AbdonMarinho - Cotidiano
Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


A BOMBA QUEIMOU. 

MORAR em sítio tem seus percalços. 

No fim da tarde de quarta-feira, véspera do feriado de Tiradentes, alcança-me a noticia: — a bomba do poço artesiano queimou.

Quem liga já é o eletricista que costuma atender minhas demandas e que fora chamado pelo caseiro para olhar o que estava acontecendo. 

A informação de que fora a bomba do poço artesiano a danificada tem relevância pois temos diversas bombas: do lago de carpas, da piscina e a do poço.

Embora todas sejam importantes para o funcionamento do sítio, a do poço é a principal. Localizada a mais de 80 ou 90 metros, quando queima temos retirá-la para substituição ou conserto o que demanda a convocação de pessoas especializadas. 

Sem contar que sem água corrente as coisas ficam bem mais difíceis. Perguntei se ainda tinha água na caixa, o que me respondeu de forma positiva e fui atrás da empresa que fez a última limpeza do poço e instalou a bomba há menos de um ano. 

Ao dono da empresa que fez a manutenção e trocou a bomba indaguei a razão da bomba ter queimado com menos de um ano de uso: — certamente oscilação da rede elétrica, doutor. Procure a nota fiscal que amanhã irei aí.

Em pleno feriado, a primeira coisa que fiz após tomar o café da manhã e alimentar os peixes foi me mudar para o escritório que mantenho em casa à procura da bendita nota. 

Aturdido com a notícia e tendo saído mais cedo do escritório na véspera, pedi a um colega que  procurasse, juntamente com um manual, na minha sala. Ele achou o manual mas não a nota fiscal. 

Aí, como dizia, logo nas primeiras horas da manhã me pus a desocupar as gavetas na tentativa de encontrá-la. 

Desocupar gavetas, organizá-las é um encontro com o nosso passado e com nós mesmos. Em uma caixa encontrei minha primeira carteira da OAB com quase um quarto de século de existência. É um livrinho com espaço para anotações, as vezes que votamos nas eleições da classe, alguma coisa de legislação classista, e outros detalhes. 

Veio-me as lembranças daquele dia, dos caminhos trilhados até lá e tudo que veio depois até aqui.  

Guardados em uma escarcela diplomas e históricos escolares do primeiro e segundo graus – mais lembranças. 

Em um envelope transparente fotografias de amigos, parentes – algumas minhas –, pessoas que já partiram desta vida e outras que partiram da minha vida. 

Em um saquinho do “Foto Sombra”, fotografias em três por quatro para fixar em algum documento ou para inscrição em alguma ficha coisa; em um outro diversas carteiras de habilitação, escrupulosamente renovadas desde de 1998; em outro, as carteirinhas da OAB, alguns cartões de créditos vencidos e outros nunca usados.

Em outra gaveta alguns estojos com os óculos que usei desde que descobrir-me míope, relógios, quinquilharias eletrônicas que foram ficando sem uso e sendo guardados muitas vezes por não querer jogar no lixo que possa demorar tanto a se decompor ou pelo velho hábito de guardar coisas herdado do meu pai que costumava dizer: — guarde, meu filho, pois quem guarda tem. 

Em meio a tantos “achados e perdidos” encontro uma luneta adquirida a não sei quanto tempo, que tinha por objetivo servir para observação dos pássaros aqui no sítio, acho que a usei uma ou duas vezes depois ficou esquecida em uma gaveta. 

Documentos, papéis, recibos, comprovantes disso ou daquilo na intenção (e preocupação) de algum dia precisar amontoados noutro canto de gavetas. 

Até um comprovante de votação das eleições de 1996, atestando que compareci ao primeiro turno daquele pleito encontrei entre os vários papéis. 

A cada novo papel, a cada novo item, uma breve parada para recordar o tempo passado, a situação vivida, as pessoas envolvidas, o que fiz ou o que deixamos de fazer. 

Algumas coisas achei ser a hora de jogar no cesto de lixo mais próximo, outras tive o trabalho de arrumar e deixar por mais um tempo nas gavetas dos móveis. Gavetas que na verdade são janelas da vida que passou. 

Ah, a nota fiscal buscada ainda não foi encontrada. 

Seguiremos na busca ou à procura de outra alternativa. 

Abdon Marinho é advogado.