SOBRE INCOERÊNCIAS E OPORTUNISMOS.
Por Abdon C Marinho.
PARTICIPEI da primeira eleição ainda menino. Foi em 1982, no meu município, os candidatos, ainda lembro, eram os senhores Chico Dias e João Afonso. Perfilei-me ao lado do primeiro e fui um militante aguerrido participando de eventos de campanha, comícios ou mesmo apenas expressando minhas opiniões a favor do meu candidato e contra o candidato adversário.
O som que embalava a campanha – e acho que cem por cento das campanhas daquele ano –, era “morena tropicana”, de Alceu Valença, lançada naquele ano, no disco Cavalo de Pau, como bem pontuou o amigo Max Harley em uma das nossas viagens; o carro de som ia na frente chamando e lá íamos para as passeatas e comícios. Em jogo um mandato de oito anos.
Perdemos a eleição, mas mantemos a coerência.
Já em 1985, mudei-me para a capital – como tantos outros –, em busca de melhor educação para o ensino médio e uma possível faculdade. Estudando no Liceu Maranhense e, depois de muito esforço e alguns vestibulares, ingressei na UFMA, onde fiz o curso de direito.
Neste período iniciei pela militância estudantil participando ativamente dos movimentos pela criação de grêmios estudantis – uma conquista com o fim da ditadura –, e de inúmeras outras pautas como o movimento pela constituinte.
Em 1991 ingressei no PSB de onde sai no ano passado (2021), depois de 30 anos. Alguns amigos, com certa maledicência, dizem que bastou alguns “novos socialistas” ingressarem por uma porta para que saísse pela outra.
Apesar da coincidência, uma coisa nada tem a ver com outra. Saí bem antes e por outras motivações que nada têm a ver com o quadro sucessório atual.
Pois bem, faço este retrospecto apenas para dizer que desde o início da minha “militância” política sempre procurei manter um certo nível de coerência.
Não que ache que opiniões sejam imutáveis ou que as pessoas não possam “mudar de lado”, não pelo contrário, como dizia Ulysses Guimarães, “apenas os muitos tolos são incapazes de mudar”.
O que acho, entretanto, é que mudanças de rumos, alianças, devem guardar coerência com o que sempre se pregou ou que se faça uma autocrítica admitindo-se que a posição anterior estava equivocada.
A ausência disso atende pelo nome de oportunismo.
Os últimos tempos na política estadual assistimos a incontáveis exemplos de incoerências e oportunismos. Ás vezes, além do ato em si, mais incoerente e oportunista é a crítica ao mesmo.
Vejamos um exemplo que tem “rendido” comentários nos últimos dias.
O MDB legenda que abriga a família Sarney decidiu-se por apoiar a reeleição do atual governador e para o Senado da República, o ex-governador Flávio Dino, que historicamente (?) fez carreira com críticas ao grupo Sarney e contra quem a ex-governadora Roseana Sarney competiu nas eleições ocorridas quatro anos antes.
A decisão partidária tem “rendido editoriais” interessantes.
As críticas mais contundentes, parece-me, não têm sido ao partido por ter apoiado o grupo “adversário” mas ao grupo político outrora crítico do grupo Sarney que agora fez aliança com o mesmo, como a dizer que os “apoiados” são traidores de uma “causa” por aceitarem o apoio dos “apoiadores”.
Muitos dos críticos, registre-se, nas eleições de 2020, estiveram “sentando praça” atrás do apoio dos Sarney para os seus candidatos.
Achei (acho) engraçada tal discussão. Primeiro, por nunca ter visto em tantos anos de militância política, alguém recusar apoio de quem quer que seja por “amor a coerência”. Segundo, porque a cobrança por coerência política chega com, pelo menos, três anos de atraso.
Foi em julho de 2019 que escrevi o texto “Sarney & Dino e o acordo que não ousa dizer o nome”. Alguns amigos, com cerca malícia, disseram que o título seria uma corruptela do poema “O amor que não ousa dizer seu nome”, cujo título original é Two Loves (Dois Amores), escrito por Lord Alfred Douglas, o amante do genial Oscar Wilde, em setembro de 1892.
No texto falava da aliança entre os dois grupos políticos até então rivais.
Antes e depois do texto que retratou publicamente a primeira tertúlia entre os líderes dos dois grupos já tinha narrado outros momentos políticos entre eles, como, em 1984/85 em que o “menino” Flávio, esteve pragmaticamente ao lado de Sarney por ocasião da campanha das “Diretas já” e votação da chapa Tancredo/Sarney no Colégio Eleitoral ou a tentativa frustrada de reingresso do então juiz federal na política na virada e início dos anos 2000.
Já no início dos anos dois mil cogitou-se uma aliança como esta que alguns acham “estranha”. E devo acrescentar que se não deu certo foi porque o grupo Sarney não topou naquela oportunidade.
Mas a política é dinâmica, tanto assim, que hoje Sarney é um dos principais articulista do Jornal Pequeno. Quem poderia imaginar algo assim, há vinte, dez ou cinco anos? (Acho que tal assunto pede um textão, não acham?).
Em outras palavras, os Sarney e os Dino sempre estiveram bem próximos – isso vem de longas datas, gerações.
Quis o destino que o “debut” de Dino na política se desse pelas mãos e patrocínio de José Reinaldo Tavares quando este já estava rompido com o grupo Sarney – de quem se reaproximou nos últimos anos –, mas nunca cultivaram posições inconciliáveis.
As “tímidas” e raras vezes que Dino criticou o grupo Sarney – e não lembro de nenhuma, exceto as ditas nos calores das eleições –, ocorreram quando Sarney era presidente e quando disputou as eleições de 2010, 2014, 2018. Já em 2019, repito, estavam em plena “tertúlia” de aproximação, como narrei no texto referido e em tantos outros.
Muitos não conhecem ou conhece pouco da história política do Maranhão, por isso pinçam palavras para alardear as incoerências inexistentes.
Ora, se estava cristalino o acordo celebrado em 2019, como falar em incoerência agora quando ele se concretizou com a chapa formada?
A incoerência neste caso é daqueles que silenciaram esperando tirar alguma “casquinha” do acordo Sarney/Dino e agora sentem-se frustrados por não terem alcançado seus intentos.
Estes mesmos, também, nada disseram quando o governo comunista passou a tratar o conglomerado de comunicação dos Sarney bem melhor do que tratava o próprio governo Roseana.
Foram três anos de obsequioso silêncio. Como falar agora em incoerência?
E assim se sucedem os exemplos de incoerência e oportunismos.
Outro dia tomei conhecimento que determinado candidato, indignado com a fome do povo maranhense, ingressara ou tencionava ingressar com ação na Justiça contra uma fausta licitação para abastecer a cozinha do Palácio dos Leões.
Com os meus botões fiquei a pensar, mas esse (e outros) não é o mesmo que passou os últimos anos (mais de sete) ignorando inúmeras outras licitações para a comilança dos palacianos e, possivelmente, se fartando delas também? Só agora percebe que o povo maranhense passa fome? Nunca lhe ocorreu que o fato de sessenta por cento da população não ter o que comer encontra-se diretamente relacionado à fartura e à riqueza dos seus representantes, muitos deles tendo “enricado” na vida pública?
Me socorre perguntar onde estava este povo nos últimos anos que não viram tudo que vinha ocorrendo e que agora, “do nada” passaram a enxergar os “malfeitos” e a terem a solução para tudo.
Onde estavam? Por que de suas tribunas e trincheiras nunca abriram a boca para dizerem nada contra a fome do povo, contra a falta de produção, contra o atraso econômico, contra o excesso de impostos e tantas outras mazelas que nos atormenta?
Um dos assuntos da atualidade – além da fome do povo –, que mais desperta críticas é o sistema de transporte aquaviário, os ferry-boat.
As críticas são tantas – e não digo que não sejam justas –, que não duvido se muitos esfreguem as mãos torcendo por uma tragédia.
Pois bem, conforme resgatei em um texto anterior, há mais de dez anos que o sistema apresenta problemas, assim como as estradas (estaduais e federais) são de péssima qualidade. Neste tempo, maioria dos que hoje criticam, estavam ou eram sócios do poder, por que nunca disseram nada? Por que fingiram que o problema não existia? Só agora passaram a enxergar problemas que sempre estiveram à vista de todos?
Registre-se, ainda, que se tivesse “vingado” a continuidade da aliança que os levou ao poder em 2014 e que os manteve no poder em 2018, os maranhenses continuariam a passar fome, a sofrer todo tipo de mazelas enquanto estes mesmos que reclamam estariam, solenemente, ignorando-os e se fartando nos banquetes oferecidos no palácio fruto dos nossos suados impostos.
Como se diz, o que falta de coerência sobra de oportunismos.
Abdon C. Marinho é advogado.