BOLSONARO ENSAIA PARA O IMPEACHMENT – OU PARA O GOLPE.
Por Abdon Marinho.
EMBORA todas as atenções estivessem dedicadas à divulgação do conteúdo do vídeo da reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril – que integra o acervo probatório do inquérito que apura suposta tentativa de interferência do presidente da República na Polícia Federal –, por decisão do ministro-decano do Supremo Tribunal Federal - STF, Celso de Melo, que suspendeu o sigilo daquela prova, no dia 22 de maio, os fatos mais delicados e graves ocorridos naquele mesmo dia, foram uma nota do ministro do gabinete segurança institucional, Augusto Heleno e uma entrevista/declaração, sem pé nem cabeça, do presidente da República.
As duas coisas, naquela ocasião eram frutos da ignorância do governo – presidente e seu general/ministro –, que desconheciam ou fingiam desconhecer o funcionamento das instituições republicanas – mesmo as mais elevadas.
Depois, a ignorância, confirmando aquele ditado de um querido amigo de que “até perna quebrada pega”, tomou de conta de todo o governo e dos seus aliados e aduladores.
Todos repetindo a tolice que o ministro Celso de Mello iria requisitar o telefone celular do presidente da República.
Ora, o que aconteceu foi que os partidos de oposição solicitaram ao ministro/relator do processo, Celso de Mello a apreensão do celular do presidente e de um dos filhos. Os partidos não são parte do tal processo, mas o relator, do ponto de vista processual, não pode simplesmente ignorar uma petição sem ouvir o Ministério Público, este, sim, parte do processo. Foi o que deu.
Foi preciso que o próprio gabinete do ministro viesse a esclarecer o óbvio ao governo e à sua “torcida”, que reiteradamente, promove atos contra o Supremo e o Congresso Nacional.
A nota do general/ministro da segurança institucional, que soube-se depois, contou o endosso do ministro da defesa, foi um claro sinal de uma ruptura democrática, ainda mais porque pareceu induzir ao presidente que as Forças Armadas do país estão “com o presidente”, e não com a Constituição e a ordem institucional.
Aquela notinha infeliz de não mais que três ou quatro parágrafos induziram o presidente a ir para a porta do palácio desafiar o STF e dizer que não entregaria seu celular ou nos dias seguintes dizer que “ordens judiciais absurdas não deveriam ser cumpridas”.
Mas, é o presidente que possui a capacidade de dizer que essa ou aquela decisão judicial é absurda?
Mais, de onde saiu ou quem inventou essa tolice de que as Forças Armadas é o “poder moderador” da República?
Embora o ministro general Heleno, acredito que depois de ter percebido o estrago que provocou, tenha ido à porta do palácio dizer que ninguém está pensando em ruptura institucional, que isso é tolice, etc., a verdade é que a “gangue de aloprados” que cerca o presidente – e a quem ele ouve –, pensa, sim, em um golpe para mantê-lo no poder. Um dos filhos, inclusive, já confessou isso de viva-voz, disse que a ruptura não é mais um se e sim quando.
Daí a questão que se coloca para o país em plena emergência sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus: o Brasil terá um novo impeachment ou teremos um golpe com os militares fechando o Congresso Nacional e órgãos do Poder Judiciário?
Qual ou quando se dará o estopim para uma ou outra coisa?
Tenho por mim que a ruptura – com os dois caminhos possíveis: impeachment ou golpe –, ocorrerá com o descumprimento de alguma ordem judicial (absurda ou não), conforme já demonstrado pelo próprio presidente da República, por algumas pessoas do núcleo militar e pelo núcleo ideológico do governo.
Voltemos à nota de ameaça do GSI e a declaração do presidente da República de que não entregaria o celular caso fosse requisitado pela justiça.
Ora, a primeira coisa que devemos ter em mente é que a Constituição Federal, já no seu artigo 5º, assenta: “todos são iguais perante a lei”, lá não diz que presidente ou qualquer outro é mais “igual” ou que está fora das mesmas imposições às quais se impõe aos demais brasileiros.
Isso quer dizer se, diante de indícios ou provas, de que eu, você ou quem quer seja cometeu ou está cometendo um ilícito, a autoridade judiciária, através de decisão fundamentada, pode determinar quebras de sigilos, ou mesmo requisitar apreensão de telefones ou computadores.
O presidente é o primeiro servidor da nação, ele deve zelar para que às instituições republicanas funcionem de forma regular.
E se a Constituição diz que todos nós, cidadãos, somos iguais, logo, todos podem/devem receber igual tratamento.
Aliás, no artigo 78 da Carta, consta: “O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”.
Logo, é de se presumir que presidente saiba que tem o dever de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis e promover o bem geral do povo brasileiro, dentre outras coisas.
O presidente deixar de cumprir uma decisão – ou mesmo incitar seus liderados para que façam isso –, viola esse compromisso.
E não só é motivo para decretação do impeachment, nos termos do que estabelece o artigo 85: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: …VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.
Ele, nem ninguém, está acima da Constituição, muito pelo contrário, o presidente, mais do que qualquer outro tem dever de lhe observar fielmente, ainda que seja para entregar ou celular ou cumprir “decisões judiciais que considera absurdas”, porque não é ele que pode dizer se a ordem é absurda ou não.
O presidente e qualquer outro cidadão, têm o direito e o dever de recorrerem de uma decisão judicial se dela discordam.
E se acha que um ou outro ministro do Supremo Tribunal Federal - STF, está cometendo algum crime de responsabilidade, o caminho é pedir o seu impeachment ao Senado Federal.
O que quero dizer com isso, é que dentro da lei e das balizas da Constituição existem os caminhos e os remédios jurídicos para serem adotados em qualquer circunstância.
O que não pode é governo da República agir como uma gangue de aloprados.
Será que não basta a paranóia em torno do fantasma comunista? A defesa do terraplanismo? A estética nazista e tantas outras loucura que revelam mais ignorância do que qualquer outra coisa?
Pessoalmente considero o famoso inquérito da “Fakes News”, ilegal, conforme já assentei aqui, no texto “SUPREMO BAIXA SEU AI Nº. 5 E AÇULA OS CENSORES”, de abril de 2019, mas o caminho do presidente ou de quem quer seja não é confrontar o tribunal e, sim, representar pelo impeachment do ministro ou dos ministros que tenham incorridos em falha, junto ao Senado da República, conforme manda a Constituição Federal.
Já tivemos ex-presidente que já foi investigado, condenado e preso.
As instituições existem e são superiores aos homens, sejam eles quem sejam.
Ao se pregar ou acreditar que alguns estão acima dos demais, mesmo o presidente da República, estamos negando a mais elementar ideia de democracia.
A imagem do Brasil no mundo piorou muito desde a posse do atual governo.
As sucessivas crises provocadas pelo presidente e pelo núcleo ideológico; as queimadas e o desmatamento da Amazônia, além da “grilagem”, quase institucionalizada de terras públicas; as reiteradas manifestações contrárias ao consenso global têm corroído nosso capital político perante outras nações.
Para completar o governo brasileiro deu a pior resposta que se poderia dar uma pandemia global: negação, minimização e desconhecimento.
O resultado é que a grande mídia mundial, aquela que os “grandes” leem, apontam o Brasil como um risco iminente à estabilidade global.
Os brasileiros já não podemos voar para os Estados Unidos, ou mesmo, para a Grécia – que está reabrindo para o turismo.
Como já disse reiteradas vezes, para se desafiar o consenso global é necessário que se tenha uma bala de prata poderosa. O Brasil não tem isso.
Quando sairmos da crise sanitária com um saldo de mortos de mais de 100 mil brasileiros, segundo estudos de renomadas instituições ao redor do mundo – que estimo estarem erradas por desconsiderarem que a curva de curas no Brasil é muito boa apesar do número de infectados ser elevado e continuar subindo –, enfrentaremos uma crise econômica brutal causada pela paralização da economia e agravada pela falta de confiança no governo.
Os investidores gostam de lucros, mas gostam, principalmente, de estabilidade.
Ninguém vai trazer seu dinheiro para o Brasil assistindo o presidente da República esculhambar e dizer palavrões na porta do palácio contra ministros da Suprema Corte.
Mesmo o apoio, comprado a peso de ouro da parcela fisiológica do Congresso Nacional, não se manterá caso o governo continue fazendo o que vem fazendo.
O fato que vai pesar é que o governo Bolsonaro, com seu comportamento tortuoso e irracional coloca em risco a estabilidade do país, a exemplo do que fez a ex-presidente Dilma Rousseff.
Não acredito que o presidente volte a recuperar a governança, restando ao país dois caminhos: o impeachment ou o golpe.
A impressão que tenho é que a história do Brasil regrediu ao início dos anos oitenta.
Abdon Marinho é advogado.