AbdonMarinho - DE 1989 A 2019: O QUE FOI ISSO, COMPANHEIRO?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

DE 1989 A 2019: O QUE FOI ISSO, COMPANHEIRO?

DE 1989 a 2019: O QUE FOI ISSO, COMPANHEIRO?

Por Abdon Marinho.

CHOVEU naquele dia de 1989 quando o ex-​operário Lula esteve em São Luís para um ato público na Praça Deodoro. Choveu, inclu­sive, durante o evento político. Estava lá, anôn­imo, como ainda sou, no meio da mul­ti­dão. Alba Maria Rodrigues estava comigo, era minha com­pan­heira de son­hos e até se recorda de um texto que escrevi por ocasião do evento. Éramos tão jovens. Éramos tão sonhadores.

Engraçado que não lem­bro o dia ou mesmo mês, minha lem­brança é ape­nas que choveu bas­tante naquele fim de tarde.

Chovia, tam­bém – e forte –, numa destas tardes de 2019 enquanto me ocu­pava da leitura da sen­tença pro­ferida pela juíza Gabriela Hardt con­de­nando o ex-​presidente Lula a uma pena de doze anos e onze meses de prisão pelos crimes de cor­rupção e lavagem de dinheiro.

Já é o segundo decreto con­de­natório que, acrescido ao primeiro, já somam um quarto de século atrás das grades.

Pior que isso – se é que pode exi­s­tir algo pior –, só a certeza que out­ras con­de­nações advirão, algu­mas até mais robus­tas que estas duas primeiras.

Os enfáti­cos protestos após a primeira con­de­nação, turbina­dos pela dis­cur­seira eleitoral, deram lugar a cho­chas e incon­sis­tentes man­i­fes­tações nas redes soci­ais. Algu­mas delas, meras retrans­mis­sões de out­ras.

Mes­mos os opor­tunistas de sem­pre, inter­es­sa­dos mais em “virarem” herdeiros do baú de votos dos ingên­uos, não se “ras­garam” na defesa da inocên­cia do bi-​condenado. Inocên­cia, esta, que só eles fin­gem acred­i­tar.

Jogam para plateia com os chavões, os argu­men­tos pré-​fabricados que nada dizem – porque nada são –, além de pros­elit­ismos toscos.

Ainda os poucos mux­oxos pas­sam longe de ofus­car os fun­da­men­tos da sen­tença da mag­istrada – expos­tos em 360 pági­nas –, onde enfren­tou e demon­strou as razões do seu con­venci­mento para con­de­nação dos impli­ca­dos no processo.

Não voltare­mos à velha dis­cussão sobre o que acon­te­ceu ou que fiz­eram nos dezes­seis verões passados.

O certo, é que divul­gada a sen­tença numa quinta-​feira, já no sábado/​domingo, ninguém mais dava “bola” para a con­de­nação do ex-​presidente, que aos poucos vai sendo esque­cido no cárcere ou vira motivo de cha­cota entre seus próprios ali­a­dos: “— Lula está preso, babaca”, disse o senador Cid Gomes (PDT/​CE), ainda durante o segundo turno das eleições pres­i­den­ci­ais.

No mesmo dia que foi divul­gada a segunda con­de­nação, se não me falha a memória, foi a vez do ex-​candidato à presidên­cia, Ciro Gomes (PDT/​CE), repe­tir o “mantra”, desta vez num encon­tro ou con­gresso da “juven­tude” vin­cu­lada ao Par­tido Comu­nista do Brasil — PCdoB: “— Lula está preso, babaca”.

Fal­tou acres­cen­tar que está preso em “prisão per­pé­tua”, pois, a menos que lhe con­cedam um indulto human­itário, ale­gando idade avançada e/​ou enfer­mi­dades diver­sas, que todos fin­girão acred­i­tar, não lhe virá a soltura antes da extinção.

Ape­nas trinta anos sep­a­ram aquela chuva de 1989 desta de 2019, enquanto leio a segunda sen­tença con­de­natória do ex-​presidente Lula.

E, trinta anos é quase a soma dos anos de “cana”, até aqui – anal­is­tas expe­ri­entes dizem que a soma de todas as penas nos proces­sos em curso alcançará mais de cem anos –, que terá de cumprir o out­rora depositário de tan­tos son­hos e con­fi­ança.

O que foi isso, com­pan­heiro?

Em 1989, o mote de todas as dis­cussões era a cor­rupção desen­f­reada que tomava de conta do país e era retratada com quase toda sua crueza no fol­hetim global “Vale Tudo”, do nov­el­eiro Aguinaldo Silva.

Na política, o operário Lula da Silva fazia, por onde pas­sava, suas pre­gações con­tra a cor­rupção e con­tra o gov­erno Sar­ney. Travava uma “dis­puta” par­tic­u­lar con­tra o Col­lor de Melo, ex-​governador de Alagoas – e can­didato como ele –, para saber quem acusaria mais o ex-​presidente Sar­ney de cor­rupto.

Numa das mais bison­has iro­nias do des­tino, trinta anos depois, o ex-​presidente Sar­ney nunca foi molestado pelas autori­dades judi­ciárias, pelo con­trário, mesmo um inquérito aberto por ocasião da Oper­ação Lava Jato, foi arquiv­ado, a pedido do Min­istério Público, por ausên­cia de provas; o ex-​presidente Col­lor de Mello “enro­lado” até onde não mais poder em tudo que é escân­dalo, vai se safando, escon­dido no bio­mbo do mandato de senador e con­tando com a lentidão do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF; já o ex-​presidente Lula, como fazem questão de enfa­ti­zar seus próprios ali­a­dos, “está preso, babaca”.

Esta­mos falando do marco tem­po­ral de trinta anos – quando ocor­reu a primeira eleição pres­i­den­cial direta depois dos vinte e anos do régime mil­i­tar e mais os cinco anos do gov­erno Sar­ney –, poderíamos lim­i­tar bem mais, a par­tir de 2003, quando teve iní­cio a “era lulopetista” e seu estilo de gov­ernar. A par­tir daí, temos 16 anos, onde o ex-​operário que se fez pres­i­dente da República, saiu da condição de artí­fice de uma nova era de com­bate à cor­rupção e a todos os male­fí­cios dela decor­rentes, para a condição de con­de­nado e preso por … cor­rupção e lavagem de din­heiro. Tudo aquilo que jurou de pés jun­tos combater.

Ainda que ven­ham com a dis­cur­seira sem fim de que está havendo “perseguição” ao ex-​presidente, tal argu­mento não con­vence ninguém – exceto os que querem se con­vencer –, mera retórica. As provas dos deli­tos estão aí, à vista de todos, e foram ampla­mente expostas pelo juiz Moro na primeira con­de­nação (o caso do triplex do Guarujá) e, agora, pela juíza Hardt no caso do sitio de Ati­baia.

Os incau­tos querem acred­i­tar, mesmo após a segunda con­de­nação, que o Lula é inocente; os opor­tunistas querem “vender” a ilusão da inocên­cia para con­quis­tar os votos destes incau­tos; os cor­rup­tos pre­cisam acred­i­tar pois temem ser este o seu des­tino.

Trinta anos e parece que foi ontem. Quanta ale­gria, quanta esper­ança nos trouxe aquele ano de 1989. Nossa primeira cam­panha pres­i­den­cial com votação direta, o primeiro voto de inúmeros brasileiros e vemos, todos nós, depois de tanto tra­balho, o sím­bolo de tudo aquilo restar encar­cer­ado.

Trinta anos em ter­mos históri­cos não é nada, entre­tanto, no caso pre­sente, foi tempo que sep­a­rou a esper­ança da desilusão, o sonho do pesadelo, a liber­dade do cárcere.

O que foi isso, companheiro?

Esta­mos em 2019, chove em São Luís, chove em Curitiba…

Abdon Mar­inho é advo­gado.