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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Terça-feira, 05 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

A grandeza de Marina.

Por Abdon C. Marinho.

POR ESTES dias pus-me a pensar em Marina. Até a letra da canção de Caymmi, do nada comecei a cantarolar quase que diariamente: 

“Marina, morena

Marina, você se pintou

Marina, você faça tudo

Mas faça um favor

Não pinte esse rosto que eu gosto

Que eu gosto e que é só meu

Marina, você já é bonita

Com o que deus lhe deu

Me aborreci, me zanguei

Já não posso falar

E quando eu me zango, marina

Não sei perdoar

Eu já desculpei muita coisa

Você não arranjava outra igual

Desculpe, marina, morena

Mas eu tô de mal”.

Por óbvio que a motivação para escrever não tem como inspiração a musa imortalizada por  Caymmi, mas, sim, a politica brasileira, Marina Silva. 

A razão para isso foi ter assistido, há alguns dias, aquela politica acreana, que agora, salvo engano, concorre a uma vaga à Câmara dos Deputados pelo Estado de São Paulo, reunir-se e declarar apoio à campanha eleitoral do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. 

Como dizem meus sobrinhos, “quem vê foto não vê corre”, daí acreditar no imenso simbolismo daquela declaração de apoio ao senhor Lula – que depois dela colecionou diversos outros apoios de figuras importantes dos meios artístico, político, jurídico, etc., até diversos ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal (STF), sempre discretos, saíram de suas zonas de conforto para declarar apoio ao ex-presidente, já o fazendo, como “voto útil”, no primeiro turno das eleições. 

Mas foi Marina, pelo menos até onde identifiquei, a primeira a fazer o gesto.

E foi este gesto, por todos os seus significados, que me motivou a escrever este segundo texto sobre Marina Silva.

Sim, para os que não lembram, em um setembro, como este que acaba de findar, que, há oito anos, escrevi sobre a politica.

Marina era a candidata a vice-presidente na chapa de Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco.

Com o falecimento de Gomes em plena campanha eleitoral, em 13 de agosto, Marina foi alçada a condição de candidata titular à presidência da república, pelo Partido Socialista Brasileiro - PSB, disputando, em condições de igualdade, com a então presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores - PT e com o tucano Aécio Neves, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB. 

Marina aparecia muito bem nas pesquisas eleitorais, com chances reais de superar os dois opoentes e torna-se a presidente da república quando começou a sofre a maior campanha de destruição de imagem já posta em prática contra uma pessoa. 

Ela foi acusada de tudo, até de ser mulher, negra, ter origem humilde, ser evangélica, ser ambientalista. 

Tudo em um viés a destruir sua imagem perante a sociedade.

À ausência de provas de quaisquer “malfeitos” frente aos cargos que ocupou era substituída pela ilação, contra ela, contra um parente, contra alguém próximo. 

A intenção era apenas uma: destruir sua imagem e com isso inviabilizar sua candidatura. 

Em uma das peças de campanha mais duras e infamantes daquela eleição, induziam os cidadãos/eleitores a pensar que caso ela fosse eleita a comida iria “sumir” da mesa do cidadão. 

Todos os dias a artilharia pesada se voltava contra a então candidata socialista. 

O pior de tudo e o que tornava mais penosa a sua defesa, era saber que os artificies de tal campanha para destruir a reputação da candidata eram seus “companheiros” de uma vida inteira de lutas. 

À época noticiou-se que Marina chorou quando soube que umas das pessoas que estariam por trás de insidiosa campanha e que falara mal dela, era o ex-presidente Lula, um companheiro de toda uma vida politica, desde os tempos de enfrentamento dos grileiros e destruidores da Amazônia, nos anos oitenta. 

O PT e seus aliados conseguiram destruir a campanha de Marina Silva e foram para o segundo turno contra Aécio Neves, vencendo por margem estreita de votos e dando no que deu.

Foi durante a campanha insidiosa contra a candidata, contra a cidadã, contra a mulher, contra uma preta, contra uma evangélica, contra uma ambientalista reconhecida mundialmente, que escrevi o texto “O ódio contra Marina”, publicado em 14 de setembro de 2014, denunciando toda a violência praticada.

Em 2018, Marina tentou mais uma vez à presidência da república, sem êxito, o ambiente politico já dominado pelo ódio, como agora, já não admitia qualquer outra candidatura que não fosse o “nós contra eles”. 

Uma candidata como Marina não teria – como não teve –, qualquer chance, ficando atrás, inclusive do obscuro e histriônico cabo Dalcíolo – quem é mesmo esse cidadão? O que já fez pelo país?

Os ignorantes escolhem os seus iguais, diz o ditado.

Ignorada ou tratada com pouco caso no Brasil, Marina Silva é uma das ambientalistas mais respeitadas em todo o mundo. 

Recente em um congresso realizado em Portugal, quando o presidente daquela nação-irmã, Marcelo Rebelo Sousa, anunciou a presença de Marina, o auditório em peso levantou-se para aplaudi-la de pé. 

No texto escrito em 2014 explico que uma das razões do ódio que dispensavam a Marina naquela oportunidade, além da briga do “poder pelo poder”, tinha, também, como pano de fundo, o fato daqueles que que a atacavam jamais terem conseguido conquistar a respeitabilidade e o prestígio daquela mulher que fez-se grande pelos próprios esforços. 

Uma camponesa que foi empregada doméstica, alfabetizada já adulta, que conquistou mandatos populares, inclusive, o de senadora da república, e que tornou-se reconhecida internacionalmente por sua luta em defesa do meio ambiente, desde os tempos em que defender a natureza era coisa de “ecochatos” ou de pessoas que “não tinham o que fazer”. 

O gesto de Marina Silva, em reconhecendo a gravidade do momento histórico, superar tudo que lhe fizeram e entender que o presente e o futuro são mais importantes que os equívocos e injustiças do passado, a fazem bem maior que quaisquer dos seus detratores de 2014, de antes disso e de depois. 

Acredito que grande parte dos petistas ou mesmo dos aliados de Marina não tenham se dado conta do importante gesto histórico ela praticou quando aceitou receber o ex-presidente Lula e declarar-lhe apoio no atual pleito eleitoral. 

Como diz o antigo adágio que, inclusive, tornou-se letra de música: “quem bate esquece, quem apanha lembra”. 

Ao passar por cima de tudo que lhe fizeram em nome de interesse maior – que no seu caso, muito longe passa de ser pessoal –, Marina revela-se muito além de uma politica, que poderíamos escrever com “p” maiúsculo, uma líder de estatura dos grandes que foram decisivos para a civilização.

Guardadas as devidas proporções, o “fato político” lembrou-me do ocorrido com Luis Carlos Prestes, preso pela ditadura de Vargas sob o falso argumento de que tentara um golpe para implantar uma ditadura comunista no Brasil. 

Prestes foi preso, teve a esposa grávida Olga Benário extraditada para a Alemanha onde veio a morrer em 23 de abril de 1942, no Campo de Extermínio de Bernburg. 

No dia que Prestes foi solto ele participou de um comício ao lado de Getúlio Vargas, o ditador que o encarcerou e extraditou sua esposa. 

Em 1988, no auditório da Biblioteca Benedito Leite, centro de São Luís, ainda estudante secundarista, perguntei a Prestes como tinha sido aquela “experiência”. 

Com a voz já baixa e cansada da longa viagem e do peso dos anos ele respondeu: –– naquela ocasião tínhamos um mal maior a enfrentar. Bem maior que quaisquer outro sentimento ou interesse pessoal.

Como dito acima, guardadas as proporções e gravidades, o gesto de Marina ao superar tudo que lhe fizeram no passado, notadamente em 2014, a coloca no patamar dos grandes líderes que conseguem enxergar além dos interesses pessoais ou dos próprios sentimentos.

Abdon C. Marinho é advogado.