AbdonMarinho - Bolsonaro ensaia para o impeachment – ou para o golpe.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Bol­sonaro ensaia para o impeach­ment – ou para o golpe.


BOLSONARO ENSAIA PARA O IMPEACH­MENTOU PARA O GOLPE.

Por Abdon Marinho.

EMB­ORA todas as atenções estivessem ded­i­cadas à divul­gação do con­teúdo do vídeo da reunião min­is­te­r­ial ocor­rida no dia 22 de abril – que inte­gra o acervo pro­batório do inquérito que apura suposta ten­ta­tiva de inter­fer­ên­cia do pres­i­dente da República na Polí­cia Fed­eral –, por decisão do ministro-​decano do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, Celso de Melo, que sus­pendeu o sig­ilo daquela prova, no dia 22 de maio, os fatos mais del­i­ca­dos e graves ocor­ri­dos naquele mesmo dia, foram uma nota do min­istro do gabi­nete segu­rança insti­tu­cional, Augusto Heleno e uma entrevista/​declaração, sem pé nem cabeça, do pres­i­dente da República.

As duas coisas, naquela ocasião eram fru­tos da ignorân­cia do gov­erno – pres­i­dente e seu general/​ministro –, que descon­heciam ou fin­giam descon­hecer o fun­ciona­mento das insti­tu­ições repub­li­canas – mesmo as mais elevadas.

Depois, a ignorân­cia, con­fir­mando aquele ditado de um querido amigo de que “até perna que­brada pega”, tomou de conta de todo o gov­erno e dos seus ali­a­dos e adu­ladores.

Todos repetindo a tolice que o min­istro Celso de Mello iria req­ui­si­tar o tele­fone celu­lar do pres­i­dente da República.

Ora, o que acon­te­ceu foi que os par­tidos de oposição solic­i­taram ao ministro/​relator do processo, Celso de Mello a apreen­são do celu­lar do pres­i­dente e de um dos fil­hos. Os par­tidos não são parte do tal processo, mas o rela­tor, do ponto de vista proces­sual, não pode sim­ples­mente igno­rar uma petição sem ouvir o Min­istério Público, este, sim, parte do processo. Foi o que deu.

Foi pre­ciso que o próprio gabi­nete do min­istro viesse a esclare­cer o óbvio ao gov­erno e à sua “tor­cida”, que reit­er­ada­mente, pro­move atos con­tra o Supremo e o Con­gresso Nacional.

A nota do general/​ministro da segu­rança insti­tu­cional, que soube-​se depois, con­tou o endosso do min­istro da defesa, foi um claro sinal de uma rup­tura democrática, ainda mais porque pare­ceu induzir ao pres­i­dente que as Forças Armadas do país estão “com o pres­i­dente”, e não com a Con­sti­tu­ição e a ordem institucional.

Aquela not­inha infe­liz de não mais que três ou qua­tro pará­grafos induzi­ram o pres­i­dente a ir para a porta do palá­cio desafiar o STF e dizer que não entre­garia seu celu­lar ou nos dias seguintes dizer que “ordens judi­ci­ais absur­das não dev­e­riam ser cumpri­das”.

Mas, é o pres­i­dente que pos­sui a capaci­dade de dizer que essa ou aquela decisão judi­cial é absurda?

Mais, de onde saiu ou quem inven­tou essa tolice de que as Forças Armadas é o “poder mod­er­ador” da República?

Emb­ora o min­istro gen­eral Heleno, acred­ito que depois de ter perce­bido o estrago que provo­cou, tenha ido à porta do palá­cio dizer que ninguém está pen­sando em rup­tura insti­tu­cional, que isso é tolice, etc., a ver­dade é que a “gangue de alo­pra­dos” que cerca o pres­i­dente – e a quem ele ouve –, pensa, sim, em um golpe para mantê-​lo no poder. Um dos fil­hos, inclu­sive, já con­fes­sou isso de viva-​voz, disse que a rup­tura não é mais um se e sim quando.

Daí a questão que se coloca para o país em plena emergên­cia san­itária provo­cada pela pan­demia do novo coro­n­avírus: o Brasil terá um novo impeach­ment ou ter­e­mos um golpe com os mil­itares fechando o Con­gresso Nacional e órgãos do Poder Judiciário?

Qual ou quando se dará o estopim para uma ou outra coisa?

Tenho por mim que a rup­tura – com os dois cam­in­hos pos­síveis: impeach­ment ou golpe –, ocor­rerá com o des­cumpri­mento de alguma ordem judi­cial (absurda ou não), con­forme já demon­strado pelo próprio pres­i­dente da República, por algu­mas pes­soas do núcleo mil­i­tar e pelo núcleo ide­ológico do gov­erno.

Volte­mos à nota de ameaça do GSI e a declar­ação do pres­i­dente da República de que não entre­garia o celu­lar caso fosse req­ui­si­tado pela justiça.

Ora, a primeira coisa que deve­mos ter em mente é que a Con­sti­tu­ição Fed­eral, já no seu artigo 5º, assenta: “todos são iguais per­ante a lei”, lá não diz que pres­i­dente ou qual­quer outro é mais “igual” ou que está fora das mes­mas imposições às quais se impõe aos demais brasileiros.

Isso quer dizer se, diante de indí­cios ou provas, de que eu, você ou quem quer seja come­teu ou está come­tendo um ilíc­ito, a autori­dade judi­ciária, através de decisão fun­da­men­tada, pode deter­mi­nar que­bras de sig­i­los, ou mesmo req­ui­si­tar apreen­são de tele­fones ou computadores.

O pres­i­dente é o primeiro servi­dor da nação, ele deve zelar para que às insti­tu­ições repub­li­canas fun­cionem de forma reg­u­lar.

E se a Con­sti­tu­ição diz que todos nós, cidadãos, somos iguais, logo, todos podem/​devem rece­ber igual trata­mento.

Aliás, no artigo 78 da Carta, con­sta: “O Pres­i­dente e o Vice-​Presidente da República tomarão posse em sessão do Con­gresso Nacional, pre­stando o com­pro­misso de man­ter, defender e cumprir a Con­sti­tu­ição, obser­var as leis, pro­mover o bem geral do povo brasileiro, sus­ten­tar a união, a inte­gri­dade e a inde­pendên­cia do Brasil”.

Logo, é de se pre­sumir que pres­i­dente saiba que tem o dever de man­ter, defender e cumprir a Con­sti­tu­ição, obser­var as leis e pro­mover o bem geral do povo brasileiro, den­tre out­ras coisas.

O pres­i­dente deixar de cumprir uma decisão – ou mesmo inci­tar seus lid­er­a­dos para que façam isso –, viola esse com­pro­misso.

E não só é motivo para dec­re­tação do impeach­ment, nos ter­mos do que esta­b­elece o artigo 85: “São crimes de respon­s­abil­i­dade os atos do Pres­i­dente da República que aten­tem con­tra a Con­sti­tu­ição Fed­eral e, espe­cial­mente, con­tra: …VII — o cumpri­mento das leis e das decisões judiciais”.

Ele, nem ninguém, está acima da Con­sti­tu­ição, muito pelo con­trário, o pres­i­dente, mais do que qual­quer outro tem dever de lhe obser­var fiel­mente, ainda que seja para entre­gar ou celu­lar ou cumprir “decisões judi­ci­ais que con­sid­era absur­das”, porque não é ele que pode dizer se a ordem é absurda ou não.

O pres­i­dente e qual­quer outro cidadão, têm o dire­ito e o dever de recor­rerem de uma decisão judi­cial se dela discordam.

E se acha que um ou outro min­istro do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, está come­tendo algum crime de respon­s­abil­i­dade, o cam­inho é pedir o seu impeach­ment ao Senado Federal.

O que quero dizer com isso, é que den­tro da lei e das bal­izas da Con­sti­tu­ição exis­tem os cam­in­hos e os remé­dios jurídi­cos para serem ado­ta­dos em qual­quer cir­cun­stân­cia.

O que não pode é gov­erno da República agir como uma gangue de alo­pra­dos.

Será que não basta a paranóia em torno do fan­tasma comu­nista? A defesa do ter­ra­planismo? A estética nazista e tan­tas out­ras lou­cura que rev­e­lam mais ignorân­cia do que qual­quer outra coisa?

Pes­soal­mente con­sidero o famoso inquérito da “Fakes News”, ile­gal, con­forme já assen­tei aqui, no texto “SUPREMO BAIXA SEU AI Nº. 5 E AÇULA OS CEN­SORES”, de abril de 2019, mas o cam­inho do pres­i­dente ou de quem quer seja não é con­frontar o tri­bunal e, sim, rep­re­sen­tar pelo impeach­ment do min­istro ou dos min­istros que ten­ham incor­ri­dos em falha, junto ao Senado da República, con­forme manda a Con­sti­tu­ição Fed­eral.

Já tive­mos ex-​presidente que já foi inves­ti­gado, con­de­nado e preso.

As insti­tu­ições exis­tem e são supe­ri­ores aos homens, sejam eles quem sejam.

Ao se pre­gar ou acred­i­tar que alguns estão acima dos demais, mesmo o pres­i­dente da República, esta­mos negando a mais ele­men­tar ideia de democ­ra­cia.

A imagem do Brasil no mundo piorou muito desde a posse do atual governo.

As suces­si­vas crises provo­cadas pelo pres­i­dente e pelo núcleo ide­ológico; as queimadas e o des­mata­mento da Amazô­nia, além da “gri­lagem”, quase insti­tu­cional­izada de ter­ras públi­cas; as reit­er­adas man­i­fes­tações con­trárias ao con­senso global têm cor­roído nosso cap­i­tal político per­ante out­ras nações.

Para com­ple­tar o gov­erno brasileiro deu a pior resposta que se pode­ria dar uma pan­demia global: negação, min­i­miza­ção e descon­hec­i­mento.

O resul­tado é que a grande mídia mundial, aquela que os “grandes” leem, apon­tam o Brasil como um risco imi­nente à esta­bil­i­dade global.

Os brasileiros já não podemos voar para os Esta­dos Unidos, ou mesmo, para a Gré­cia – que está reabrindo para o tur­ismo.

Como já disse reit­er­adas vezes, para se desafiar o con­senso global é necessário que se tenha uma bala de prata poderosa. O Brasil não tem isso.

Quando sair­mos da crise san­itária com um saldo de mor­tos de mais de 100 mil brasileiros, segundo estu­dos de reno­madas insti­tu­ições ao redor do mundo – que estimo estarem erradas por descon­sid­er­arem que a curva de curas no Brasil é muito boa ape­sar do número de infec­ta­dos ser ele­vado e con­tin­uar subindo –, enfrentare­mos uma crise econômica bru­tal cau­sada pela par­al­iza­ção da econo­mia e agravada pela falta de con­fi­ança no gov­erno.

Os investi­dores gostam de lucros, mas gostam, prin­ci­pal­mente, de esta­bil­i­dade.

Ninguém vai trazer seu din­heiro para o Brasil assistindo o pres­i­dente da República escul­ham­bar e dizer palavrões na porta do palá­cio con­tra min­istros da Suprema Corte.

Mesmo o apoio, com­prado a peso de ouro da parcela fisi­ológ­ica do Con­gresso Nacional, não se man­terá caso o gov­erno con­tinue fazendo o que vem fazendo.

O fato que vai pesar é que o gov­erno Bol­sonaro, com seu com­por­ta­mento tor­tu­oso e irra­cional coloca em risco a esta­bil­i­dade do país, a exem­plo do que fez a ex-​presidente Dilma Rouss­eff.

Não acred­ito que o pres­i­dente volte a recu­perar a gov­er­nança, restando ao país dois cam­in­hos: o impeach­ment ou o golpe.

A impressão que tenho é que a história do Brasil regrediu ao iní­cio dos anos oitenta.

Abdon Mar­inho é advo­gado.