AbdonMarinho - O PAÍS À BEIRA DO ABISMO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O PAÍS À BEIRA DO ABISMO.

O PAÍS À BEIRA DO ABISMO.
Por Abdon Mar­inho.
MANHÃ chu­vosa. Enquanto con­tem­plava, desde as primeiras horas do dia a chuva que caía, ia refletindo sobre os últi­mos acon­tec­i­men­tos do nosso país.
E é de inda­gar: como cheg­amos a este ponto? Qual o futuro que nos aguarda?
São tem­pos estran­hos.
Se não me falha a memória, desde o ano de 1984 – e lem­bro o episó­dio – não ouvia o Jor­nal Nacional encer­rar com uma infor­mação vinda da caserna, um pro­nun­ci­a­mento mil­i­tar. Naquela opor­tu­nidade foi a infor­mação de que Brasília, a cap­i­tal da fed­eral aman­hece­ria sob Estado de Sítio. Era a véspera da votação da emenda Dante de Oliveira, que prop­unha a volta de eleições dire­tas para a presidên­cia da República.
Pas­sa­dos mais de trinta anos, como um dèja vu fora de época, ouvi o apre­sen­ta­dor do JN infor­mar uma última notí­cia: e leu a um tuíte do gen­eral Vil­las Boas, onde o mesmo faz comen­tários sobre o quadro político. Mais que isso, falando em nome do Exército brasileiro.
Aqui não desço ao con­teúdo do tuíte – o mesmo até pode ser per­ti­nente –, o mais rel­e­vante foi a sua reper­cussão em meio a mídia e as insti­tu­ições. Emb­ora, o gen­eral tenha fal­ado em nome do Exército, pode­ria ter sido tratado como uma opinião pes­soal. Assim como as demais opiniões de out­ros mil­itares em respostas às colo­cações do coman­dante da tropa mil­i­tar.
Fez-​se o oposto. Gerou-​se um clima de inter­venção como nunca tín­hamos visto.
Vejo como se país tivesse retro­ce­dido a 1978, quando os mil­itares, já cansa­dos do encargo, já tra­bal­havam no sen­tido de devolver o poder político aos civis, e o general-​presidente de então disse que faria a tran­sição nem que fosse na marra.
O Brasil de hoje dis­cute um retorno a uma situ­ação de quarenta anos atrás.
Como cheg­amos a esse grau de lou­cura insti­tu­cional?
A sociedade con­sol­ida a visão de que democ­ra­cia brasileira é o retrato do fra­casso.
As palavras do gen­eral Vil­las Boas, muito além do que efe­ti­va­mente disse, encon­trou inques­tionável eco em todas as camadas da sociedade. Nos últi­mos ouvi man­i­fes­tações de apoio as palavras do gen­eral não ape­nas nos cír­cu­los mil­itares das Forças Armadas, dos mil­itares das poli­cias e corpo de bombeiros, mas tam­bém de inúmeros cidadãos civis.
Como cheg­amos a isso? A per­gunta que não cala.
Não lem­bro – em tempo algum da história do país –, ter visto a autori­dade do Supremo Tri­bunal Fed­eral ser tão ques­tion­ada. Pior que isso, a sua dos seus min­istros jogada na lama. Por estes dias o que se ouviu em diver­sas cap­i­tais foram apu­pos, vaias e xinga­men­tos à Corte, inclu­sive com palavras de ordem do tipo: “Olá Supremo /​Eu vim aqui /​pra te dizer /​Que o país tem ver­gonha de você”.
Este foi um dos coros con­tra corte por conta do jul­ga­mento de um habeas cor­pus do ex-​presidente Lula, con­de­nado com sen­tença con­fir­mada e ampli­ada pela segunda instân­cia da justiça brasileira.
Como cheg­amos a esse ponto? Ao ponto de pop­u­lares gritarem palavras de ordem con­tra a Corte máx­ima da justiça do Brasil?
Não tenho reg­istros de tamanha situ­ação de descrédito – nem mesmo durante os 21 anos do Régime Mil­i­tar.
Ape­sar da situ­ação de excep­cional­i­dade durante aquele período havia da parte da pop­u­lação um respeito rev­er­en­cial ao STF. Por mais que incom­preen­síveis, muitas das vezes algu­mas de suas decisões, não se ousava ques­tionar a sobera­nia e ou mesmo a justeza de seus acórdãos.
Isso ficou no pas­sado.
E, infe­liz­mente, forçoso recon­hecer, o próprio STF é o respon­sável pelo despres­ti­gio que passa. Ao longo dos anos, foi se dimin­uindo, se fulanizando e as suas decisões. Min­istros vai­dosos, mais políti­cos que juízes, tornaram se ser­vos dos holo­fotes, sem qual­quer pre­ocu­pação com o con­junto do tri­bunal.
Suas excelên­cias, sem qual­quer con­strang­i­mento ou pudor pas­saram a decidir mais diante das câmeras que nos autos dos proces­sos, na observân­cia da Con­sti­tu­ição Fed­eral. Deixaram de obser­var as regras mais ele­mentares de dis­crição e decoro. Viraram “pal­piteiros” em tudo que foi assunto sobre os quais lhes per­gun­tavam os jor­nal­is­tas.
Tanto fiz­eram na busca da fama que se tornaram mais con­heci­dos que a escalação da seleção brasileira, isso à véspera da Copa do Mundo.
O resul­tado é o vemos: o descrédito, os apu­pos, o ques­tion­a­mento público de suas decisões.
O STF con­struiu sua ruína e com ela a ruína do próprio país.
Vejam o elu­cida­tivo caso que coloca o país em sus­pense: a prisão do ex-​presidente Lula. Faz pouco mais de dois anos que o STF fir­mou jurisprudên­cia – registre-​se: por estre­ita margem –, infir­mando a pos­si­bil­i­dade de prisão após jul­ga­mento em segunda instân­cia, quando se esgota o exame das matérias de fato.
Ora, matéria deci­dida, cabia a suas excelên­cia dar efe­tivo cumpri­mento aquela decisão nos proces­sos que lhe chegavam às mãos, certo? Lógico que sim, a tese vence­dora no tri­bunal dev­e­ria ser obser­vada pela indi­vid­u­al­i­dade dos min­istros e suas tur­mas. Ocor­reu o con­trário. Cada min­istro, a exceção da min­is­tra Rosa Weber, pas­sou a decidir con­forme sua con­vicção pes­soal, desre­spei­tando, eles próprios o órgão cole­giado, na sua instân­cia máx­ima. Acendeu-​se a caldeira do inferno. Os tri­bunais infe­ri­ores, obe­de­cendo a decisão do Supremo e seus min­istros a desrespeitando-​a.
O jul­ga­mento do HC do ex-​presidente é mais uma ver­tente a enve­ne­nar as relações insti­tu­cionais, arrisco dizer que o STF apro­fun­dou ainda mais seu desprestí­gio e o fosso que o sep­ara da sociedade.
A sociedade espera que, pelo menos diante do STF, todos cidadãos ten­ham o mesmo trata­mento. Aliás, mais de uma vez já se ouviu min­istros diz­erem que proces­sos não tem capa. Aí o cidadão se per­gunta: se fosse ele ou um João da Silva qual­quer ao invés do ex-​presidente, a corte gas­taria duas sessões inteira, indo pela madru­gada a den­tro para decidir um habeas cor­pus? Mais, o tri­bunal desafi­aria suas próprias decisões no intuído de lhe con­ceder uma ordem para não ser preso?
Qual­quer um sabe as respostas para estas per­gun­tas. Ela é não. Entre­tanto o se viu foi isso, o tri­bunal bus­cando dire­ito onde não havia para dar a um brasileiro em espe­cial, um trata­mento difer­en­ci­ado. E foi além, tive­mos min­istros da mais ele­vada Corte “exercendo” clara­mente o papel de advo­ga­dos de defesa do paciente, ques­tio­nando, inclu­sive, os votos diver­gentes.
A matéria posta em dis­cussão era bem sim­ples: se o STJ ao não per­mi­tir ao con­de­nado Luiz Iná­cio que recor­resse em liber­dade até esgo­tar todos os recur­sos, estaria agindo em afronta ao que dis­põe a Carta Magna a ser socor­rido com base no reme­dio hero­ico: “LXVIII — conceder-​se-​á «habeas-​corpus» sem­pre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer vio­lên­cia ou coação em sua liber­dade de loco­moção, por ile­gal­i­dade ou abuso de poder;”.
A resposta sin­gela a essa per­gunta: NÃO.
Não ocor­reu ile­gal­i­dade ou abuso de poder. O STJ agiu em con­formi­dade com o entendi­mento do próprio STF que decidiu assim – acer­tada­mente ou não, con­forme já descortinei o assunto out­ras vezes, ressal­vando meu pen­sa­mento em con­trário.
Acon­tece que o entendi­mento prevale­cente, até o momento, é no sen­tido do cumpri­mento da ape­nas após o esgo­ta­mento da segunda instân­cia, logo não have­ria que se falar em vio­lação da parte do STJ, con­quanto inúmeros brasileiros estão cumprindo pena, desde 2016, com base em tal prece­dente. E, salvo, protestos iso­la­dos aqui e ali, de advo­ga­dos e defen­sores, ninguém nunca se pre­ocupou com o fato dos presí­dios estarem cheios de pobres.
O que resta claro para a sociedade é que, ante a pos­si­bil­i­dade das auguras do cárcere atin­gir os poderosos, os crim­i­nosos de colar­inho branco, tenta-​se bus­car uma saída para que isso não ocorra.
Para isso, antes do sen­hor Lula ser preso, já artic­u­lam levar a jul­ga­mento as ADC’s (Ações Dire­tas de Con­sti­tu­cional­i­dade) para mudar o entendi­mento de 2016.
E, pior, para que não fique tão con­tra­ditório darem um giro de 180º na jurisprudên­cia, “tra­mam” um novo “puxad­inho jurídico”: o cumpri­mento da pena após a ter­ceira instân­cia, ou seja, a par­tir do jul­ga­mento no Supe­rior Tri­bunal de Justiça. Tudo para dar uma sobre­v­ida aos encalacra­dos, levar os proces­sos as cal­en­das, para pre­scrição ou para a morte dos crim­i­nosos.
Ao meu sen­tir ou se é con­sti­tu­cional ou não o cumpri­mento da pena antes do trân­sito em jul­gado. Fora disso é arru­mação.
A per­gunta der­radeira a se fazer é: quanto tempo mais o Brasil vai aguen­tar? Quanto tempo mais será o país do “jeit­inho”.
É con­tra isso que se insurge as vozes da cidada­nia.
Abdon Mar­inho ‘e advogado.