AbdonMarinho - A grandeza de Marina.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quarta-​feira, 08 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A grandeza de Marina.

A grandeza de Marina.

Por Abdon C. Marinho.

POR ESTES dias pus-​me a pen­sar em Marina. Até a letra da canção de Caymmi, do nada come­cei a can­taro­lar quase que diari­a­mente:

Marina, morena

Marina, você se pintou

Marina, você faça tudo

Mas faça um favor

Não pinte esse rosto que eu gosto

Que eu gosto e que é só meu

Marina, você já é bonita

Com o que deus lhe deu

Me abor­reci, me zanguei

Já não posso falar

E quando eu me zango, marina

Não sei perdoar

Eu já des­culpei muita coisa

Você não arran­java outra igual

Des­culpe, marina, morena

Mas eu tô de mal”.

Por óbvio que a moti­vação para escr­ever não tem como inspi­ração a musa imor­tal­izada por Caymmi, mas, sim, a polit­ica brasileira, Marina Silva.

A razão para isso foi ter assis­tido, há alguns dias, aquela polit­ica acre­ana, que agora, salvo engano, con­corre a uma vaga à Câmara dos Dep­uta­dos pelo Estado de São Paulo, reunir-​se e declarar apoio à cam­panha eleitoral do ex-​presidente Luis Iná­cio Lula da Silva.

Como dizem meus sobrin­hos, “quem vê foto não vê corre”, daí acred­i­tar no imenso sim­bolismo daquela declar­ação de apoio ao sen­hor Lula – que depois dela cole­cio­nou diver­sos out­ros apoios de fig­uras impor­tantes dos meios artís­tico, político, jurídico, etc., até diver­sos min­istros aposen­ta­dos do Supremo Tri­bunal Fed­eral (STF), sem­pre dis­cre­tos, saíram de suas zonas de con­forto para declarar apoio ao ex-​presidente, já o fazendo, como “voto útil”, no primeiro turno das eleições.

Mas foi Marina, pelo menos até onde iden­ti­fiquei, a primeira a fazer o gesto.

E foi este gesto, por todos os seus sig­nifi­ca­dos, que me motivou a escr­ever este segundo texto sobre Marina Silva.

Sim, para os que não lem­bram, em um setem­bro, como este que acaba de findar, que, há oito anos, escrevi sobre a politica.

Marina era a can­di­data a vice-​presidente na chapa de Eduardo Cam­pos, ex-​governador de Pernambuco.

Com o falec­i­mento de Gomes em plena cam­panha eleitoral, em 13 de agosto, Marina foi alçada a condição de can­di­data tit­u­lar à presidên­cia da república, pelo Par­tido Social­ista Brasileiro — PSB, dis­putando, em condições de igual­dade, com a então pres­i­dente Dilma Rouss­eff, can­di­data à reeleição pelo Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT e com o tucano Aécio Neves, can­didato do Par­tido da Social Democ­ra­cia Brasileira — PSDB.

Marina apare­cia muito bem nas pesquisas eleitorais, com chances reais de superar os dois opoentes e torna-​se a pres­i­dente da república quando começou a sofre a maior cam­panha de destru­ição de imagem já posta em prática con­tra uma pes­soa.

Ela foi acu­sada de tudo, até de ser mul­her, negra, ter origem humilde, ser evangélica, ser ambi­en­tal­ista.

Tudo em um viés a destruir sua imagem per­ante a sociedade.

À ausên­cia de provas de quais­quer “malfeitos” frente aos car­gos que ocupou era sub­sti­tuída pela ilação, con­tra ela, con­tra um par­ente, con­tra alguém próx­imo.

A intenção era ape­nas uma: destruir sua imagem e com isso invi­a­bi­lizar sua can­di­datura.

Em uma das peças de cam­panha mais duras e infamantes daquela eleição, induziam os cidadãos/​eleitores a pen­sar que caso ela fosse eleita a comida iria “sumir” da mesa do cidadão.

Todos os dias a artil­haria pesada se voltava con­tra a então can­di­data social­ista.

O pior de tudo e o que tor­nava mais penosa a sua defesa, era saber que os arti­fi­cies de tal cam­panha para destruir a rep­utação da can­di­data eram seus “com­pan­heiros” de uma vida inteira de lutas.

À época noticiou-​se que Marina chorou quando soube que umas das pes­soas que estariam por trás de insidiosa cam­panha e que falara mal dela, era o ex-​presidente Lula, um com­pan­heiro de toda uma vida polit­ica, desde os tem­pos de enfrenta­mento dos grileiros e destru­idores da Amazô­nia, nos anos oitenta.

O PT e seus ali­a­dos con­seguiram destruir a cam­panha de Marina Silva e foram para o segundo turno con­tra Aécio Neves, ven­cendo por margem estre­ita de votos e dando no que deu.

Foi durante a cam­panha insidiosa con­tra a can­di­data, con­tra a cidadã, con­tra a mul­her, con­tra uma preta, con­tra uma evangélica, con­tra uma ambi­en­tal­ista recon­hecida mundial­mente, que escrevi o texto “O ódio con­tra Marina”, pub­li­cado em 14 de setem­bro de 2014, denun­ciando toda a vio­lên­cia praticada.

Em 2018, Marina ten­tou mais uma vez à presidên­cia da república, sem êxito, o ambi­ente politico já dom­i­nado pelo ódio, como agora, já não admi­tia qual­quer outra can­di­datura que não fosse o “nós con­tra eles”.

Uma can­di­data como Marina não teria – como não teve –, qual­quer chance, ficando atrás, inclu­sive do obscuro e histriônico cabo Dal­cíolo – quem é mesmo esse cidadão? O que já fez pelo país?

Os igno­rantes escol­hem os seus iguais, diz o ditado.

Igno­rada ou tratada com pouco caso no Brasil, Marina Silva é uma das ambi­en­tal­is­tas mais respeitadas em todo o mundo.

Recente em um con­gresso real­izado em Por­tu­gal, quando o pres­i­dente daquela nação-​irmã, Marcelo Rebelo Sousa, anun­ciou a pre­sença de Marina, o auditório em peso levantou-​se para aplaudi-​la de pé.

No texto escrito em 2014 explico que uma das razões do ódio que dis­pen­savam a Marina naquela opor­tu­nidade, além da briga do “poder pelo poder”, tinha, tam­bém, como pano de fundo, o fato daque­les que que a ata­cavam jamais terem con­seguido con­quis­tar a respeitabil­i­dade e o prestí­gio daquela mul­her que fez-​se grande pelos próprios esforços.

Uma cam­ponesa que foi empre­gada domés­tica, alfa­bet­i­zada já adulta, que con­quis­tou mandatos pop­u­lares, inclu­sive, o de senadora da república, e que tornou-​se recon­hecida inter­na­cional­mente por sua luta em defesa do meio ambi­ente, desde os tem­pos em que defender a natureza era coisa de “ecochatos” ou de pes­soas que “não tin­ham o que fazer”.

O gesto de Marina Silva, em recon­hecendo a gravi­dade do momento histórico, superar tudo que lhe fiz­eram e enten­der que o pre­sente e o futuro são mais impor­tantes que os equívo­cos e injustiças do pas­sado, a fazem bem maior que quais­quer dos seus detra­tores de 2014, de antes disso e de depois.

Acred­ito que grande parte dos petis­tas ou mesmo dos ali­a­dos de Marina não ten­ham se dado conta do impor­tante gesto histórico ela prati­cou quando aceitou rece­ber o ex-​presidente Lula e declarar-​lhe apoio no atual pleito eleitoral.

Como diz o antigo adá­gio que, inclu­sive, tornou-​se letra de música: “quem bate esquece, quem apanha lem­bra”.

Ao pas­sar por cima de tudo que lhe fiz­eram em nome de inter­esse maior – que no seu caso, muito longe passa de ser pes­soal –, Marina revela-​se muito além de uma polit­ica, que poderíamos escr­ever com “p” maiús­culo, uma líder de estatura dos grandes que foram deci­sivos para a civilização.

Guardadas as dev­i­das pro­porções, o “fato político” lembrou-​me do ocor­rido com Luis Car­los Prestes, preso pela ditadura de Var­gas sob o falso argu­mento de que ten­tara um golpe para implan­tar uma ditadura comu­nista no Brasil.

Prestes foi preso, teve a esposa grávida Olga Benário extra­di­tada para a Ale­manha onde veio a mor­rer em 23 de abril de 1942, no Campo de Exter­mínio de Bern­burg.

No dia que Prestes foi solto ele par­ticipou de um comí­cio ao lado de Getúlio Var­gas, o dita­dor que o encar­cerou e extra­di­tou sua esposa.

Em 1988, no auditório da Bib­lioteca Bened­ito Leite, cen­tro de São Luís, ainda estu­dante secun­darista, per­gun­tei a Prestes como tinha sido aquela “exper­iên­cia”.

Com a voz já baixa e cansada da longa viagem e do peso dos anos ele respon­deu: –– naquela ocasião tín­hamos um mal maior a enfrentar. Bem maior que quais­quer outro sen­ti­mento ou inter­esse pessoal.

Como dito acima, guardadas as pro­porções e gravi­dades, o gesto de Marina ao superar tudo que lhe fiz­eram no pas­sado, notada­mente em 2014, a coloca no pata­mar dos grandes líderes que con­seguem enx­er­gar além dos inter­esses pes­soais ou dos próprios sentimentos.

Abdon C. Mar­inho é advogado.