AbdonMarinho - O Escândalo Capital.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O Escân­dalo Capital.


O ESCÂN­DALO CAPITAL.

Por Abdon Marinho.

O que é, o que é, tem cara de escân­dalo, tem cheiro de escân­dalo, tem con­tornos de escân­dalo e é escân­dalo? Pois é, o que preenche todos estes req­ui­si­tos e, ao nosso sen­tir, é um escân­dalo, é a com­pra de 1472 assi­nat­uras da Revista Carta Cap­i­tal com o “suposto”objetivo de aten­der as esco­las da Rede Estad­ual de Edu­cação do Maran­hão, ao custo de R$ 671.984,40 (seis­cen­tos e setenta e um mil, nove­cen­tos e oitenta e qua­tro reais e quarenta centavos).

O con­trato, com vigên­cia de 12 meses, foi assi­nado no dia 24 de agosto de 2020, pelo secretário adjunto de admin­is­tração, con­forme com­petên­cia del­e­gada pela por­taria nº. 1097, de 04 de julho de 2019.

A Jus­ti­fica­tiva da Sec­re­taria Adjunta de Admin­is­tração com o “autor­izo, na forma da lei”, pelo secretário de estado da edu­cação, foi:

A vivên­cia de uma sociedade democrática pres­supõe não só con­hec­i­men­tos, mas tam­bém as práti­cas e val­ores necessários para o apri­mora­mento e manutenção da mesma. Essas práti­cas e val­ores estão dire­ta­mente lig­a­dos a prop­i­ciar proces­sos for­ma­tivos que lidem com o estu­dante sem­pre em relação com a sociedade, de modo a levar o indi­viduo a se perce­ber como parte de um cole­tivo, uma comu­nidade, enten­dendo a sociedade a par­tir de bases mar­cadas por difer­enças e empatia.

É pre­ciso cul­ti­var val­ores democráti­cos como o respeito às leis, o respeito aos bens públi­cos (acima do inter­esse pri­vado), o respeito inte­gral aos dire­itos humanos, a vir­tude do amor à igual­dade na forma do recon­hec­i­mento de priv­ilé­gios e repú­dio a estes, o acata­mento da von­tade da maio­ria legí­tima sem pre­scindir do respeito aos dire­itos das mino­rias, ética na política, descon­strução fr pre­con­ceitos (soci­ais, políti­cos e em relação à própria política) e o estim­ulo a val­oriza­ção do cidadão par­tic­i­pa­tivo, que se aprox­ima da política e da democ­ra­cia por difer­entes formas.

O desen­volvi­mento dessa dimen­são val­o­rativa deve ser bené­fico não só ao estu­dante que par­tic­ipa das ativi­dades de for­mação política, como espalha-​se na sociedade a par­tir das reflexões e com­por­ta­men­tos destes frente à cole­tivi­dade, con­tribuindo para a con­strução de con­sciên­cia política mais madura e de uma viven­cia democrática que saia do papel e seja a expe­ri­en­cia de mais inten­sa­mente.

A revista a ser con­tratada con­siste em jor­nal­ismo que abrange os mais vari­a­dos aspec­tos da vida em sociedade, tais como a política, econo­mia, justiça, mundo, diver­si­dade, cul­tura e opinião, que con­tribuirá sobre­maneira para a for­mação dos estu­dantes da rede estad­ual de educação».

Fiz questão de tran­scr­ever, na inte­gra, a jus­ti­fica­tiva da inusi­tada con­tratação por dois motivos:

Primeiro, porque a mesma não fica dever, em nada os tex­tos mais inspi­ra­dos do inesquecível per­son­agem Rolando Lero, da não menos inesquecível “Escol­inha do Pro­fes­sor Raimundo”, do saudoso humorista Chico Any­sio.

Pou­cas vezes vi se uti­lizar tan­tas palavras para se dizer tão pouco.

Segundo, porque não con­segui enten­der como um exem­plar de uma “revista de polit­ica”, voltada para o público esquerdista, basi­ca­mente, vai «cul­ti­var val­ores democráti­cos como o respeito às leis, o respeito aos bens públi­cos (acima do inter­esse pri­vado), o respeito inte­gral aos dire­itos humanos, a vir­tude do amor à igual­dade na forma do recon­hec­i­mento de priv­ilé­gios e repú­dio a estes, o acata­mento da von­tade da maio­ria legí­tima sem pre­scindir do respeito aos dire­itos das mino­rias, ética na política, descon­strução de pre­con­ceitos (soci­ais, políti­cos e em relação à própria política) e o estim­ulo a val­oriza­ção do cidadão par­tic­i­pa­tivo, que se aprox­ima da política e da democ­ra­cia por difer­entes for­mas”, além de tan­tas out­ras coisas incom­preen­síveis aos comuns mor­tais.

Além deste, um blog local informa que no ano de 2019, um outro con­trato, com a mesma empresa edi­tora da Carta Cap­i­tal fora assi­nado em abril daquele ano no valor de R$ 600 mil reais e pos­te­ri­or­mente adi­ti­vado em mais R$ 150 mil reais, per­fazendo um total de mais R$ 750 mil reais, com o mesmo objeto, dis­tribuição de revis­tas nas esco­las da rede pública de ensino do estado do Maranhão.

Vamos nos ater a este último contrato.

A rede estad­ual de ensino, ainda que con­sid­er­e­mos somente o ensino médio, soma 262.700 alunos, segundo o censo esco­lar de 2019.

Ora, como 1.400 assi­nat­uras de uma revista irá con­tribuir “sobre­maneira” para a for­mação dos estu­dantes?

Ainda que se con­sidere, difer­ente do que diz a jus­ti­fica­tiva, que a revista men­sal se des­ti­nará aos pro­fes­sores e estes repas­sarão aos estu­dantes, a conta parece incon­gru­ente, pois a rede estad­ual, tam­bém, só con­siderando o ensino médio, pos­sui 14.355 docentes.

Talvez os men­tores da ideia imag­inem que os mestres irão lendo as edições e repas­sando aos demais. Ou, por der­radeiro, que a assi­natura se des­tine ape­nas para que cada escola da rede receba um exem­plar para suas bib­liote­cas — as que pos­suirem –, onde os leitores se revezarão na leitura de tão impor­tante lit­er­atura.

Até é pos­sível visu­alizarmos as filas e lis­tas de espera para lerem dire­ta­mente na fonte orig­i­nal do saber mundial. Dora­vante estare­mos no topo de todos os rank­ings de avali­ação edu­ca­cional.

A iro­nia é necessária para aquilatar o absurdo da con­tratação efe­t­u­ada com os recur­sos da edu­cação e o despropósito da justificativa.

Não sou con­tra, em abso­luto, que as sec­re­tarias de edu­cação façam assi­nat­uras de per­iódi­cos visando o des­per­tar da curiosi­dade de mestres e alunos, bem como, informá-​los sobre o que se passa no país e no mundo, mas, quisessem mesmo aju­dar a comu­nidade esco­lar, mel­hor proveito teria se fizessem assi­nat­uras de revis­tas como a Nova Escola, que custa metade do valor; Saberes da Edu­cação; Dê Ciên­cia em Foco; Jor­nal de Políti­cas Edu­ca­cionais, e tan­tas out­ras; ou, ainda, revis­tas cien­tifi­cas, como Nature, Sci­ence; e etcetera, inclu­sive, em lín­gua estrangeira, o que con­tribuiria muito mais para a for­mação do público-​alvo que se disse querer atin­gir com a con­tratação de uma assi­natura de revista politica.

Difer­ente de alguns teóri­cos da con­spir­ação, não acred­ito que a assi­natura da revista tenha por função ide­ol­o­gizar alunos e mestres. Acho tolice esse tipo de pen­sar, uma assi­natura de revista numa escola, na maio­ria das vezes, sequer sai “do plás­tico”, antes de ir para o lixo.

Noutra quadra, não tenho como dis­cor­dar dos pen­sam e dizem tratar-​se de um “apoio» do gov­erno estad­ual a uma edi­tora “amiga” que comunga com seus ideais e sem­pre abre espaço ao gov­er­nador do estado – e aos seus ali­a­dos –, o que, pelo menos em tese, car­ac­teri­zaria o inter­esse pes­soal e/​ou o desvio de final­i­dade na apli­cação do din­heiro público, ainda mais, se, como afir­mam out­ras matérias, este tipo de con­tratação não ser um fato iso­lado e alcançar out­ros con­tratos desta ou de out­ras pub­li­cações.

No caso em tela, exis­tem out­ros aspec­tos, além da descabida contratação.

Com a “noti­cia» na rua há quase uma sem­ana até agora, pesquisando no site do Min­istério Público estad­ual, que em relação aos municí­pios, exam­ina até se as vír­gu­las de seus con­tratos estão no lugar certo, não encon­trei uma linha sobre o assunto.

Uma noti­ci­az­inha de que vão cobrar expli­cações, que vão instau­rar algum pro­ced­i­mento visando a apu­ração dos fatos; a respon­s­abi­liza­ção dos impli­ca­dos, a devolução dos recur­sos aos cofres do estado.

Aliás, em relação a respon­s­abi­liza­ção, uma coisa me chama atenção já há muito tempo no estado, o fato dos agentes políti­cos, gov­er­nador e secretários pas­sarem a respon­s­abil­i­dade pela orde­nação deste tipo de despesa para os “subs» e para os “adjun­tos”.

Emb­ora a del­e­gação seja legal, ao val­oroso MPMA nunca socor­reu a ideia de se trata de um ardil para fugirem às suas respon­s­abil­i­dades quando os “malfeitos” veem a público.

A mesma “indiferença«por tais temas parece ter “con­t­a­m­i­nado” o Tri­bunal de Con­tas do Estado — TCE/​MA, que, com a noti­cia cir­cu­lando por todos os meios, não demon­stra – e se demon­stra não avisa a pat­uleia – pre­ocu­pação com estes assuntos.

Pois é, se os órgãos que têm a mis­são de fis­calizar demon­stram – pelo menos para o público externo –, pouco inter­esse por assun­tos de tamanha gravi­dade, com reper­cussão inclu­sive na imprensa nacional, os gov­er­nantes não se sen­tem no dever de prestar quais­quer expli­cações aos con­tribuintes nas costas de quem são espetadas estas e tan­tas out­ras contas.

Será que o MPMA acha jus­ti­ficável que recur­sos da edu­cação se prestem para esse tipo coisa? O TCE/​MA acha nor­mal que se assine uma revista política – é sem­pre bom frisar –, para dis­tribuição na rede de ensino estadual?

Tomarão alguma ini­cia­tiva para ces­sar o abuso e para resti­tuirem os val­ores despendi­dos aos cofres públicos?

Qual o inter­esse da edu­cação maran­hense – que amarga os piores indi­cadores do país e do mundo –, com a aquisição de revis­tas com o con­teúdo da edi­tora contratada?

Será que os órgãos de con­t­role, o gov­er­nador, o secretário têm a resposta para essa per­gunta tão sin­gela que não seja aquele papo tor­tu­oso de “Rolando Lero”, que serviu de jus­ti­fica­tiva para a contratação?

Suas excelên­cias, com a palavra.

Abdon Mar­inho é advo­gado.