AbdonMarinho - Cotidiano
Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


CAUSOS E ESTRADAS COM MAX HARLEY. 

Por Abdon Marinho. 

QUANDO cheguei em casa na última sexta-feira já passava das 20 horas, mal tive tempo de fazer um lanche, desfazer a mala e tomar um banho, que o corpo já pedia cama. Desde que me formei há um quarto de século – e até antes –, que percorro as estradas do Maranhão. 

Desta fez fui a Luís Domingues na companhia do amigo e contador Max Harley Freitas e do estagiário Alison Nascimento. 

Nestes anos todos de andanças estabeleci um roteiro de viagens para a baixada bem prático: comprar as passagens com bastante antecedência para travessia no ferryboat e já deixar reservada a hospedagem. Ah, escolher uma boa trilha musical. 

No dia da viagem sair de casa por volta das 8 horas – ou antes se tiver que apanhar alguém  –, para chegar com folga e pegar o ferry das 10 horas; o almoço é no Chicão, em Pinheiro, pelas 13 horas ou pouco mais, depois fazemos uma parada rápida em Queimadas, Santa Helena, para comprar umas cocadas e seguimos viagem até o Café na Fazenda, em Maracaçumé, onde tomamos um cafezinho da tarde e batemos um papo com D. Claúdia, a proprietária do estabelecimento e de lá seguimos sem mais paradas até o destino final, onde chegamos por volta das 18 horas. 

Lembro que quando o Max aceitou trabalhar em Luís Domingues alertei-o que todas as vezes que tivesse que ir ao município teria que reservar ao menos quatro dias da semana para a missão pois dois seriam apenas para os deslocamentos de ir e vir. 

Conheci-o, através de amigos comuns, no início dos anos dois mil, era recém-formado, recomendei que se interessasse pela contabilidade pública pois era um ramo que pagava um pouco melhor e que teríamos necessidade de bons contadores para atender as necessidades cada vez crescentes dos municípios. 

Pouco tempo depois surgiu uma necessidade de contador no Município de Santo Amaro do Maranhão, então administrado por Jaime Carneiro e perguntei-lhe se toparia o desafio. Topou e desde então tem trilhado com incomum dedicação e competência nesta área. 

Sempre que tenho alguma oportunidade o indico para algum município. Depois de Santo Amaro, ainda em meados dos anos dois mil, veio Vargem Grande, Bacabal, Bom Jardim, etc. 

Sempre que temos a chance de trabalharmos juntos surge a oportunidade de fazermos algumas viagens e compartilhar experiências e “causos” que vivenciamos ou testemunhamos ou que ouvimos de alguém. 

Estes “causos” que os mais antigos fazem questão de contar como se fossem de tempos bem remotos continuam ocorrendo na atualidade, como não são documentados acabam ficando esquecidos. 

Agora mesmo, nesta última viagem, aconteceu um fato pitoresco e que nos divertiu por quase toda a viagem, sempre que lembrávamos, caiamos na gargalhada. 

Deu-se o seguinte: 

Desde o final de novembro 2021 que não íamos a Luís Domingues aguardando a agenda de uma assessora de Brasília que iria ministrar uma formação continuada com o professores do município e participar de uma reunião com sindicato e conselho de educação. 

Como a dita reunião dar-se-ia somente na quinta-feira, retardamos a ida para terça-feira, com retorno na sexta-feira. 

Pois  bem, durante a reunião a assessora, na melhor das intenções, “adonou-se” da pauta e pôs-se a conduzir os trabalhos, encaminhando soluções, pedindo providências, etc.

Lá pelas tantas o presidente do sindicato pede a palavra para cobrar o encaminhamento de alguma providência ou reclamar de alguma falta informação. 

Com toda educação e tato que lhe é peculiar começou: — Tem um fantasma na prefeitura de Luís Domingues.

A assessora já interrompeu: — qual é o nome dele?

O presidente do sindicato, também, sem qualquer maldade, retrucou: — é um fantasma, não tem nome. 

A situação foi tão engraçada que não conseguimos nos conter era mais quem ria abertamente ou por trás das máscaras. E, como disse, durante toda a viagem de volta, sempre que lembrávamos, não nos contínhamos. 

Como o ofício de contador exige mais presença nos municípios e Max possui uma memória extraordinária para guardar histórias além de um invejável conhecimento musical, sobretudo, de MPB, as viagens são sempre agradáveis. 

Toca uma música da trilha sonora preparada para empreitada e lá está ele contando toda a história da música, quem escreveu, quando foi lançada, quantas versões teve, melhores arranjos, etc. Desconheço no Maranhão, quiçá no Brasil, que, conheça mais de música que ele. 

Na última viagem nos apresentou uma versão formidável de “Só quero um xodó”, de Bando de Régia e Anastácia. Um encanto. 

Já os “causos” são contados com uma riqueza de detalhes de causar espanto, digno de grandes escritores, como no “causo” do homem que “virava” porco de Barreirinhas.

Conta que certa vez, já de noite, estavam na antessala do prefeito Barreirinhas aguardando para serem atendidos. Era uma “multidão” de técnicos do município e também de populares. 

Conversa vai conversa vem, um cidadão começou a contar que no seu povoado, Varas* tinha um homem que nas madrugadas “virava porco”.

Enquanto ia contando, um outro cidadão afastado umas duas posições dele, ia fazendo gestos e muxoxos, como a dizer que aquela história era mentira. 

A cada colocação sobre o “homem-porco” a sinalização de aquilo não era verdade. 

Quando o cidadão finalmente saiu para ser atendido, o “gesticulador” saiu-se com essa: — tudo mentira, o homem que “vira porco” nunca foi de Varas, ele é do meu povoado, Tabocas*. 

Outro “causo” engraçado deu-se em um município da baixada. 

Na sala da CPL diversos servidores trabalhando quando chega um fornecedor do município para assinar uma ordem de serviço ou contrato. 

Max abre um parênteses para descrever o cidadão e dizer que se aplica a quase todos: camisa polo apertada; diversas joias e suado. 

O cidadão recebe o documento, olha como se fosse lê, e dirige-se a uma mocinha linda que estava a carimbar e separar papéis – segundo a descrição, uma cabrocha de “fechar o quarteirão” –, pega a caneta com ela, passa a caneta entre o lábio e o nariz, cheirando-a de ponta a ponta e suspira.

— Meu Deus, que caneta cheirosa, diz.

A mocinha então fala: — é mesmo?! Ela é do seu Zezinho*. E aponta para um senhorzinho de quase 70 anos que ocupa-se do mesmo serviço que o seu. 

O causo não acaba aí. 

No horário do almoço, na casa do prefeito, com a mesa repleta de começais, como é em quase todas as casas de prefeitos do interior maranhense, a “invertida” do empresário vazou e a gozação e gargalhada correu solta. 

Quase me acabo de rir quando me conta os “causos” de Léo Costa, pessoa ímpar e bem humorada, só suas histórias enchem um livro. 

Certa vez uma de suas filhas com os netos foi a Atins – ponto turístico do município é de uma beleza indescritível –, tendo o  motorista errado o caminho, ficaram perdidos por algumas horas. Chegando à pousada ligou para o pai para contar a desventura.

Após certifica-se de que todos estavam bem, Léo saiu-se com essa: — veja minha filha, você ficou aborrecida por ter ficado perdida durante poucas horas, imagine Moisés que ficou perdido por quarenta anos no deserto do Sinai. 

Léo Costa é uma figura. Certa vez Max passou-lhe uma informação com a recomendação de que não a contasse para ninguém por ser sigilosa, ao que Léo respondeu-lhe: — ora, doutor Max, se você não guardou segredo, eu que não vou guardar. 

Eu próprio já fui protagonista de um “causo” que vez por outra é comentado nas rodas contábeis ou jurídicas. 

Já se passavam três ou quatro meses que município de Belágua não pagava o escritório, muito embora eu sempre lembrasse o gestor. Um dia recebo uma ligação do saudoso amigo Adalberto Nascimento, prefeito do município. Fico todo empolgado pensando ser uma notícia do pagamento quando Adalberto diz: — doutor, tem como o senhor emprestar sua bela sala de reunião para um encontro meu com o secretariado?

Respondi: — claro, seu Adalberto, sem nenhum problema, só dizer o dia que deixarei tudo pronto. 

Adalberto completa: — doutor, tem como o senhor providenciar, também, um “coffe break”?

Quando contei o episódio a Max ele quase morre de rir e, a partir de então, sempre que falávamos no saudoso amigo Adalberto lembrávamos, o “Adalberto do coffe break”.  

E assim seguimos pelas estradas do Maranhão, ganhando pouco mas nos divertindo muito. 

Abdon Marinho é advogado. 

* Nomes alterados para preservar a identidade das pessoas.