pan­demia, secretários de estado par­tic­i­parem de comí­cios de can­didatos nas quais se aglom­er­avam mil­hares de pes­soas, na maior naturalidade.

Assisti a um secretário de segu­rança dizer em pleno palanque que «pren­de­ria” os adver­sários caso alguma anor­mal­i­dade ocor­resse con­tra o seu can­didato.

Emb­ora se possa dizer que os secretários de estado não estavam em horário de expe­di­ente e, por­tanto, legí­tima a sua par­tic­i­pação política, trata-​se de man­i­fes­tações em que levam a força e o pode­rio estatal para dese­qui­li­brar o pleito eleitoral.

O mais grave, entre­tanto, é ver que o próprio gov­er­nador, eleito com a promessa de mudar os vel­hos cos­tumes, não ape­nas faz pior que os seus ante­ces­sores – e aí nem me refiro ao grupo Sar­ney, que diante do que vejo, comportavam-​se como lordes –, como ressus­cita o velho coro­nelismo dos tem­pos de Vitorino Freire, o tris­te­mente famoso vitorin­ismo.

Os atu­ais gov­er­nantes do estado, pelo que vejo, perderam a noção de lim­ites – e aqui não me refiro ape­nas aos lim­ites entre o que podem ou não fazer –, mas, tam­bém, a com­preen­são do que seja um com­por­ta­mento ético numa cam­panha eleitoral, uma evolução moral tanto pre­gada como dese­jada pelos homens de bem.

O mau exem­plo vem “de cima”. O gov­er­nador não sat­is­feito «ape­nas” em gravar vídeos a favor de seus “preferi­dos” ou per­mi­tir que façam uso de sua imagem, nos últi­mos dias retirou a “más­cara” da impar­cial­i­dade para atacar aque­les que con­sid­era seus adver­sários.

Mal­ograda a estraté­gia do con­sór­cio de can­didatos, vez que os ataques dos seus inte­grantes ao «adver­sário comum” não foram sufi­cientes para retirá-​lo da dis­puta, pas­saram a se atacarem mutu­a­mente, cada um pleit­e­ando a pos­si­bil­i­dade de ir ao segundo turno com ele.

Ao lado disso, escol­heram uma cabo eleitoral de “peso” para ajudá-​los: o próprio gov­er­nador.

A des­culpa de sua excelên­cia para reti­rar a “más­cara” de democ­rata e vestir-​se nos tra­jes de Vitorino Freire, foram supos­tos ataques que seu gov­erno teria rece­bido na gestão da CAEMA, a Com­pan­hia de Águas e Sanea­mento, da parte do can­didato adversário.

Ora, pelo que tenho acom­pan­hado, o que o assim nomeado «inimigo número um”, o I-​Jucá Pirama, do atual gov­erno, fez, foi tão somente, defender-​se dos ataques dos inte­grantes do con­sór­cio gov­ernista, que, desde o iní­cio da cam­panha, elegeram como ponto de ataque, a sua gestão frente a CAEMA, fato ocor­rido há 15 anos.

Na defesa, o can­didato pon­tuou isso, além de autoelogiar-​se, como é de se esperar, e mostrou que os prob­le­mas daquela empresa, pas­sa­dos tan­tos anos, na atual gestão, con­tin­uam maiores do que naquela época.

Qual é a inver­dade disso?

As lín­guas negras avançam para o mar em quase toda exten­são da orla; os rios da ilha tonara-​se esgo­tos a céu aberto; o atendi­mento à pop­u­lação, prin­ci­pal­mente a de baixa renda, con­tinua precário.

O can­didato não disse, mas pode­ria dizê-​lo, sem medo de errar, que o atual gov­erno estad­ual piorou quase todos os indi­cadores soci­ais do Maran­hão, inclu­sive o do aumento da pobreza extrema, que já eram sofríveis.

A situ­ação do Maran­hão é de retro­cesso abso­luto, inclu­sive, nas práti­cas polit­i­cas em que os gov­er­nantes se esmeram em copiar práti­cas de mais de cinquenta anos atrás, ombreando-​se com os mili­cianos e traf­i­cantes na estraté­gia de dom­inarem ter­ritórios.

Se aque­les, os mili­cianos e traf­i­cantes, fazem uso das armas para impedi­rem o acesso das pes­soas as suas áreas de influên­cia e as manip­u­larem, o gov­erno estad­ual, utiliza-​se de um exército de incon­táveis “jagunços”digitais, todos de alguma forma, a soldo dos cofres públi­cos, para destruir a honra e a história dos seus adver­sários – ou inimi­gos, que é a forma como os tratam.

O legado do atual gov­erno para o futuro é como um verso de Cazuza: “vejo o futuro repe­tir o pas­sado, vejo um museu de grandes novidades”.

Abdon Mar­inho é advogado.