A poliomielite é uma emergência nacional.
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- Criado: Domingo, 11 Dezembro 2022 15:50
- Escrito por Abdon Marinho
A POLIOMIELITE É UMA EMERGÊNCIA NACIONAL.
Por Abdon C. Marinho.
NO SÁBADO, dia 3 de dezembro, recebi um CARD da Prefeitura de Itapecuru Mirim alusivo ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, que segue ilustrando o texto.
Não lembrava da data – e passaria “batido” se não fosse o card recebido.
Já da deficiência física, causada pela pólio que me acometeu nos meus primeiros anos de vida, desta até gostaria de esquecer, mais não consigo. Ela me acompanha por mais de cinquenta anos como uma parceira cruel. Algumas vezes me fazendo lembrar que está mais presente do que nunca na minha vida.
Mas o presente texto não se propõe à autopiedade ou autocomiseração, antes fosse, trata-se, na verdade de um alerta urgente e necessário ao pouco caso com que as autoridades e principalmente, a sociedade têm dispensado a uma doença tão séria e grave quanto a poliomielite, que quando não mata deixa sequelas pelo resto da vida.
Já havia feito esse mesmo alerta – sobre o país encontrar-se vulnerável ao retorno da poliomielite –, em 2018, quatro anos depois e uma pandemia no meio, a situação ganha ares de emergência nacional.
Estou na terceira recidiva da poliomielite.
Há alguns anos – acho que pouco antes da pandemia –, “do nada”, cai no banheiro, imaginei, a princípio que fora um escorregão por está com os pés molhados ou um tapete mal colocado, ou qualquer destas coisas que de tão comuns no dia dia a dia não lembramos o que se deu. Na verdade, quando fui ao médico e perguntou-me como cai, não lembrava com clareza como se dera.
As lembranças já foram das dores da queda e das dificuldades para voltar a andar mesmo utilizando o apoio das bengalas – sim, durante um tempo tive fazer uso de dois apoios para conseguir andar –, depois de muita fisioterapia, gelo, etc., voltei a precisar apenas de uma. Ainda assim, as consequências desta recidiva ainda se fazem muito presente e doloridas, o pé direito, por exemplo, encontra-se mais “virado”, levantar e calçar um sapato pela manhã já é um desafio, as dores no calcanhar, por está “mais virado” não dão trégua e, o aumento de um ou dois quilos no peso ou uma bolsa mais pesada que carrego à tiracolo são motivos para o agravamento das dores.
Como já era “caseiro”, a angústia de ter que colocar um sapato para ir a qualquer lugar ou mesmo enfrentar um compromisso profissional – que no meu caso ocorre nos tribunais ou repartições públicas, sempre em espaços amplíssimos –, fez aumentar a minha “casmurrice”. Tenho preferido os compromissos virtuais e quando os presenciais se tornam inevitáveis, “escalo” alguém para me acompanhar e me apoiar nos deslocamentos mais longos.
Outra providência exigida por essa terceira recidiva foi “montar” uma academia de ginástica em casa – a fisioterapia na clínica, até pelos horários restritos, não funcionou como gostaria – e contratar um fisioterapeuta que atendesse em domicílio para acompanhar meu tratamento.
Quem vê minhas postagens sobre a “vida de atleta” que levo ou da minha improvisada academia pode pensar que trata-se de um luxo ou ostentação ou, mesmo, de uma diversão – pois procuro me divertir ou levar com “graça” o padecer –, mas, na verdade, tem sido uma necessidade imposta pela doença.
Depois dessa última recaída, muitas vezes acordei no meio da madrugada com vontade de ir ao banheiro (do lado da cama, praticamente) e esperava a hora que teria que levantar definitivamente para evitar sentir dores nos pés mais de uma vez.
Aos poucos, a “vida de atleta” vem me permitindo ganhar um pouco mais de mobilidade e a superar as dificuldades acima narradas.
O problema do tornozelo talvez só seja resolvido com um sapato especial ou uma órtese.
Na segunda recidiva – há mais de uma década –, a pólio me impôs a utilização da uma bengala.
Muito embora a bengala tenha um certo charme, a imposição do uso me causou um certo abalo emocional – imagino que ocorrerá o mesmo se tiver que usar a órtese ou sapato especial –, pois antes andava “pra cima e pra baixo” sem qualquer problema além de me cansar mais rápido que os demais, porém ia todos lugares sozinhos, sem precisar de qualquer apoio, pegava ônibus e até vencia alguns quilômetros sem me cansar muito.
Tal qual deu-se na terceira recidiva, passei a sentir-me um pouco mais fraco, as vezes precisando me apoiar para andar um pouco mais, situações que não enfrentava anteriormente.
Foi aí que os médicos da rede Sara recomendou o uso da bengala – que ia cumprindo totalmente a missão até esta terceira recidiva.
Quando tive a poliomielite, na primeira infância, os médicos de então disseram que eu não conseguiria voltar a andar.
Acho que só fui conseguir andar depois de dois ou três anos. Mas a partir daí, até a segunda recidiva, levei uma vida “normal” dentro das minhas limitações.
Com a segunda recidiva veio a necessidade da bengala e agora, a “guerra” que narrei acima.
A guerra que enfrento há mais cinquenta anos é a que pretendo evitar ou alertar com o presente texto.
Ontem, dia 10 de dezembro, em todo estado, foi o dia D da vacinação contra a poliomielite.
As informações que me chegaram até a sexta-feira, 9, além da derrota da seleção brasileira para a seleção da Croácia, foi que o Brasil está perdendo a guerra para a poliomielite, depois de anos a doença volta a ameaçar a população brasileira, principalmente, as crianças, que não podem se defender.
A cobertura vacinal até a data acima, se não me falha a memória, era de cerca de 70% (setenta por cento) quando deveria ser, de no mínimo, 95% (noventa e cinco por cento).
Já há suspeitas de casos de poliomielite no continente americano – inclusive no Brasil –, o que torna urgente a mobilização de todos os cidadãos de bem para que vacinemos todos que precisam ser vacinados.
O regresso de tal moléstia em território nacional, possivelmente, com as mutações que o vírus deve ter sofrido, é algo que torna inseguro não só a saúde das crianças, mas também de adultos. Não é demais lembrar que quando Franklin Delano Roosevelt (1882 — 1945) teve poliomielite já contava com 39 anos de idade.
Precisamos encarar a ameaça de reintrodução da poliomielite no país como uma vitória da ignorância.
Desde 1989 que não registrávamos casos de pólio no Brasil graças a participação de todos na campanhas de vacinação comandadas pelo “Zé Gotinha”. Nos últimos tempos a ignorância foi “levando vantagem” e afastando a população das campanhas de vacinação levando-nos ao risco que todos corremos hoje, em nome de uma suposta liberdade individual que coloca em risco a vida é segurança de todos.
Faz-se necessário que as autoridades públicas cobrem com mais ênfase a vacinação de todos. Seja no momento de matricular as crianças nas escolas – só se admitindo aquelas que estejam imunizadas; seja no cadastro de programas assistenciais públicos – igualmente exigindo a carteira de vacinação devidamente preenchida.
Sem um nível de enfrentamento próprio das “guerras” não conseguiremos vencer a moléstia mais uma vez.
Abdon C. Marinho é advogado e deficiente.