AbdonMarinho - As fake news e a democracia – O ovo da serpente.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

As fake news e a democ­ra­cia – O ovo da serpente.

AS FAKE NEWS E A DEMOC­RA­CIA – O OVO DA SERPENTE.

Por Abdon Marinho.

ATÉ ONDE as lem­branças alcançam sem­pre fui um con­tes­ta­dor, sem­pre me inco­modou enx­er­gar algo errado e, por con­veniên­cia ou como­di­dade, ficar cal­ado, não dizer o que penso. Uma fidel­i­dade extremada a um ditado do meu saudoso pai de que: “o que está errado é da conta de todo mundo”.

O excesso de sin­ceri­dade quase sem­pre causa muitas incom­preen­sões, como a de que “Abdon é de oposição”. Tenho alguns ami­gos que dizem ser de pouca valia min­has posições políti­cas em apoiar este ou aquele grupo, vez que, vito­riosos e insta­l­a­dos no poder, não demora muito, viro “do con­tra”, como se a mim coubesse, como uma luva, o velho dito que guiou os espíri­tos lib­ertários: “hay gob­ierno? Soy con­tra”.

Existe um pouco de exagero em tais asserti­vas, mas, o certo é que sem­pre me inco­modou – e inco­moda –, o “efeito man­ada” que os gov­er­nos provoca nas pes­soas, tornando-​as inca­pazes de ado­tar um com­por­ta­mento crítico em relação a eles, sobre­tudo, quando calça­dos em apoio pop­u­lar.

Ainda me recordo das críti­cas que rece­bia ao con­tes­tar o gov­erno do ex-​presidente Lula, quando este alcançava índices de pop­u­lar­i­dade acima dos oitenta por cento.

Já naquela época todos sabiam das ban­dal­has dos petis­tas e ali­a­dos no gov­erno, o escân­dalo do “men­salão” tinha sido rev­e­lado anos antes, em 2005, e, ape­sar disso, o gov­erno tinha tais índices de popularidade.

O Lula – que depois ficou-​se sabendo era o “chefe” do esquema –, não foi incluído no processo do “men­salão”, acred­ito, por força de tal pop­u­lar­i­dade.

Um pouco mais de inves­ti­gação – e esforço da Polí­cia Fed­eral, do Min­istério Público e do Poder Judi­ciário –, o teria colo­cado no topo daquele escân­dalo.

Deu-​se con­trário, ainda com todos no seu entorno envolvi­dos no escân­dalo, o ex-​presidente Lula con­seguiu vender a can­tilena pro­ferida em agosto de 2005: «Eu me sinto traído por práti­cas ina­ceitáveis. Indig­nado pelas rev­e­lações que chocam o país e sobre as quais eu não tinha qual­quer con­hec­i­mento. Não tenho nen­huma ver­gonha de dizer que nós temos de pedir des­cul­pas. O PT tem de pedir des­cul­pas. O gov­erno, onde errou, pre­cisa pedir desculpas».

As des­cul­pas nunca vieram de ver­dade e os “malfeitos” con­tin­uaram como se nada tivesse acon­te­cido e se ampliando cada vez mais

O sem­blante com­pungido e a voz trê­mula era ape­nas “con­versa para boi dormir”, e vou além, se o Lula não tivesse come­dido o “erro estratégico”, chamado Dilma Rouss­eff (e o come­teu pen­sando que ela devolve­ria o gov­erno qua­tro anos depois), e tivesse “peitado o mundo” teria con­seguido aprovar uma emenda con­sti­tu­cional per­mitindo a reeleição per­ma­nente, ou algo que o valha, como fez o Chávez, como o fez o Putin, e tan­tos out­ros.

Em 2009 e 2010 haviam diver­sos movi­men­tos pre­gando isso.

O Con­gresso Nacional e até o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, se calar­iam.

No máx­imo teríamos os protestos de uma meia dúzia de homens públi­cos com dig­nidade.

Por incrível que pareça, o que nos livrou da ditadura pop­u­lar do petista foi um dos Sete Peca­dos Cap­i­tais: a soberba.

O ex-​presidente tinha plena con­fi­ança na devolução do poder qua­tro anos depois e, tam­bém, por vaidade, não que­ria ser tachado nos setores do esquerdismo int­elec­tual mundial como autoritário.

O dis­curso dos defen­sores da tese do ter­ceiro mandato – e de lá para o infinito –, usavam como exem­plo o fato de, até, o ex-​presidente Franklin D. Roo­sevelt, ter sido eleito nos Esta­dos Unidos três vezes e gov­er­nado aquele país de 1933 até sua morte em 1945.

Ora, se até os Esta­dos Unidos já tivera a exper­iên­cia de um ex-​presidente ser eleito três vezes, por que não o Brasil? Se o ex-​presidente FHC con­seguiu alterar a Con­sti­tu­ição para per­mi­tir a sua reeleição em 1997, o que tinha “demais” que o Lula fizesse o mesmo para per­mi­tir sua re-​reeleição em 2010?

Faço tais con­sid­er­ações ape­nas para mostrar o quão frágil ainda é a nossa democ­ra­cia, a ponto, de, há pouco mais de dez anos os debates terem sido toma­dos por dis­cussão sobre a alter­ação da Con­sti­tu­ição Fed­eral para per­mi­tir que um ex-​presidente pop­u­lar pudesse ser eleito três vezes – ou mais –, como se o inter­esse pes­soal ou de um grupo político pudesse se sobre­por às regras insti­tu­cionais rígidas.

Pior que isso, nos dias atu­ais, não faz muito tempo, assis­ti­mos autori­dades da República sus­ci­tar a uti­liza­ção das Forças Armadas con­tra os poderes do país; vimos mais de uma vez o pres­i­dente e seus min­istros ameaçarem min­istros do STF, diz­erem impróprios con­tra estes e, tam­bém, con­tra par­la­mentares; assis­ti­mos o pres­i­dente apoiar osten­si­va­mente atos em seu favor que pediam o fechamento dos demais poderes; vimos pres­i­dente de par­tido difamar pub­li­ca­mente os min­istros do STF sem que isso tivesse qual­quer con­se­quên­cia.

Essa onda de desprezo insti­tu­cional pela democ­ra­cia – que não é um fenô­meno uni­ca­mente brasileiro –, coloca o mundo em um estranho suspense.

Mesmo os Esta­dos Unidos, sem­pre tidos como o exem­plo a ser seguido quando se trata de democ­ra­cia, vem enfrentando tal fenô­meno, a ponto do atual pres­i­dente, numa ati­tude inédita, ques­tionar a lisura do pleito que ocor­rerá em novem­bro – como a tirar uma carta de seguro caso o resul­tado das eleições não lhe seja favorável.

O difer­en­cial entre os Esta­dos Unidos e o Brasil é que por lá as insti­tu­ições são bem mais con­sol­i­dadas do que as nos­sas.

Em tal con­texto é que deve­mos nos per­gun­tar como enfrentare­mos o riscos à nossa democ­ra­cia rep­re­sen­ta­dos pelas chamadas fake news.

Nos­sas insti­tu­ições estão preparadas para o enfrenta­mento das fake news? Con­seguire­mos sair ile­sos a elas ou esta­mos a cam­inho de uma ditadura?

Enganam-​se aque­les pen­sam que dita­dores são for­ja­dos no obscu­ran­tismo das caser­nas.

Esta con­cepção errada decorre do fato de como se deu o golpe mil­i­tar de 1964 e que per­durou, por 21 anos, até 1985, quando os presidentes-​generais eram escol­hi­dos de “den­tro para fora do régime”.

As ver­dadeiras ditaduras são sed­i­men­tadas no seio da sociedade, com o apoio pop­u­lar a líderes autoritários.

O roteiro histórico encontra-​se à dis­posição de quem quiser estudá-​los.

Alguém pensa que o Fas­cismo, o Nazismo e o Comu­nismo, nasce­ria e flo­resce­riam sem amplo apoio pop­u­lar? Acred­ito que não.

A par­tir do apoio pop­u­lar, através das mais vari­adas cam­pan­has, ten­tam – e con­seguem –, o enfraque­c­i­mento das insti­tu­ições repub­li­canas, sobre­tudo, o Poder Judi­ciário e o Con­gresso Nacional.

Antes ou simul­tane­a­mente a isso, pro­movem a aniquilação da imprensa inde­pen­dente ou tradi­cional, só tendo como sérios e váli­dos seus próprios órgãos de comu­ni­cação. Alguém lema]bar do Gramma, de Cuba, do Pravda, da URSS?

Já vimos isso acon­te­cer em diver­sos países: na Itália, na Espanha; na Rús­sia; e o exem­plo mais elo­quente de todos rep­re­sen­tado pela República de Weimar que foi o gene para o surg­i­mento do nazismo na Ale­manha a par­tir de 1933.

Outro exem­plo, bem vivo, até porque pre­sente nos dias atu­ais, é o que vem da Venezuela.

Ao chegar no poder, em 1999, Hugo Chávez, ini­ciou o plano de dom­i­nação das insti­tu­ições e dos veícu­los de comu­ni­cação social que não “rezavam” a sua car­tilha.

Não deixo de lem­brar que quando fechou o prin­ci­pal canal de tele­visão daquele país teve quem fes­te­jasse e até pedisse que se fizesse o mesmo por aqui – e por diver­sas vezes até tentaram.

Hoje todos somos teste­munhas do acon­te­ceu –e do que ainda acon­tece –, na Venezuela.

Hugo Chávez nunca prom­e­teu ditadura. Muito pelo con­trário, como todo dita­dor que se preza, o dis­curso sem­pre foi con­trário disso: lib­er­tar o povo; acabar com a explo­ração; ampla e total liber­dade para o povo venezue­lano. Para tanto, até bati­zou seu movi­mento como “boli­var­i­ano”, em hom­e­nagem ao lib­er­ta­dor das Améri­cas, Simón Bolí­var.

A sociedade brasileira – assim como todas as demais –, pre­cisam com­preen­der os sinais de surg­i­mento de regimes total­itários e fazer o con­traponto com o for­t­alec­i­mento das insti­tu­ições. Quando os gov­er­nantes se tor­nam mais fortes que elas é porque já esta­mos a meio cam­inho dos regimes de exceção.

Não pensem que não existe espaço no mundo atual para implan­tação de regimes autoritários. Muito pelo con­trário, os regimes estão aí se for­t­ale­cendo.

Quem vai pro­te­ger o povo não é a pop­u­lação com armas nas mãos, são as insti­tu­ições for­t­ale­ci­das agindo como paci­fi­cado­ras soci­ais, garan­ti­ndo a esta­bil­i­dade e o régime democrático.

Na quadra política atual são as fake News as prin­ci­pais fer­ra­men­tas para a ges­tação do “ovo da ser­pente”.

Recen­te­mente assisti um filme na Net­flix que bem retrata essa relevân­cia, chama-​se Rede do Ódio, que recomendo aos leitores.

Nos próx­i­mos tex­tos con­tin­uare­mos a tratar da questão das fake News e o risco que as mes­mas rep­re­sen­tam para a democ­ra­cia.

E lembrem-​se, tudo que os dita­dores mais negam é que sejam dita­dores.

Abdon Mar­inho é advo­gado.