Tempos de guerras, tempos de glória.
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- Criado: Sábado, 04 Fevereiro 2023 09:03
- Escrito por Abdon Marinho
TEMPOS DE GUERRA, TEMPOS DE GLÓRIA.
Por Abdon C. Marinho*.
PASSADOS ALGUNS dias já me sinto à vontade – e acredito ser devido –, para compartilhar com os leitores que acompanham meus textões há mais de uma década, uma experiência que me marcou nos últimos dias, sobretudo, por ser uma primeira vez.
Desde muito cedo aprendi que a vida é uma guerra e que não podemos nos deixar abater diante das intempéries.
Longe de ser uma pessoa frágil, considero-me como as árvores da caatinga ou como o couro do “gibão” dos vaqueiros do sertão nordestino.
Acostumei-me a ser assim: a não me deixar abater diante das dificuldades ou a encontrar graça ou motivo para piada onde os demais só enxergam tristeza ou angústia.
Diante da possibilidade de ter que fazer uso de uma cadeira de rodas para me deslocar senti o “chão faltar”. Não foi a primeira vez, também, me senti mal quando os médicos da rede Sara de São Luís me recomendaram o uso de uma bengala a cerca de duas décadas quando tive a segunda recidiva da poliomielite.
Agora, desta vez por imposição da necessidade, deu-se novamente, a mesma sensação de tristeza e angústia quando tive, pela primeira vez, na vida tive que fazer uso de uma cadeira de rodas nos meus deslocamentos.
Havendo a necessidade de ir atender uma demanda na Paraíba e tendo o cliente exigido que fosse pessoalmente, não tive escolha: foi pegar fazer as malas, “pegar o Guanabara”, e partir.
Conforme já externei em textos anteriores, atualmente enfrento uma terceira recidiva da poliomielite.
Há alguns anos, senti uma intensa fraqueza muscular nos membros inferiores e por último, tenho sentido que tornozelo direito já não se encontra com a firmeza de outrora, o resultado é que qualquer sapato que use o pé vira, ou seja, o apoio na lateral do pé o que provoca dores intensas no tornozelo que para poupá-lo evito carregar qualquer peso e o corpo tenta compensar forçando o uso da bengala o que tem provocado dores no cotovelo e ombro esquerdos, lado em uso a bengala.
Há quase um ano que faço fisioterapia pelo menos três vezes na semana e tento manter uma rotina de exercícios diários. Essa necessidade forçou-me a montar praticamente uma academia completa em casa.
Viagem inadiável é necessária aos negócios, sem possibilidade de uma outra pessoa ir no meu lugar, nada restava a fazer.
Com tantas “quizilas” já sabia que não teria qualquer condição de percorrer as longas distâncias dentro dos nossos aeroportos. É tudo muito longe. Os prédios públicos, também, são todos muito suntuosos, dificultando ou inibindo o acesso de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
Sobre tal situação, aliás, se ainda não existe uma lei federal, estadual ou municipal, é oportuno que se aprove uma garantindo que todos os prédios públicos ou mesmo empresas privadas mantenham cadeiras de rodas disponíveis para as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Você em algum órgão público ou mesmo empresa privada e só avista os corredores a perder de vista e não encontra uma cadeira de rodas para facilitar a vida do cidadão. Um horror que cansa só de imaginar.
Viajei com o amigo Emerson Pinto que já, ao comprar as passagens, informou da necessidade de sorte que ao chegarmos no aeroporto de São Luís, assim como nos demais, já dispusemos da cadeira de rodas para fazer os deslocamentos internos.
Muito embora, externamente, tudo parecesse “correr as mil maravilhas”, aproveitando para tirar fotos, registrar o momento, furar as filas e contar com o olhar compassivo das pessoas e brincava com Emerson enquanto ele empurrava a cadeira de rodas “pra cima e pra baixo” dizendo estávamos parecendo aquele filme Intocáveis, com François Cluzet e Omar Sy, que entrou em cartaz em 2011, internamente, nos vagares que só a mim pertecem, estava “destruído”, lembrava da primeira fase da pólio, quando os médicos diziam que não conseguiria andar e que tive que aprender a andar novamente; como tive uma infância e adolescência ativa apesar de todos os pesares, correndo para todos lugares, participando de quase todas as brincadeiras, pegando ônibus para ir para a escola ou faculdade (às vezes, até dando bico para acompanhar os colegas); depois veio a segunda recidiva impondo o charme cruel da bengala e agora, essa terceira recidiva, impondo o uso da cadeira de rodas.
E agora, como será daqui pra frente, precisarei sempre de alguém para me acompanhar, proteger, levar aos lugares mais corriqueiros?
Diferente de um atleta – embora insista em dizer que sou um –, que por um acidente ou uma outra circunstância, tem que fazer uso de tal apoio, no meu caso é um pouco diferente, não sei o grau de sequelas que sobrarão desta vez.
Tentativa me convencer que era momentâneo, que era devido as distâncias a serem percorridas e tantas outras desculpas para justificar a situação.
A tais angústias, somava-se o fato da recidiva aparecer justamente nesta quadra em que estou implantando uma nova empresa que tem como ponto fulcral a ideia de ajudar tanta gente ou o fato de alcançar-me justamente quando decido colocar o meu nome na disputa da vaga de desembargador pelo quinto constitucional, com limitações para visitar os colegas no interior ou mesmo na capital, sem lorde ir para o corpo a corpo nos vários colégios eleitorais.
No texto em que coloco-me à disposição dos colegas na disputa pela vaga da advocacia já os alerto das dificuldades que teremos e apelo para que cada um sinta-se “dono” da “campanha” e consiga os votos como para si próprio fosse.
Sempre que me deparo com tais situações ou “problemas”, por assim dizer, fico me imaginando que essa é mais uma guerra a ser enfrentada, como se Deus que creio estivesse, mais uma vez, testando os limites da minha resiliência e fé. Veio a pólio, a orfandade logo em seguida, a criação como Deus cria batatas na beira do rio, a segunda orfandade, a segunda recidiva, a terceira recidiva … o que mais?
Sou detentor de imensa fé em Deus. Tal circunstância foi se cristalizando ao longo dos anos quando passei a perceber que os desafios que eram postos diante de mim em cada etapa da vida, eram desafios para os quais estava pronto para encarar ou já possuía as condições necessárias para os seus enfrentamentos. E, sempre com o máximo de dignidade, os enfrentei.
Não sei quantos desafios ainda terei pela frente, mas sei que tempos de guerras também podem ser tempos de glória.
Abdon C. Marinho é advogado.