AbdonMarinho - LULA: UM INOCENTE ENCARCERADO?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 24 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

LULA: UM INOCENTE ENCARCERADO?

LULA: UM INOCENTE ENCARCERADO?

Por Abdon Marinho.

PAS­SAVA longe de min­has intenções voltar a escr­ever sobre a situ­ação jurídica do ex-​presidente Luiz Iná­cio Lula da Silva, encar­cer­ado para cumpri­mento da pena a que foi con­de­nado pela Justiça brasileira de 12 anos e um mês de prisão.

Antes de qual­quer con­sid­er­ação, devo reit­erar o que disse noutras vezes: o infortúnio de ninguém me causa júbilo. O infortúnio de Lula menos ainda. O meu sen­ti­mento é de pesar, frus­tração e ver­gonha pelo país ter que pas­sar por mais essa: ter um ex-​presidente encar­cer­ado pelos crimes comuns de cor­rupção e lavagem de din­heiro.

Não pre­tendia falar disso porque já o fiz algu­mas vezes.

Logo que este e out­ros proces­sos tiveram iní­cio aler­tava para o grave equívoco da defesa do sen­hor Lula em ten­tar fazer uma defesa política e não jurídica das imputações. Não me cabe jul­gar, talvez, como defesa jurídica só tivessem mesmo a política.

O sen­hor Lula foi con­de­nado por cor­rupção e lavagem de din­heiro. As provas de tais deli­tos estão mate­ri­al­izadas em doc­u­men­tos, perí­cias e teste­munhos, den­tre os quais se desta­cam o do cor­réu Léo Pin­heiro, que con­fir­mou as imputações de que o aparta­mento – que no dis­curso o sen­hor Lula se referiu como “meu aparta­mento” –, fora reser­vado, refor­mado e equipado como parte do esquema de propinas da sua empresa, OAS, ao ex-​presidente e ao seu par­tido, con­forme ajus­tada com o tesoureiro da agremi­ação João Vac­cari Neto.

A equipe de juris­tas do ex-​presidente, das mais efi­cientes e caras, tinha como se con­tra­por ao con­junto de provas? Temo que não, por isso mesmo teria insis­tido na tática do enfrenta­mento político das provas jurídi­cas, como, aliás, ainda insis­tem em fazê-​lo.

Por ocasião da pro­lação da sen­tença, no ano pas­sado, assen­tei que a sen­tença estava bem posta e calçada em refer­ên­cias das provas con­stantes dos autos do processo. Disse mais: — terão grandes difi­cul­dades para descon­sti­tuir a sen­tença.

No enfrenta­mento da sen­tença, pelo que acom­pan­hamos da sessão de jul­ga­mento da Oitava Câmara do Tri­bunal Regional Fed­eral Quarto, sedi­ado em Porto Ale­gre, RS, a defesa do ex-​presidente não trouxe ele­men­tos capazes de modificá-​la, razão pela qual aquela corte não só man­teve a sen­tença do juiz Sér­gio Moro como a ampliou em mais alguns anos.

Assim cheg­amos à situ­ação do atual do sen­hor Luiz Iná­cio Lula da Silva: con­de­nado pelo juiz nat­ural do processo com sen­tença con­fir­mada e ampli­ada pela segunda instân­cia, a quem com­petia o exame de toda a matéria.

Como sabe­mos – e dis­se­mos –, o ex-​presidente – difer­ente dos demais brasileiros –, pos­sui os mais abal­iza­dos advo­ga­dos do país tra­bal­hando na sua defesa e que, cer­ta­mente, ques­tionaram e recor­reram às instân­cias supe­ri­ores até das vír­gu­las, por­ven­tura exis­tentes fora de ordem nos autos, ainda assim, não obtiveram qual­quer êxito que com­pro­vasse a inocên­cia do ex-​presidente das imputações que lhes foram impostas.

Além da defesa, até aqui, não con­seguir com­pro­var a inocên­cia do con­de­nado tão pouco, con­seguiram que fos­sem revis­tos quais­quer atos da instrução proces­sual pelas instân­cias supe­ri­ores.

Impor­tante estes esclarec­i­men­tos, uma vez que ainda hoje a mil­itân­cia – talvez no propósito de con­struir sua própria nar­ra­tiva –, insiste em dizer que o ex-​presidente é inocente. Como inocente se jul­gado e con­de­nado pelas instân­cias ordinárias da Justiça?

Como sabe­mos, dora­vante as demais instân­cias – Supe­rior Tri­bunal de Justiça e Supremo Tri­bunal Fed­eral –, não mais se debruçarão sobre o exame das provas, só podendo, mod­i­ficar o jul­gado no exame do dire­ito, o que rara­mente acon­tece – salvo engano em menos de um por cento dos casos.

A ideia de inocên­cia ou a tolice de que esta­mos diante de um “pri­sioneiro político” não faz o menos sen­tido, servindo ape­nas, como disse, como uma nar­ra­tiva que os seguidores do petista ten­tam con­struir para fugir do rótulo de que, infe­liz­mente, sua maior lid­er­ança política sucumbiu aos encan­tos da cor­rupção que tanto prom­e­teu com­bater.

Igual­mente tola é a ideia de que o ex-​presidente é vítima de “perseguição” da parte dos del­e­ga­dos da polí­cia fed­eral, dos mem­bros do Min­istério Público e do Poder Judi­ciário.

Não há, em lugar nen­hum dos autos, ou fora deles – exceto pelo próprio con­de­nado, com a des­culpa da emoção –, a infor­mação de que del­e­ga­dos ou procu­radores ten­ham for­ja­dos provas con­tra o con­de­nado.

O mesmo sen­ti­mento ocorre em relação a sen­tença, calçada, repito, nas provas jun­tadas aos autos.

Será que algum juiz ousaria con­denar um ex-​presidente República que deixou o poder com níveis ele­va­dos de apoio pop­u­lar e que ainda hoje, com tan­tas coisas que foram rev­e­lada, mantém-​se na dianteira das pesquisas eleitorais, sem provas consistentes?

Ora, não faz sen­tido tal cren­dice. Como disse ante­ri­or­mente, defen­dem o ex-​presidente os mais expe­ri­entes e com­pe­tentes advo­ga­dos, tivesse o juiz incor­rido em qual­quer equívoco na pro­lação do decreto con­de­natório, não ten­ham duvi­das, estes seriam rechaça­dos e mostra­dos ao Tri­bunal Regional Fed­eral, que atua como órgão de revisão.

Como sabe­mos, não foi o que se deu. O TRF4, con­hecendo da matéria, não ape­nas con­fir­mou a con­de­nação, por una­n­im­i­dade – é bom que se reg­istre –, como ampliou a pena.

Os defen­sores do con­de­nado não con­seguiram descon­sti­tu­ição das provas e, por con­seguinte, da pena.

Ainda assim a nar­ra­tiva que os defen­sores do ex-​presidente ten­tam “vender” aos incau­tos é que teria havido um con­luio, envol­vendo desde del­e­ga­dos, mem­bros do min­istério público, um juiz e uma turma inteira de tri­bunal para condená-​lo.

Pior, ninguém nas instân­cias supe­ri­ores tem perce­bido tão nefasta urdidura. Tam­bém seriam cúmplices?

E vão além, ten­tam pas­sar a ideia de que toda a “Oper­ação Lava Jato” não passa de uma “trama” con­tra os inter­esses do par­tido, do ex-​presidente e do povo.

Vemos clara­mente isso quando no seu dis­curso antes da prisão o ex-​presidente saúda deter­mi­nado cidadão elo­giando sua “luta incan­sável” con­tra a oper­ação que tem ten­tado pas­sar o país à limpo depois que uma ver­dadeira praga de gafan­ho­tos tomou conta da Petro­bras e desviou uma fábula em recur­sos públi­cos.

A própria empresa recon­heceu, no seu bal­anço, um pre­juízo de cerca de seis bil­hões com a cor­rupção.

Quando vejo a nar­ra­tiva, os diver­sos dis­cur­sos e o com­por­ta­mento do ex-​presidente e seus ali­a­dos, cheg­amos à con­clusão que os mes­mos não têm quais­quer com­pro­mis­sos com o país e suas insti­tu­ições.

O que inter­essa é ape­nas eles e o poder pelo poder, a pauta deles é clara.

Como a única chance do sen­hor Lula ser solto é o Supremo Tri­bunal Fed­eral mod­i­ficar jurisprudên­cia que per­mite o cumpri­mento da pena a par­tir do jul­ga­mento em segunda instân­cia, quando se encerra o exame das provas, movem céus e terra para que isso acon­teça, inde­pen­dente das con­se­quên­cias que isso trará ao país, como expli­care­mos a seguir.

Como sabe­mos o STF esta­b­ele­ceu a pos­si­bil­i­dade do cumpri­mento da pena a par­tir da segunda instân­cia e o TRF4 ado­tou tal entendi­mento como súmula, ou seja, como regra geral, o ex-​presidente con­de­nado e seus ali­a­dos terão que con­struir um entendi­mento que impeça ou mel­hor que proíba o cumpri­mento da pena a par­tir da segunda instân­cia.

O resul­tado disso é que, caso con­sigam o seu intento, todos que este­jam nas condições do ex-​presidente, poderão requerer tal bene­fí­cio, qual seja: só ser encar­cer­ado após não haver mais pos­si­bil­i­dade de qual­quer recurso, embargo ou agravo em qual­quer instân­cia da Justiça.

Alguém já imag­i­nou as con­se­quên­cias disso para o com­bate à crim­i­nal­i­dade?

O outro ponto da pauta que vai con­tra os inter­esses do país é a insistên­cia do ex-​presidente e seus ali­a­dos em querer por fim a chamada Lei da Ficha Limpa.

Como sabe­mos há, atual­mente, dois óbices à can­di­datura do ex-​presidente, além do fato de encontra-​se encar­cer­ado: a con­de­nação em segunda instân­cia e natureza da con­de­nação (cor­rupção e lavagem de din­heiro) que tor­nam automática a exclusão de quem assim se encon­tra de dis­putar eleições.

Pois bem, emb­ora o próprio ex-​presidente e todos seus ali­a­dos ten­ham feito cam­panha pela Lei da Ficha Limpa, agora estão todos con­tra, querem a revo­gação da lei para garan­tir que o ex-​presidente, caso seja solto, par­ticipe do pleito – e assim como ele, todos demais “fichas sujas” que estão afas­ta­dos da dis­puta.

Em resumo, meus sen­hores, assim como todos os dita­dores, o que querem o ex-​presidente e seus ali­a­dos é ficarem fora do alcance da lei. Não querem que leis do país sejam apli­cada a eles.

As provas de que não acred­i­tam na democ­ra­cia e nas suas insti­tu­ições estão mais que claras. Numa estranha iro­nia a espan­car nos­sas faces, no mesmo dia em que o sen­hor Lula foi con­vi­dado a se entre­gar para cumprir pena a que foi reg­u­lar­mente con­de­nado após longo processo, a tele­visão exibia as ima­gens da ex-​presidente da Cor­eia do Sul, sendo lev­ada para a cadeia alge­mada, acom­pan­hada uni­ca­mente por duas poli­ci­ais, con­de­nada que foi a 24 anos de prisão. Seus crimes, emb­ora de longe, acred­ito, pas­sam longe dos aqui cometi­dos pelo sen­hor Lula.

As ima­gens são con­trastantes: enquanto por aqui se fez (e ainda se faz) todo um car­naval, com dire­ito a chur­rasco, cachaça, dis­curso, comí­cio, man­i­fes­tação de ruas e adu­lação, por lá, ape­nas a imagem de ser­ena res­ig­nação da con­de­nada, alge­mada, sendo con­duzida.

O Brasil e nos­sas autori­dades ainda têm muito a apren­der em matéria de democ­ra­cia e respeito à lei, que deve ser igual para todos. Para todos!

Abdon Mar­inho é advo­gado.